BRASÍLIA — Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) detectou “potencial prejuízo ao erário” de pelo menos R$ 3,3 milhões e favorecimentos políticos indevidos em um convênio assinado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão subordinado ao Ministério da Educação e comandado por indicados do Centrão. O contrato sob suspeita gerou repasses para pessoas ligadas a partidos políticos e até mesmo um alvo preso temporariamente pela Lava-Jato de Curitiba. Segundo a CGU, a maior parte dos repasses não tem comprovação da prestação de serviços.
O convênio foi assinado pelo FNDE com a Universidade de Brasília (UnB) para financiar um projeto de pesquisa cuja finalidade seria entregar relatórios com sugestão de ações “para minimizar o tempo de recuperação do impacto da Covid-19 na região do Distrito Federal”. Para a CGU, o objeto do contrato é excessivamente genérico e não tem relação direta com a educação básica, que é a área de atuação do FNDE.
Após os achados da auditoria, finalizada em dezembro, o FNDE recomendou à UnB a suspensão do projeto, para que fossem feitas correções apontadas pela CGU. Com isso, a execução está paralisada. “O acompanhamento da execução do projeto mostrou-se frágil, tendo em vista que não há qualquer ação de controle”, escreveu a Controladoria-Geral da União.
Um fato atípico da tramitação do contrato chamou a atenção dos auditores: o processo foi conduzido por um departamento que não tem relação com educação, a diretoria de tecnologia e inovação do FNDE, comandada por Paulo Roberto Aragão Ramalho, indicado ao cargo pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto. O convênio tem valor total de R$ 90 milhões e foi assinado em outubro de 2020 pelo presidente do FNDE, Marcelo Lopes, indicado por Ciro Nogueira.
Em vez de liberar os recursos por etapas, como é praxe na administração pública, o FNDE transferiu de uma só vez a totalidade dos R$ 90 milhões para bancar o projeto de pesquisa, com execução prevista até 2023.
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O coordenador do projeto, o economista e professor da UnB José Carneiro da Cunha Oliveira Neto, já havia trabalhado no governo do Distrito Federal como coordenador de parcerias público-privadas. Diversos bolsistas selecionados como pesquisadores, que não fazem parte do quadro de alunos e pesquisadores da UnB, também passaram por cargos no governo do DF no mesmo período em que Carneiro atuou na gestão distrital.
Ao analisar parte dos recursos aplicados, a CGU detectou, por exemplo, que um total de R$ 2,4 milhões repassados a bolsistas não tiveram a entrega de relatórios comprovando a produção de pesquisas. Além disso, a CGU identificou que foram selecionados como bolsistas pessoas com ligações político-partidárias com legendas como PP, PTB, PT, PSDB, PMDB e PSB. Esses bolsistas não fazem parte do quadro da UnB.
Dentre eles está, por exemplo, um alvo preso temporariamente pela Lava-Jato de Curitiba em abril de 2016, Paulo Cesar Roxo Ramos, ex-assessor do senador Gim Argello (PTB) — apesar da prisão, Roxo Ramos foi absolvido pela Justiça Federal do Paraná e pelo TRF-4. Ele não respondeu aos contatos da reportagem. O coordenador do projeto disse que Roxo cursava mestrado em Economia na UnB e, por isso, atuou na elaboração do projeto.
Também há entre os bolsistas um ex-candidato a deputado federal pelo PP, partido do Centrão, Amauri Rafael Coelho Pereira, e o diretor de um instituto alvo da CPI da Covid, Marcelo Lourenço Coelho de Lima, do Instituto Força Brasil. O instituto apareceu na CPI por suspeitas de atuar na intermediação de falsa venda de vacinas com o Ministério da Saúde, mas Marcelo não chegou a ser investigado pela comissão. Procurado, Amauri não quis falar sobre quais pesquisas desenvolveu. Lima não foi localizado pela reportagem.
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“Sendo assim, constata-se que dos 107 pesquisadores que receberam bolsas, 69 não apresentaram produtos e receberam um total de R$ 2.489.000,00 em bolsas de pesquisa, sendo que tais valores indicam potencial desperdício de recursos públicos”, diz o relatório.
Até setembro de 2021, havia sido executada uma fatia de R$ 9,1 milhões do valor total do convênio. Por isso, os desvios por meio das bolsas com suspeitas de fraude representam 27% do valor executado.
Outra suspeita de irregularidade envolve a contratação, como parte do convênio, da empresa Holding Be Byte Tecnologia Educacional, para apresentar soluções em robótica, no valor de R$ 2,1 milhões. Essa empresa, entretanto, havia sido criada um mês antes da celebração do convênio e sua primeira nota fiscal foi justamente referente a esse serviço. A CGU detectou que cerca de R$ 1 milhão foi pago à empresa sem comprovação da prestação do serviço, em um caso de “potencial pagamento indevido por serviços não prestados pela empresa contratada”.
Metas detalhadas
Procurado, o coordenador do projeto, José Carneiro da Cunha, afirmou que não houve irregularidades na produção das pesquisas; disse que os bolsistas apresentaram relatórios dos trabalhos feitos até agora e que os produtos só serão entregues por eles após 20 meses de trabalho, conforme cronograma estipulado inicialmente. Foi por isso, entretanto, que a execução foi suspensa: a CGU exigiu metas mais detalhadas para entrega dos resultados.
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Sobre as suspeitas de favorecimento político, ele afirmou: “Desconhecemos vínculos políticos dos pesquisadores, inclusive porque este aspecto, em particular, não é requisito para se contratar ou não bolsistas”.
Responsável pela gestão administrativo-financeira do projeto, a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos da UnB (Finatec) diz que o pagamento das bolsas está suspenso até que sejam realizados os ajustes solicitados.
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A UnB afirmou, em nota, que o convênio “passou por todas as áreas técnicas e órgãos colegiados competentes da universidade, que avaliam o mérito técnico e científico e a conformidade legal”. A instituição argumenta que agiu de forma preventiva quando, em dezembro de 2020, determinou uma auditoria interna especial para acompanhar a execução do convênio, em função do seu elevado valor. A auditoria foi concluída em julho do ano passado, e as recomendações estão sendo implementadas.
O FNDE disse que todas as providências solicitadas pela CGU “foram prontamente tomadas” e que está colaborando com as investigações.
FNDE já teve que cancelar compra de computadores
A Controladoria-Geral da União (CGU) identificou irregularidades em uma licitação de R$ 3 bilhões conduzida pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em 2019, e determinou a sua suspensão devido ao risco de gasto indevido de recursos públicos. Com isso, a contratação foi cancelada. O caso foi revelado em dezembro de 2019 pelo GLOBO.
Um dos principais problemas detectados pela CGU foi que a licitação estimou um número maior do que o necessário de computadores a serem adquiridos, usando critérios falhos e sem base técnica. A investigação constatou que 355 escolas demandaram mais laptops do que seu número real de alunos.
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Uma escola do município de Itabirito (MG), por exemplo, apresentou o pedido de 30.030 laptops, embora a unidade só tenha registrado na planilha enviada ao Ministério da Educação o número de 255 estudantes.