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Por Érica Polo — De São Paulo


Maria Julia Francischetto: “Quando a pessoa tem medo, sabe do que; quando não sabe identificar, falamos em ansiedade” — Foto: Masao Goto Filho/Valor
Maria Julia Francischetto: “Quando a pessoa tem medo, sabe do que; quando não sabe identificar, falamos em ansiedade” — Foto: Masao Goto Filho/Valor

O diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada (ou TAG) em menores de 17 anos cresceu cinco vezes em um hospital da capital paulista num período de apenas três anos. Em 2019, o Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) identificou 27 casos, volume que saltou para 151 no ano passado. Apesar da amostragem ser restrita, especialistas consideram que o crescimento observado no HSPE é uma tendência observada em todo o país. Esse tipo de transtorno tem aumentado muito, principalmente depois da pandemia, comenta o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, especialista em ansiedade.

O crescimento do número de casos preocupa especialistas. O problema causa uma espécie de “paralisia” na vida da pessoa - com comportamentos evitativos, como fugir de encontros sociais - e não afeta apenas crianças e adolescentes.

Problemas de saúde mental, entre os quais ansiedade e depressão, ganharam foco no Brasil nos últimos seis anos, indica pesquisa da Ipsos (“Global Health Service Monitor 2023”) realizada em meados deste ano. O tema é apontado como o principal problema no que diz respeito ao bem-estar para metade dos (52%) entrevistados. Ultrapassou câncer (38%) e lidera o ranking. Em 2018, era preocupação mencionada por apenas 18%.

“A ansiedade nada mais é do que medo não identificado”, resume a psiquiatra Maria Julia Francischetto, que atende no HSPE. Quando esse tipo de medo pode ter mais de um “gatilho”, ou seja, se manifestar em mais de um campo da vida ao mesmo tempo (na escola, no trabalho, na vida social), trata-se de um problema generalizado.

“Quando a pessoa tem medo, ela sabe do que. Quando não sabe identificar direito, falamos em ansiedade. E com ela vem um estado de alerta, preocupação excessiva, comportamentos de isolamento”, diz. Na psiquiatria, o termo transtorno é usado quando os médicos não identificam causa, evolução e consequência para classificar uma condição como doença.

Transtorno “é quando identificamos um tipo de sofrimento ou alteração que está atrapalhando a vida de alguém”, explica Francischetto. Ela conta que tem tratado centenas de jovens nessa condição. Sem causa ou causas específicas, é possível fazer algumas associações para buscar entender a origem da questão ou, ainda, o que poderia agravar o problema.

"Ansiedade boa” motiva, é a força que faz seguir em frente"
— Alexandre Amaral

O transtorno, classificado pela psiquiatra também como fenômeno social, pode ter início numa sequência de eventos. É claro que os diagnósticos são individuais e a condição já existia antes da covid-19. Mas durante a pandemia o medo cresceu - de ficar doente, por exemplo. Em seguida, o processo de retorno ao ambiente escolar gerou novos medos.

“É voltar a dar conta de um conteúdo que não foi tão bem cobrado ou estudado como nos anos anteriores, seja por mudança de metodologia, seja porque as pessoas não sabiam direito como lidar com o momento. Estava todo mundo [educadores e familiares] tentando fazer o melhor. Mas a mudança para o on-line causou prejuízos à educação”, comenta.

A ansiedade patológica - que precisa ser tratada com medicamento - é uma escala adoecida do fenômeno da ansiedade, diz o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, autor do livro “Toda ansiedade merece um abraço”.

Uma das características do problema é a dificuldade de entender e expressar os próprios sentimentos. No combo de sintomas estão sensações físicas incômodas, como sudorese e taquicardia. Segundo Amaral, falta de repertório emocional em provas, testes esportivos ou “dates”, por exemplo, tem levado a crescentes casos de crises pânico na adolescência.

Taquicardia foi o sinal que levou os pais da adolescente G.J., de 17 anos, a descobrirem que a filha sofre com o transtorno. “Ela começou a reclamar muito de taquicardia, isso foi em 2017. Então levamos ao cardiologista, que percebeu e reencaminhou ao psicólogo”, conta a mãe, Maria Amara Jerônimo Santos.

O diagnóstico saiu há dois anos, mas a adolescente ainda sofre com a condição. “A taquicardia melhorou um pouco, mas em época de provas, por exemplo, ela passa mal”, continua a mãe. Algumas sessões de terapia contribuíram para identificar causas e administrar um pouco o problema, e ela toma medicamento.

“Quando tinha crise, durante o período que fiz terapia, eu sabia filtrar e entender o que gerava a ansiedade. Aí eu consigo controlar”, conta a jovem. “Tem que prestar atenção e não negligenciar o que sente, achando que vai passar logo ou que é frescura.”

Segundo Francischetto, nem sempre é necessário usar medicação, mas não há razão para temer essa alternativa. “Essas medicações apenas distanciam um pouco as emoções, para que a preocupação não tome tanto a consciência da gente. Ajuda a não agir só baseado na emoção, no medo”, resume.

Amaral conta que a ansiedade tem ganhado escala por um contexto cultural. A ansiedade “do nosso tempo”, como ele classifica, afeta a vida de pessoas de todas as idades e, quando escala, vira patologia. Ela vem da necessidade “de entregar o tempo todo”, da sensação de “vida acelerada”, de estar sempre em débito com alguém.

“É uma vida muitíssimo cheia e carregada de papéis sociais que precisamos exercer, o tempo todo cobrados por eficácia, por ter o corpo em dia”, cita ele. “Até terapia entrou no check-list do que é preciso entregar para o mundo para mostrar que somos boas pessoas”, resume o psicólogo.

E, se as exigências crescem, produzindo ansiedade em adultos, que têm o cérebro totalmente desenvolvido, seu efeito é mais duro para crianças e jovens. Francischetto diz que o desenvolvimento do órgão se completa aos 25 anos e reforça que a crise sanitária influenciou fase importante de descoberta do mundo para adolescentes, não só na vida escolar.

“A pandemia limitou a descoberta de características pessoais. E quando o mundo reabriu, eles passaram a se deparar, muitas vezes, com cobranças [sobre comportamento esperado] de gerações que não se desenvolveram durante um período de isolamento”, analisa a psiquiatra do HSPE. Esses jovens também desenvolveram emoções e habilidades sociais, mas de uma forma diferente, reforça.

Nem toda ansiedade contudo é ruim ou se torna TAG. Segundo Amaral, não existe uma “verdade única” sobre diferenças entre a ansiedade rotineira (ou “normal”) e a patológica, que em volume e intensidade podem causar a “paralisia” comportamental. Mas é preciso ter autocuidado e percepção para buscar ajuda, e identificar o limiar entre as ansiedades “boa”, “ruim” e a patologia. Segundo Amaral, a “ansiedade boa” motiva, é a força que faz seguir em frente.

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