Ceará desafia a lógica

Apesar do baixo desempenho socioeconômico, Estado encontrou modelo para desenvolver educação e liderar ranking

Keyty Medeiros Colaboração para Ecoa, de São Paulo

As cearenses Fortaleza, Aracati e Caucaia fazem jus à ideia de cidades bonitas à beira-mar no nordeste brasileiro. Mas nem só de ventos e mar é feito o Ceará. O interior do estado apresenta chapadas e serras, além de faixas de região semi-árida - os sertões cearenses, onde o a temperatura é mais alta e o ar, seco.

As diferenças, no entanto, não ficam apenas na paisagem. Há disparidades sociais, agravadas por questões como economia e oferta de emprego. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ceará registrou um PIB (produto interno bruto) de quase R$ 150 bilhões em 2017, mas apesar da cifra continua entre os mais pobres do país — na 18ª posição de 27 estados e distrito federal. O rendimento médio mensal por habitante em 2019 foi de apenas R$ 942.

O baixo desempenho econômico faz com o estado desafie a lógica do senso comum: é destaque nos rankings de avaliação do ensino. Tem o 2º melhor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) para os anos iniciais do ensino fundamental, atrás apenas de São Paulo.

O sucesso do modelo educacional incentivou o Banco Mundial a organizar um estudo inédito que pode oferecer algumas respostas que expliquem o bom desempenho. A análise do órgão se concentra entre os anos de 2005 e 2017 e usa o IDEB como indicativo de desempenho educacional.

De acordo com economistas e consultores em políticas públicas que elaboraram o documento do Banco Mundial publicado em junho deste ano, o Ceará possui um modelo de educação básica capaz de reduzir a pobreza de aprendizagem e que pode ser replicado em outros estados do país a partir de alguns pilares de gestão e eficiência.

Especialistas em educação entrevistados por Ecoa ressaltam que o modelo apresentou resultados significativos no IDEB nacional, mas que apenas o exame não seria suficiente para promover uma educação de qualidade por si só, já que os resultados dependem de ações coordenadas entre prefeituras e municípios.

Para Gabriel Corrêa, especialista em políticas públicas do Todos pela Educação, os resultados educacionais podem levar a melhoras no quadro econômico do estado em alguns anos.

O que diz o documento?

O estudo elaborado pelo Banco Mundial indica que quase todos os 184 municípios do Ceará apresentaram melhoras nas taxas de evolução escolar e aprendizado no ensino fundamental tanto em anos iniciais quanto em anos finais, indicado por uma constante crescente nos resultados do IDEB entre 2005 e 2017. Apenas para efeitos de comparação, em 2005 o resultado no IDEB anos iniciais do ensino fundamental foi de 2,8 e, em 2019 o índice chegou a 6,3, ultrapassando a meta de 6,0 sugerida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para o Brasil em 2022. Vale ressaltar que a cidade de Sobral, por exemplo, chegou a ter o melhor desempenho no IDEB nacional para séries iniciais do ensino fundamental em 2017, com impressionantes 9,1.

O documento demonstrou que 10 dos 20 municípios brasileiros com melhor desempenho no IDEB anos iniciais e finais do ensino fundamental eram municípios cearenses - e, ao contrário do que se poderia supor, estas cidades estão localizadas em regiões socioeconomicamente empobrecidas.

Aplicado a cada dois anos para turmas do ensino fundamental e médio, o IDEB é uma prova de alcance nacional que avalia a taxa de aprovação média das escolas e o desempenho dos estudantes nas disciplinas de português e matemática. É uma média de três médias. "O IDEB é um indicador muito importante para a educação básica por sintetizar de uma maneira muito didática, de uma forma que todo mundo consegue entender, a qualidade de ensino e até a qualidade média educacional do país. Agora, ele não deve ser a única métrica, a gente não pode ter toda uma política educacional olhando só para o IDEB", alerta o especialista em políticas educacionais do Todos pela Educação (TPE), Gabriel Corrêa.

