Por BBC


Um jovem de 17 anos foi detido pela polícia após arremessar uma bomba caseira pela janela de uma escola na manhã desta segunda-feira (13/02), em Monte Mor, cidade no interior de São Paulo.

O artefato danificou materiais de um banheiro, mas ninguém ficou ferido.

O adolescente usava uma braçadeira com a suástica, símbolo ligado ao nazismo, e foram encontrados outros materiais alusivos à ideologia extremista em sua casa, além de uma arma de airsoft.

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Na avaliação da psiquiatra Danielle Admoni, os adolescentes são muito mais suscetíveis a discursos extremistas que podem os colocar — e outras pessoas — em risco.

"Eles não têm todos os circuitos cerebrais formados e nem a experiência que os adultos têm. Em paralelo, há uma necessidade em se identificar com grupos — é parte da sua sobrevivência social dentro do ambiente em que vivem", aponta Admoni, que atua no Hospital da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e é especialista em infância e adolescência.

"Isso faz com que eles sejam mais vulneráveis a embarcar em ideias para se sentirem aceitos, inclusive a aceitar ideologias extremas — independentemente do espectro político — em situações que nós adultos já identificamos como algo que passa dos limites. É um conjunto que os coloca com maior predisposição de se colocar em situações de risco."

O sociólogo Cezar Bueno de Lima, pesquisador da violência em escolas e professor dos cursos de Ciências Sociais da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), complementa que, na visão dele, a crescente manifestação de ideias antidemocráticas no Brasil influencia na nos ataques e tentativas de atentados que o país tem registrado nos últimos anos.

"Não há dúvidas de que os adolescentes são suscetíveis à sociedade no modo geral. Existe uma tendência polarização política e externalização da violência no mundo, e o Brasil não é indiferente a isso. Não tínhamos experiência de valores antidemocráticos na nossa história recente, e esse movimento é parte desse processo de violência, um discurso ao qual parte dos alunos acabam aderindo."

Ataques violentos nas escolas têm aumentado

Um documento divulgado recentemente, produzido no âmbito da transição governamental para a gestão Lula-Alckmin por Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação ao lado de outros pesquisadores, reúne dados alarmantes sobre a violência no ambiente escolar.

O documento lembra o episódio do dia 25 de novembro, no qual às comunidades escolares da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti e do Centro Educacional Praia de Coqueiral, localizadas no município de Aracruz (Espírito Santo), foram vítimas de ataques que resultaram em 4 mortes e 12 feridos.

"O autor dos atentados, um adolescente de 16 anos, tinha sido mobilizado pelo extremismo de direita. Infelizmente, a tragédia de Aracruz não foi um caso isolado no Brasil. Desde o início dos anos 2000 já ocorreram 16 ataques, dos quais 4 aconteceram neste segundo semestre de 2022. Ao todo, 35 pessoas perderam suas vidas e 72 sofreram ferimentos."

Antes do início dos anos 2000, aponta o levantamento, não havia registro deste tipo de ataques. Desde então, o Brasil registrou:

  • 16 ataques, dos quais 4 aconteceram no segundo semestre de 2022;
  • 35 vítimas fatais;
  • 72 feridos.

Em 2021, a cada dia, sete crianças ou adolescentes foram vítimas de violência letal.

A arma é responsável por 50% das mortes entre crianças, e entre os adolescentes o número chega a 88%.

A cada 60 minutos uma criança ou adolescente morre no Brasil em decorrência de ferimentos por arma de fogo, conforme o "Anuário Brasileiro de Segurança Pública" de 2022.

Um levantamento do Instituto Sou da Paz mostra que, em metade dos ataques contra escolas as armas vieram das casas dos atiradores, seja por se tratar de armas registradas por CACs, seja por uso de armas pertencentes a policiais.

Quais as características dos criminosos e quem são seus alvosCasos de ataques com armas de fogo nas escolas praticados por alunos e ex-alunos, em geral, são normalmente associados ao bullying e situações prolongadas de exposição a processos violentos, incluindo negligências familiares, autoritarismo parental e conteúdo disseminado em redes sociais e aplicativos de trocas de mensagem, afirma o levantamento.

"Os cooptados pelo discurso de extrema-direita são majoritariamente adolescentes brancos e heterossexuais, e a misoginia exerce um papel crucial no processo. Não à toa, mulheres são alvos frequentes de atiradores em massa."

O estudo mostra que os meios e métodos pelos quais os jovens são atraídos incluem uso de humor; uso de estética e linguagem violentas como a linguagem da machosfera; trollagem; uso de jogos online; uso de imagens de ataques e compartilhamento de manifestos de atiradores como método de propaganda.

"Os alvos do ataque passam por uma dimensão ideológica. Os agressores demonstram intolerância por raça, gênero, e pela comunidade LGBTQIA+", afirma o professor da PUCPR.

Como educadores e pais podem contribuir para solução "É certo que a família já não tem mais o monopólio de imposição de valores, mas continua sendo fundamental no contexto de 'espelho' aos jovens. Muitos expressam o que vivenciam no núcleo familiar ou no bairro onde estão inseridos. Em uma família que preza democracia, liberdade e respeito às diferenças, admite os conflitos mas não usa a violência, é mais difícil que o adolescente queira expressar a violência com grau de letalidade", aponta Lima.

O documento criado pelo educador Daniel Cara e pesquisadores parceiros aponta que há urgência em fazer com que profissionais da educação recebam formação para identificar alterações de comportamento dos jovens.

"Entre essas mudanças cabe destacar eventos como interesse incomum por assuntos violentos e atitudes violentas, recusa de falar com professoras e gestoras mulheres, agressividade e uso de expressões discriminatórias, e exaltação a ataques em ambientes educacionais ou religiosos."

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