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Por Lucianne Carneiro — Do Rio


Ettore Stefani de Medeiros, professor universitário de 31 anos: violência sentida desde a infância e segue até hoje — Foto: Arquivo pessoal
Ettore Stefani de Medeiros, professor universitário de 31 anos: violência sentida desde a infância e segue até hoje — Foto: Arquivo pessoal

Gays, lésbicas e bissexuais no Brasil têm, em média, três vezes mais chance de serem vítimas de violência física que a população heterossexual. O retrato é parte de um estudo inédito de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a partir de microdados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O trabalho foi pré-publicado pela Revista Brasileira de Epidemiologia e antecipado com exclusividade ao Valor.

Entre as pessoas que se autodeclararam lésbicas, gays e bissexuais, 14,7% informaram terem sofrido algum tipo de violência física no período de 12 meses anterior à pesquisa. Entre heterossexuais, a parcela foi de 3,82%. Pelas contas dos pesquisadores do Observatório de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, a população LGB tem três vezes mais chance de ser vítima de violência física que a heterossexual. O cálculo ajusta o dado por idade, para tratar como iguais a chance dessas situações em todas as faixas etárias.

A chance de sofrer violência é maior entre as mulheres - tanto da comunidade LGB+ quando heterossexuais - que entre os homens. Essa característica se repete em todos os demais recortes da pesquisa. Os dados do artigo “Violência contra pessoas LGB+ no Brasil: análise da Pesquisa Nacional de Saúde” se referem ao ano de 2019, quando pela primeira vez o IBGE tratou de orientação sexual e levantou dados de abrangência nacional sobre o tema.

A distância entre a incidência de casos entre pessoas LGB+ e pessoas heterossexuais é ainda maior nos casos de violência sexual. Nas pessoas LGB+, 4,86% indicaram terem sido vítimas no período de 12 meses antes de participarem da pesquisa, ante 0,68% dos heterossexuais. Neste caso, a possibilidade de pessoas LGB+ passarem por uma situação de violência sexual é quase cinco vezes maior que a de heterossexuais.

Mais frequente que os outros dois tipos, a violência psicológica atingiu 40,03% dos entrevistados LGB+ e 16,73% da população heterossexual como um todo. Na consolidação de todos os tipos de violência, o indicador de violência total aponta que 17,61% dos heterossexuais reportaram alguma situação nos 12 meses anteriores à pesquisa, parcela bem inferior que a da população LGB+ (41,63%). A probabilidade de um caso de violência psicológica é de 2,5 vezes maior entre LBG+ que entre heterossexuais.

Uma das autoras do estudo, a professora da Escola de Enfermagem da UFMG Deborah Malta diz que os dados levantados pelo IBGE confirmam as hipóteses iniciais, que existiam a partir de relatos de jornais e de conhecidos. Esse é o primeiro estudo nacional que permite que se afirme com segurança, a partir de dados oficiais, que a frequência da violência é maior entre a população LGB+ que entre heterossexuais, aponta.

“O traço da violência já é preocupante na população brasileira em geral, de 17,61% ou duas a cada dez pessoas, mas sobe ainda mais quando se trata da população LGB+. É assustador. A violência está estampada no nosso cotidiano”, afirma.

Para a pesquisadora, o resultado reforça a importância de formulação de políticas públicas integradas para reduzir a violência contra a população LGB+. As iniciativas, destaca, passam pelas áreas de educação, saúde e também uma atuação mais incisiva sobre os crimes praticados.

“Nos últimos anos, com o crescimento do conservadorismo, essa violência ficou invisível e foi minimizada. É preciso uma articulação interssetorial, com várias políticas para tratar da questão, passando pela saúde, educação, com práticas educativas de tolerância, inclusão e diversidade, além da Justiça. Já consta que a homofobia é um crime e é preciso ampliar e facilitar o acesso para reparação desses crimes.”

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passe a ser considerada um crime. Com isso, permitiu a criminalização da homofobia e da transfobia, que passaram a ser enquadradas no crime de racismo. A pena prevista é de um a três anos, mas pode chegar a cinco anos em casos mais graves.

Para o professor universitário Ettore Stefani de Medeiros, de 31 anos, a decisão do STF é um passo importante para a defesa de pessoas da comunidade LGBT, mas não é garantia. Ele lembra de crescer como um menino afeminado, que passou por várias situações de violência física na infância por isso. Certa vez, foi apedrejado por conhecidos na rua em que morava por ter enterrado um passarinho que morreu no quintal. “Fui chamado de viadinho”, conta.

Hoje, sente na rotina uma violência “nem sempre declarada”, na forma de ofensas verbais ou outras mais sutis, como quando passeia de mãos dadas com o namorado. “A decisão de STF foi um ato simbólico importante, mas existe uma LGBTfobia estrutural que demanda uma ação conjunta com diferentes estratégias.”

Uma de suas lembranças mais marcantes de situações de violência ocorreu com uma amiga lésbica, que foi estuprada por um grupo de homens. “Com uma postura mais masculina, essa minha amiga foi violentada, numa espécie de estupro corretivo. Uma violência enorme”, afirma.

Professor titular aposentado de antropologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e fundador do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott reconhece progressos nas condições de vida da comunidade LGBT+, mas diz que ainda existe receio e tabu.

“A população LGBT+ é a minoria mais discriminada e agredida e a perseguição começa dentro de casa, na própria família, o insulto, as pancadas, a cura gay forçada, a expulsão... Houve melhoras e conquistas fundamentais, mas por enquanto nenhuma lei federal, apenas conquistas através do judiciário”, diz.

Mott defende punição com rigor para os casos de violência - “impunidade leva a novos crimes” -, além de um amplo trabalho de educação e a criação de políticas públicas para este público. “A violência é ainda maior que aparece nas pesquisas”, afirma o professor aposentado.

Mais recente Próxima Proposta tem problemas e não deveria ser prioridade

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