O documento também sugere que o crescimento econômico do estado do Ceará nos últimos anos pode ser resultado das melhorias aplicadas na educação pública e "provavelmente está relacionado, pelo menos em parte, com os consideráveis ganhos de aprendizagem". No ano passado, um estudo coordenado pelo analista de políticas públicas cearense Witalo de Lima Paiva demonstrou que o PIB de 2017, de cerca de R$148 milhões, elevou a participação do estado à 12ª posição do país e à terceira colocação no Nordeste, destacando o crescimento da indústria e da agropecuária.

Quais são os pilares do modelo?

Corrêa concorda com o pressuposto do Banco Mundial e destaca que embora a educação tenha um potencial transformador na vida dos indivíduos, os resultados sociais de uma boa educação ainda estão por vir, principalmente porque a educação no Ceará apresentou melhoras acentuadas só nos últimos 10 anos.

Os estudos do Todos pela Educação apontam que mesmo num estado relativamente pobre, o Ceará está conseguindo reduzir as diferenças de aprendizado entre os alunos mais ricos e os mais pobres.

O sistema de educação cearense se apoia em cinco eixos interdependentes: alfabetização na idade certa para todas as crianças, incentivos financeiros para os municípios, assistência técnica na elaboração de materiais e atividades pedagógicas e avaliação contínua do aprendizado de estudantes.

A tese é reforçada pelo Banco Mundial que destaca os seguintes elementos como centrais desse modelo combinado de gestão e desempenho:

  • 1

    Incentivos para municípios melhorarem resultados em educação

    O estudo do Banco Mundial destaca que a alteração da distribuição do ICMS do Ceará em função do desempenho nas provas do IDEB, promovida pelo governo estadual em 2007, foi fundamental para reduzir o atraso educacional entre os alunos do estado. Isso porque o recurso dos impostos recebidos é desvinculado dos gastos "fixos" com educação como pagamento de salários, e cabe à prefeitura definir como este recurso "extra" pode ser usado, incluindo áreas como infraestrutura, saúde e até mesmo em educação. No entanto, apenas as cidades com melhor desempenho em educação têm acesso a esse recurso que pode chegar a até 18% do ICMS redistribuído pelo governo estadual. O estudo aponta ainda que no caso dos municípios mais pobres os repasses "extras" do ICMS podem representar mais da metade de toda a receita municipal. Para especialistas do TPE, o recurso inclui a educação na agenda política dos políticos e prefeitos.

  • 2

    Assistência técnica às redes municipais de ensino

    A partir de 2007, os governos estadual e municipal estabelecem um pacto no qual o ensino fundamental (1º ao 9º ano) passa a ser de responsabilidade das prefeituras e o ensino médio passa a ser administrado pelo estado, como preposto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O acordo deu origem, entre outras coisas, ao Pacto pela Alfabetização na Idade Certa (PAIC), que passou a oferecer diferentes ações de apoio técnico às secretarias municipais de educação. Por meio da Secretaria Estadual de Educação, os municípios recebem workshops de formação de professores com foco em práticas pedagógicas, materiais didáticos direcionados para a alfabetização e para um currículo unificado e, posteriormente, recebem diferentes formas de autoavaliar o desempenho de professores e alunos.

  • 3

    Prêmios por desempenho escolar ao longo do tempo

    O estado criou alguns referenciais de desempenho escolar e passou a premiar escolas e professores que o atingissem por meio do Programa Escola Nota 10. Com a iniciativa, escolas com bom desempenho que prestarem assistência técnica a outras escolas com desempenhos mais baixos são premiadas com o objetivo de melhorar a rede de ensino como um todo. Da mesma maneira, escolas que aumentarem as diferenças de aprendizado entre os estudantes podem ser penalizadas.

  • 4

    Liderança política sustentada

    Especialistas em educação afirmam que a estabilidade política é fundamental para a permanência e o aprimoramento de políticas educacionais de qualidade, garantindo a continuidade. Enquanto que avaliação, revisão e aprofundamento de estratégias educacionais são fundamentais para o sucesso de qualquer política pública. O documento do Banco Mundial destaca que a alfabetização universal foi escolhida como o passo-chave para a melhoria do desempenho na rede de ensino ao longo do tempo e promover indicações para secretarias e diretorias escolares por meio do desempenho nas avaliações e não por intervenções partidárias foi o segredo para ?proteger a educação da política?.

