Política

Centrão quer mais espaço no governo Bolsonaro e já mira MEC e Petrobras

Ministério e maior estatal do pais tem juntos orçamento superior a R$ 200 bilhões

Foto: Jefferson Rudy/Ag.Senado
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Depois de ocupar um espaço inédito no governo, incluindo o núcleo duro do Palácio do Planalto, com a Casa Civil e a Secretaria de Governo, o Centrão volta seus olhos para o Ministério da Educação (MEC), um dos maiores orçamentos da Esplanada e considerado uma máquina de votos por sua capacidade de investimento nos rincões do país. As suspeitas de cobrança de propina na pasta são vistas pelo grupo conhecido pelo pragmatismo político-eleitoral como oportunidade de emplacar um substituto no lugar do ministro Milton Ribeiro, que balança no cargo.

O bloco de parlamentares que há anos dá as cartas no Congresso tenta avançar ainda no Ministério da Ciência e Tecnologia, que deve ficar vago com a saída do ministro Marcos Pontes para disputar as eleições. A pasta interessa ao PP, partido do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. A cobiça também envolve a Petrobras, cujo presidente, o general da reserva Joaquim Silva e Luna, é alvo de insatisfações no Palácio do Planalto e no Congresso após reajustar o preço do combustível. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos líderes do Centrão, é um dos principais críticos da política atual da empresa, que deixou de abrigar indicados da base aliada do governo desde o início da Operação Lava-Jato, em 2014.

No último dia 10, Lira postou em seu perfil no Twitter: “Me causou espanto a insensibilidade da Petrobras com os brasileiros — os verdadeiros donos da companhia. O aumento de hoje foi um tapa na cara de um país que luta para voltar a crescer.”

Desde quando assumiu o cargo, Silva e Luna já precisou ir à Câmara duas vezes para explicar aumentos nos combustíveis e uma no Senado. Agora, terá que voltar ao Congresso para justificar a mais recente alta dos preços. Ainda não há data para a nova audiência.

Lira e Nogueira também já mostraram que gostariam de ter alguém mais político em cargos de comando da estatal, quando chancelaram o nome de Rodolfo Landim — uma escolha do presidente Jair Bolsonaro — para comandar o Conselho de Administração da Petrobras. Segundo a colunista Malu Gaspar, os caciques do PP consideram que o executivo pode abrir um “canal de interlocução livre de dogmas” com a direção da empresa.

Apesar de ter participado de todos os governos desde a redemocratização, o Centrão nunca teve tanto espaço como agora. Além da Casa Civil (Ciro Nogueira) e da Secretaria de Governo (Flávia Arruda), os três principais partidos que dão sustentação política ao governo do presidente Jair Bolsonaro — PP, Republicanos e PL — mantém o controle dos ministérios da Cidadania (João Roma) e Comunicações (Fábio Faria). As três legendas acumulam ainda dezenas de cargos-chave de segundo e terceiro escalões da administração pública federal.

É o Ministério da Educação, contudo, a “galinha dos ovos de ouro”. Com orçamento de R$ 159,58 bilhões em 2022 — o quinto maior da Esplanada —, a pasta atrai o interesse de políticos pela capilaridade com que esse dinheiro pode ser ser empregado em seus redutos eleitorais. Cabe ao MEC, por exemplo, decidir quais cidades vão receber recursos para construir escolas, creches, além da gestão do ensino superior do País, ativos políticos estratégicos para angariar votos neste ano.

Embora boa parte das despesas do ministério seja engessada — como pagamentos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e alimentação escolar, entre outras —, há um montante relevante para ser repassado aos municípios por critérios políticos. É o caso do Programa de Ações Articuladas (PAR). que prevê assistências técnica e financeira aos municípios para comprar material didático, realização de obras, aquisição de veículos, realização de formação de professores e de eventos.

De 2018 a 2021, o MEC distribuiu por meio do PAR verbas para 3.772 cidades, ou seja, quase 70% dos municípios brasileiros. Ao longo desses anos foram cerca de R$ 4 bilhões destinados a estados e municípios com o dinheiro usado como trunfo pelos pastores que nesta semana passaram a ser investigados pela Polícia Federal.

Segundo prefeitos ouvidos pelo GLOBO, pastores com trânsito livre na pasta vendiam facilidades para liberar esses recursos para municípios em troca de propinas que poderiam ser pagas até por meio de aquisição de bíblias.

Além do cofre cheio, a pasta é a segunda em número de servidores, com mais de 373 mil funcionários, perdendo apenas para o Ministério da Defesa, e tem a maior folha de pagamento de toda a Esplanada. De olho no comando do ministério, o Centrão já administra o principal órgão da pasta, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável por executar boa parte do orçamento do órgão: R$ 64,78 bilhões.

O presidente do fundo é Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, do PP, um dos cotados para assumir a pasta em caso de demissão de Milton Ribeiro. Já o diretor de Ações Educacionais é Garigham Amarante Pinto, próximo de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro.

Pesquisador da área educacional da Fundação Getulio Vargas, João Marcelo Borges aponta que as cifras que dependem da caneta do ministro da Educação representam “muito poder” na ponta quando são pulverizadas em forma de inauguração de quadra de esporte, lançamento da pedra fundamental de uma creche ou abertura de um laboratório de ciências.

— A educação é uma política de longa exposição: são 40 milhões de crianças e jovens que vão todos os dias para a escola, só na educação básica. Há um olhar da política pública, mas também da política eleitoral. Todas essas crianças têm pais que são eleitores — analisa.

O simbolismo de um feito na educação também é outro fator importante nos ativos políticos.

— O político vai na inauguração do hospital, mas não fica capitalizando ao longo do tempo, porque é um lugar de doença. Já a quadra de esporte em determinados lugares vai servir para se fazer festas da cidade, jogos, shows. E não há equipamento público mais numeroso no País que a escola. Ela está em todos os municípios do Brasil — afirma Borges.

Mas não são apenas os vultosos recursos que chamam a atenção de políticos de Brasília. Ao emplacar aliados em cargos de direção do MEC ou do FNDE, esses partidos recebem também a possibilidade de acelerar ou atrasar a liberação de valores.

— O MEC é um pouco “prefeiturizado”, de alguma forma, porque repassa direto a estados e municípios. E essa relação direta é um dos pontos que torna a pasta atraente aos políticos — diz Lucas Hoogerbrugge, do movimento Todos pela Educação.

Outro motivo da cobiça do Centrão pelo MEC se deve à possibilidade de controlar os repasses via orçamento secreto. Por esse mecanismo, recursos públicos são enviados a estados e municípios sem critérios objetivos e sem a identificação do parlamentar responsável por destinar o dinheiro. Segundo um levantamento feito pelo GLOBO, quase meio bilhão de reais do orçamento secreto passaram pelo FNDE no ano passado.

As altas cifras sob o comando da pasta explicam a movimentação intensa de prefeitos, que costumam ir a Brasília com o pires na mão atrás da verba federal. Ao serem atendidos, não poupam na propaganda, transformando a reforma de uma escola ou a entrega de ônibus escolar em trunfo eleitoral.

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