  • 5

    Autonomia pedagógica e responsabilização dos municípios

    A transferência da gestão das escolas de ensino fundamental (do 1º ao 9º ano) para os governos municipais é um elemento central do modelo educacional do Ceará. A partir das formações de professores, dos materiais pedagógicos e das avaliações de desempenho, gestores, coordenadores pedagógicos e professores têm autonomia para preparar aulas e atividades didáticas, desde que não contrariem normas nacionais e estaduais de educação. As premiações e bonificações também funcionam como um mecanismo de incentivo e responsabilização.

  • 6

    Monitoramento contínuo do aprendizado

    Para avaliar a qualidade da educação da rede de ensino municipal (e repassar o recurso do ICMS descrito no item 1) o governo estadual considera o nível e a evolução da alfabetização no 2º ano, o desempenho em avaliações de aprendizagem em português e matemática no 5º ano (como o IDEB e o SPAECE, uma espécie de avaliação estadual) e a taxa de aprovação escolar média nos anos iniciais do ensino fundamental. Estas avaliações frequentes contribuem para a revisão de materiais e atividades pedagógicas, realimentando o sistema de ensino.

Os dados do Ceará

O IDEB foi criado em 2005 e, por se tratar de uma média de aprovação e desempenho nas provas de português e matemática, possui metas bienais. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), instituição internacional responsável por multiplicar e medir testes de ensino pelo mundo, estabeleceu a meta de 6,0 para o IDEB Brasil em 2022.

O Ceará atingiu a meta em 2017, com 6,1 e, em 2019, atingiu 6,3 pontos, o único do Nordeste a cumprir.

Nem sempre foi assim

Até 1997, o Ceará tinha um dos piores índices de alfabetização do país, de acordo com o pesquisador João Batista Araujo e Oliveira que integrou a equipe responsável por uma pesquisa coordenada pelo Instituto Ayrton Senna e pela Unicef. Os dados revelaram que havia um grande atraso escolar entre as crianças da educação básica de 17 cidades brasileiras, com destaque negativo para a cidade de Sobral, no Ceará.

O objetivo era descobrir como assegurar a alfabetização dos alunos no 1° ano do Ensino Fundamental nas escolas públicas e, a partir disso, corrigir o fluxo escolar das etapas seguintes. Uma das recomendações da pesquisa foi o investimento no programa Escola Campeã, para promover uma formação de qualidade para professores e educadores e melhorar a gestão escolar.

Em 2002, o programa Escola Campeã de Sobral foi implementado após a eleição de Ivo Ferreira Gomes a deputado estadual, dando início a uma reorganização da rede de ensino. Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), cabe ao governo estadual definir, em comum acordo com o município, a divisão de tarefas e recursos do ensino fundamental. A esse processo dá-se o nome de "municipalização". De acordo com os especialistas ouvidos por Ecoa, esta foi a reorganização que mudou radicalmente a cara do ensino no Ceará.

O Censo da Educação Básica 2019 indica que há uma profunda municipalização do ensino fundamental no estado, já que 75,6% das matrículas são ofertadas na rede pública, enquanto que os outros 23,9% estão na rede privada. Apenas 0,5% das matrículas são estaduais. O foco na alfabetização na idade certa, aliado à municipalização, foi o diferencial. O projeto, aliado à reforma do repasse do ICMS, promovida em 2007, foi a grande inovação do modelo educacional do Ceará.

"A beleza do mecanismo é colocar na agenda política dos prefeitos a melhoria da qualidade educacional, porque assim eles têm mais recursos para fazerem suas pautas locais. Se você coloca na pauta do prefeito ou da prefeita que melhorar resultado vai dar mais dinheiro para o caixa da prefeitura, ele vai pensar duas vezes antes de indicar alguém na pasta da educação simplesmente por alinhamento partidário. Pelo contrário, a partir de agora você passa a querer melhorar o resultado educacional e para isso vai indicar a melhor pessoa possível para alcançar esse resultado", comenta Gabriel Corrêa.

O caso Sobral

Muita coisa mudou na vida da pequena Juliane Rodrigues da Silva, de 11 anos, em 2020. Para começar, entrou no 6º ano e deu de cara com uma escola nova. Até o ano passado, Juliane estudava no Caic (Centro de Apoio à Criança) Raimundo Pimentel Gomes, em Sobral, no interior do Ceará. Quando Ecoa conversou com ela e sua mãe, Maria Roseane de Paula Silva, costureira de 44 anos para uma reportagem especial sobre a Educação em Sobral no ano passado, a garotinha já sonhava em ser chef de cozinha e tinha aulas de reforço no contraturno.

Maria Roseane conta que menina ficou ansiosa pela mudança. Com a suspensão das aulas presenciais por causa da pandemia de Covid-19, a jovem mal teve tempo de se adaptar.

"Nada como ter aula presencial, né? Ela sente muita falta dos amigos antigos e não deu tempo de fazer muitos amiguinhos na escola nova", comenta a mãe.

A escola onde Juliane estuda hoje é um bom exemplo do acordo feito entre estado e municípios para gerenciar melhor a educação em cidades menores, como sugere o estudo do Banco Mundial. Com biblioteca, sala de professores, cozinha, banheiro para pessoas com deficiência, pátio e quadra coberta, a escola municipal atende apenas os anos finais do ensino fundamental, ou seja, do 6º ao 9º ano. A nota no IDEB 2019 da Escola Raul Monte para os anos finais do ensino fundamental foi de 6,8, acima da média estadual.
Desde o início da pandemia, a família recebe, uma vez por mês, um kit com alimentos não perecíveis como bolacha, farinha de cuscuz e outros itens básicos para a alimentação, já que, sem aulas presenciais, não há merenda escolar.

E, mesmo longe da escola, Juliane continua se esforçando e participando de competições escolares, incentivada pelos professores. Ela participou das Olimpíadas Canguru de Matemática, uma competição anual internacional destinada aos alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio e da 1ª Olimpíada Sobralense de Ciências da Natureza, organizada pela Rede de Ensino Público Municipal de Sobral e pela Pró-Reitoria de extensão da Universidade Federal do Ceará - e um dos mecanismos de avaliação local.

O caso de Sobral é tão lembrado porque foi justamente ali, na cidade de aproximadamente 210 mil habitantes, que a história da educação cearense começou a mudar. Além de utilizar materiais pedagógicos direcionados para a alfabetização na idade certa, a secretaria de educação de Sobral se apoiou no fortalecimento da gestão escolar (por meio da capacitação de gestores), formação continuada para professores e valorização dos profissionais da educação, com pagamento de piso salarial e bonificações por desempenho.

O resultado veio em escalas. Em 2005, o IDEB de Sobral para anos iniciais do ensino fundamental foi 4,0. Em 2017, foi o maior do país, atingindo 9,1. Em 2019, foi 8,4 - menor, mas ainda muito acima da média nacional de 5,7.

Andressa Pellanda, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, destaca que vários dos pontos que explicam o sucesso de Sobral (como formação continuada de professores e valorização profissional) já fazem parte do Plano Nacional de Educação (PNE) e que o plano oferece ainda mais elementos para avaliar a qualidade da educação que não estão contemplados no IDEB.

"Imagina se o Brasil todo cumprisse o Plano Nacional de Educação, se os municípios cumprissem com seus planos municipais de educação, os estados e o DF com seus planos estaduais e do Distrito Federal? Com certeza, a gente iria muito além do IDEB e até a própria discussão sobre essas provas ficaria de lado. O resultado da avaliação é a consequência". De acordo com a especialista, apenas 6 das 20 metas do PNE devem ser cumpridas até 2024.

Capitais implementam modelo com sucesso

Os bons resultados de Sobral geraram impactos pelo país. Inspiradas pelos pilares de educação do Ceará e de Sobral, algumas capitais como Vitória (ES), Goiânia (GO), Curitiba (PR) e Teresina (PI) replicaram o tripé de gestão, formação e avaliação e também vêm apresentando melhorias significativas no IDEB ao longo dos anos.

Entre as medidas adotadas pelos estados está a implementação de um currículo comum dentro da rede de ensino antes mesmo da aprovação da Base Comum Curricular em 2019, apoio e acompanhamento pedagógico entre tutores, coordenadores e supervisores escolares por meio de avaliações periódicas de gestores com estabelecimento de metas de aprendizagem comuns a todos e monitoramento de ações pedagógicas planejadas em sala de aula, a fim de melhorar a eficiência da gestão escolar e corrigir rotas para atingir metas de desempenho dos estudantes em determinadas disciplinas ou linguagens.

As capitais viram evolução na média do exame com os anos iniciais do ensino fundamental (5º ano). Veja aa comparação de 2005 para 2019:

Um índice mais completo

Apesar dos números animadores, o IDEB não é uma unanimidade como recurso de avaliação pedagógica no Brasil. "A gente fica muito tempo girando em torno de quais as políticas mínimas que podemos fazer para gerar o resultado mínimo, sendo que se a gente faz uma política de fato estrutural, de fato profunda, que é eficiente, a gente vai gastar muito menos tempo, muito menos dinheiro e vai ter como consequência muitos bons resultados educacionais", comenta Andressa Pellanda.

Para a especialista, o IDEB é um indicador limitado para avaliar a qualidade da educação no Brasil, pois se trata de uma média de aprovação de conteúdo e avaliação curricular. A especialista destaca que há outros mecanismos importantes, ligados à infraestrutura escolar, à formação docente e valorização da carreira docente que oferecem um panorama mais completo de análise, como o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) aprovado pelo Fundeb (Fundo Nacional de Educação Básica), em 2020.

"O CAQ traz parâmetros de infraestrutura, recursos humanos, profissionais da educação e gestão democrática da escola para calcular quanto custam esses insumos e pode ser um mecanismo de controle, porque a partir do momento que você determina que é preciso que toda instituição de ensino tenha uma biblioteca, a instituição que não tiver biblioteca está fora desse padrão de qualidade", destaca.

O mecanismo foi aprovado e precisa ser implementado ao longo dos próximos anos a partir do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), proposto para atender o Plano Nacional de Educação até 2024.

A Universidade Federal do Paraná, em parceria com a Universidade Federal de Goiás e o Laboratório de Dados Educacionais, elaborou um Simulador de Custo Aluno Qualidade de acordo com a etapa de ensino e localidade. Segundo os estudos, para o ano de 2020 o Custo de Qualidade inicial de um aluno por mês dos anos iniciais do ensino fundamental da rede pública em área urbana é de R$ 487 e para a área rural é de R$ 695, uma média de R$ 679 mensais. Em um ano, o valor mínimo por aluno somaria cerca de R$ 5.844 na área urbana e R$ 8.340 na área rural.

De acordo com dados do INEP de 2017, os valores nominais para o ensino fundamental (anos iniciais) investidos ao longo do ano foram de R$ 6.877. Os dados federais não distinguem entre níveis urbano ou rural. Em 2017, ao longo do ano, foram investidos cerca de R$ 573,08, em média, por aluno nesta etapa de ensino.

Ganhos vão muito além da educação

Neste ano, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação também lançou um estudo sobre os efeitos redistributivos na renda dos brasileiros a partir da educação, analisando o período 2001-2015. O estudo mostrou que os 40% mais pobres da população sempre foram os mais beneficiados pelo investimento público em educação no Brasil. De acordo com os pesquisadores, o investimento anual por estudante da rede de educação básica no país (isto é, da educação infantil ao ensino médio) saiu de R$ 899 em 2000 para R$ 7.273 em 2015.

Corrêa, do Todos pela Educação, reforça os benefícios econômicos da educação. "Uma população com uma educação de maior qualidade, tende a ser uma sociedade que consegue se desenvolver mais economicamente, ter mais regulação, ter mais crescimento de renda, mais geração de riqueza. Assim como em outros indicadores como redução da violência, melhoria da qualidade de vida e da saúde e outros indicadores da própria saúde da democracia de um lugar. Então é muito importante reconhecer que a educação tem esse papel individual, mas também transborda para a sociedade como um todo", comenta.

Andressa reforça que o impacto também é redistributivo, isto é, quando o investimento público que se volta para a sociedade com resultados coletivos. "O investimento em educação é pró-redução das desigualdades sociais na sua essência, porque ele impacta na redistribuição de renda das pessoas em maior situação de vulnerabilidade social", comenta ela.

No entanto, de acordo com demosntrado em estudo elaborado pela Campanha, CLADE (Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação) e a Oxfam Brasil, o investimento federal em educação caiu em 8,8% nos últimos 5 anos, totalizando cerca de R$10,6 bilhões que deixaram de ser investidos no país.

Amanda Pellanda reforça que os estados e municípios têm condições econômicas muito desiguais e, por isso, têm arrecadações muito desiguais. "O governo federal tem uma função suplementar ativa no financiamento da educação básica que é de responsabilidade de estados e municípios. Só com esse balanço federativo a gente consegue ter um investimento adequado em educação básica que possa impactar na redução das desigualdades sociais", ressalta.

É importante saber

O ICMS - mecanismo fundamental para o bom desempenho do Ceará no IDEB de acordo com especialistas e estudos do Banco Mundial - é um imposto estadual arrecadado em cima de todas as operações comerciais que ocorrem no estado, regulamentado em todo o país. Por lei, 25% do montante total deve ser redistribuído aos municípios e, destes 25%, 75% devem ser repassados ao município onde houve arrecadação.

No Ceará, 18% desse percentual pode ser usado para outros fins que não a educação, como mencionado no início da reportagem. Para Gabriel Corrêa, da Todos pela Educação, a decisão tomada em 2007 pelo governo estadual do Ceará em desvincular o repasse do ICMS da pasta da educação se mostrou acertada ao longo do tempo, por representar não apenas mais dinheiro em caixa para municípios menores, mas também um mecanismo de controle de uso dos recursos, incluindo a educação no radar de candidatos e gestores municipais.

O mecanismo de investimento por rendimento destacado pelo Banco Mundial, no entanto, não é uma unanimidade. Ainda de acordo com Andressa Pellanda, apesar dos resultados do Ceará serem eficientes dentro da perspectiva de qualidade do IDEB, o mecanismo pode aprofundar desigualdades sociais em todo o país ao concentrar investimento em escolas que já possuem infraestrutura, bons recursos de gestão escolar e profissionais qualificados, em vez de investir em melhorar estes aspectos nas escolas que ainda não possuem.

"A gente não poderia vincular financiamento da educação, bônus e gratificações a resultados em provas de larga escala como o IDEB justamente porque ela pode impactar em um aumento das desigualdades. Por que a gente vai alocar mais recursos para as escolas que já tem financiamento?", questiona.

É possível replicar o modelo de sucesso do Ceará?

O Prof. Dr. Idevaldo Bodião, professor da Universidade Federal do Ceará entre 1992 e 2012 e especialista em anos iniciais do ensino fundamental também pondera sobre o impacto do mecanismo em cidades menores, justamente a partir do modelo de financiamento.

"Este modelo de distribuição do ICMS deu bastante resultado no Ceará, mas não acho que ele seja replicável. O Ceará tem 184 cidades, das quais, cerca de 10% tem atividade econômica com parques industriais instaladas, como Eusébio, Horizonte, Juazeiro do Norte, Fortaleza e Sobral, as outras cidades, não têm atividade produtiva. Não arrecadam. Então eu tenho grandes dúvidas se isso impactaria em Santa Catarina, por exemplo, em que você tem uma economia grande, em cidades médias, que arrecadam mais ou menos parecido", comenta.

"É precisamente porque as cidades menores não arrecadam que o modelo depende tão intensamente do governo estadual. As prefeituras não têm dinheiro para produzir obras, escolas, melhorar praças, construir asfaltos. Há uma submissão dos governos municipais ao governo estadual. E isso ajudou a municipalização das escolas", ressalta o especialista. A partir disso, o pesquisador questiona a autonomia dos professores e coordenadores pedagógicos ao elaborar conteúdos a partir do currículo comum à rede de ensino que se adequem às diferentes realidades locais de um estado extenso e com condições sociais e geográficas diversas como o Ceará. O pesquisador também chama a atenção para a ausência de participação de pais e da comunidade escolar no modelo proposto pelo Banco Mundial.

"Se a espinha dorsal do modelo é assessoria técnica oferecida pela Secretaria de Educação com os materiais didáticos e na responsabilização das escolas pelo desempenho nas avaliações a partir dessa assessoria, lá na ponta, onde está a descentralização do ensino?", pergunta.

O professor efetivo da Universidade Estadual do Ceará (UECE), no campus de Tauá, no interior do Ceará, Daniel de Azevedo Brito, destaca que é necessário utilizar os materiais pedagógicos e assessoria técnica fornecida pela Secretaria de Educação como um meio de ensino, não como um fim em si mesmo.

"O problema não está em uma escola adotar ou receber um material didático da prefeitura ou do Estado direcionado para avaliações externas como o IDEB ou SPAECE, o problema é utilizar somente esse material. Com certeza esse material traz conhecimentos importantes que é interessante que o aluno conheça, porque nessas avaliações externas, as perguntas são muito bem elaboradas e a forma como os problemas são enunciados é muito interessante para o aprendizado. Cabe ao professor passar e ao aluno conhecer. Agora, seria um erro direcionar as aulas só para isso e fechar os olhos para outros recursos didáticos. O mesmo a gente poderia dizer sobre os livros didáticos comuns, que as escolas recebem do Plano Nacional do Livro Didático. O professor que só dá aula em cima do livro didático, gera um problema para ele mesmo, porque cria uma dependência do material", defende.

O professor, que também é youtuber e tem um canal com dicas de conteúdo e métodos didáticos para auxiliar professores do ensino fundamental e médio, também coordena o programa de extensão universitária na UECE, que forma estudantes para se tornarem professores da rede pública de ensino. Com 12 anos de carreira nas salas de aula de escolas públicas, privadas e cursinhos, o professor destaca que a diversidade metodológica é a chave para uma boa aprendizagem.

"Se um dia o professor usar o livro, no outro usa o material da Secretaria, no outro, leva um filme, no outro, faz uma discussão ou uma dinâmica, entre outras possibilidades, há diversidade nas aulas. É a diversidade metodológica de ensino que vai conseguir fazer uma boa educação porque os alunos são diferentes um do outro. Se você usa só um material, que tem só uma linguagem, alguns alunos vão ter mais dificuldades. Se você amplia o leque de materiais em uso na sala de aula, você tem uma chance muito maior de abarcar outras formas de raciocínio dos estudantes. Os alunos não são robôs e eles também têm formas diferentes de aprender. Quando você amplia o leque de possibilidades, você aumenta a chance desse aluno apreender o conteúdo com mais facilidade", comenta.

Defensor do modelo cearense, Gabriel Corrêa, do Todos pela Educação é um pouco mais otimista. "Quando a gente fala de replicação de políticas boas de educação, que tiveram êxito, a gente tem que lembrar que tem que ser uma replicação com contextualização. Ou seja, não é simplesmente copiar e colar em outro contexto. É preciso adaptar, aprender com o contexto. Então, quando a gente fala em aprender com o Ceará, a questão da municipalização é o principal ponto a ser considerado. Essa multiplicação depende desse modelo e isso abre um desafio imenso para os estados".

Para ele, é fundamental que educação seja uma pauta da prefeitura e que atravesse governos. "É a partir daí [que é possível replicar]. Se há um compromisso político com a educação, os gestores vão buscar bons secretários e secretárias para a educação, alocar melhor os recursos, buscar e melhorar políticas que deram certo", finaliza.

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