Monica Seixas

Deputada estadual (PSOL-SP)

Opinião

Carta aberta ao secretário de Educação de São Paulo

O aumento vertiginoso dos ataques às escolas faz necessária uma intervenção imediata. Se o encaminhamento for, como sempre, apenas com
PMs, estaremos fechando os olhos para novas tragédias anunciadas

Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
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A manhã da segunda-feira 27 foi marcada por uma tragédia que chocou o país. Vivemos isso exatamente quatro anos depois do massacre de Suzano que deixou 10 mortos.  Há, inegavelmente, um aumento dos ataques às escolas e suas comunidades, logo o fato ocorrido na E.E. Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste da capital paulista, não pode ser vista como apenas mais um.

O primeiro ataque desse tipo registrado no Brasil foi há 20 anos. De lá para cá, foram 22 novas tragédias, sendo nove nos últimos seis meses. Parece um fenômeno muito sintonizado com o aumento de grupos neofascistas no Brasil, bem como um apelo desses grupos ao armamento, ao justiçamento, aos fóruns secretos de discussão e à supremacia branca. O centro do caso ocorrido na manhã de 27 de março foi um caso de racismo não resolvido e os últimos de grande repercussão, como no Espírito Santo, estavam relacionados com ideologias neonazistas.

É justamente o aumento vertiginoso desses casos de ataques às escolas – 9 nos últimos 9 meses – que faz necessário uma intervenção imediata. Se o encaminhamento for, como sempre, apenas colocar policiais militares na porta da escola, estaremos fechando os olhos para novas tragédias.

Sabemos que o secretário é recém-chegado no Estado, então cabe uma contextualização sobre as pistas que temos para caracterizar essa tragédia de hoje como uma consequência dos mais diversos problemas que a educação enfrenta atualmente em São Paulo. Deixamos aqui uma lista de iniciativas para garantir uma escola pública segura, inclusiva e que forme sujeitos de paz:

  • Fortalecer os vínculos democráticos na organização da escola pública 

Para começo de conversa, é preciso encarar as escolas como instituições públicas que são, e portanto, não culpabilizar professores, alunos ou qualquer funcionário público pelos fatos ocorridos.

É de suma importância a presença do secretário na escola. Não após uma tragédia. Mas no cotidiano da escola. A comunidade escolar tem muito a dizer. Mas os caminhos dessa participação foram interditados nos últimos anos com processos atabalhoados como a instalação de escola de período integral se impondo a antigas organizações escolares, com a falta de contratação de trabalhadores no quadro de apoio como agentes de organização escolar e a contratação precária de merendeiras e faxineiras terceirizadas e até mesmo de mães com salários de fome.

  • Segurança se faz com inteligência

A atuação da Secretaria de Segurança nesse caso se justifica pela gravidade, mas achar que esse é um problema simplesmente “de polícia” é uma importante pista de como falhamos enquanto sociedade. O senhor sabe tanto quanto nós que um agente armado não pode impedir uma onda de ódio aos professores ou de adoecimento emocional entre professores e estudantes.

Um policial por escola não dá conta de resolver uma escola pública o tempo ocioso de uma escola em período integral com vários furos na grade porque o estado não contrata professores. Um policial não dará conta de resolver um Novo Ensino Médio que tirou sociologia e debates que fortaleçam a tolerância e diversidade enquanto jovens são disputados por discurso de ódio na deep web.

  • Projeto de educação

A implementação da Reforma do Ensino Médio, que retirou a obrigatoriedade de disciplinas como artes, sociologia e filosofia e diminuiu a carga horária de disciplinas como história e geografia, disciplinas essas, que contemplam não só a formação stricto sensu, mas a discussão de temas ligados à cidadania. O Programa de Ensino Integral é apontado como uma das causas do desinteresse dos jovens pela escola e evasão, já que não apresentou um projeto pedagógico adequado às demandas dos alunos, que se queixam de passar tanto tempo em um ambiente escolar desagradável ou incompatível com a necessidade que esses têm de trabalhar para compor a renda familiar,

 A política pública de educação que poderia fazer avançar o debate sobre racismo e diversidade já existe, as leis federais 10.639 e 11.645, que ainda hoje, não tiveram sua implementação integral em nosso Estado, nem do ponto de vista curricular, nem da formação de professores que atuam nas escolas públicas.

  • Saúde mental 

No que diz respeito à assistência de saúde mental nas escolas, ainda estamos “engatinhando”. Aprovamos no ano de 2019, após a tragédia de Suzano, um projeto de lei que estabelecia uma política de saúde mental nas escolas, mas foi vetado integralmente pelo governador à época, João Doria.

Segundo relatos de responsáveis dos alunos, um fator que influencia o ambiente de bullying e conflitos na escola é o longo período que os estudantes passam na escola PEI.

  • Valorização dos servidores

A atenção aos profissionais de educação que atuam nas escolas pode parecer um fator isolado para o secretário, já que o mesmo já afirmou acreditar na terceirização das funções de administração por essas não influenciarem na questão pedagógica, mas a ausência de profissionais do quadro de apoio tem sido prejudicial ao funcionamento das escolas, já que muitos profissionais dessa categoria não tiveram seus contratos renovados, além do último concurso público ter vencido, mesmo tendo profissionais que poderiam ter sido convocados. A professora que foi vítima fatal da tragédia tinha 71 anos e apesar de legalmente ter o direito de lecionar, sabemos que em muitos casos, se trata de um processo mais amplo influenciado pela Reforma da Previdência no serviço público estadual, que postergou a aposentadoria de diversos servidores e da precarização da carreira dos professores.  

  • Abertura ao diálogo 

A Secretaria da Educação precisa se abrir ao debate permanente. Ouvir os professores, funcionários, alunos e a comunidade sobre os problemas reais no cotidiano escolar. Promover um diálogo que encontre caminhos democráticos e participativos para reduzir a violência dentro das nossas escolas! É preciso reconhecer que o racismo e o bullying existem nas escolas e criar políticas permanentes como comitês e projetos periódicos que envolvam todos os atores na vida escolar. 

Muitos dados corroboram para a necessidade deste diálogo. Pesquisa realizada pelo Instituto Nova Escola mostra que 70% dos professores consideram que a agressividade dos alunos aumentou com o retorno das aulas presenciais. Ao passo que o Unicef relata que ao menos metade dos adolescentes e jovens sentiu necessidade de pedir ajuda em relação à saúde mental.

Esta carta serve para aprofundar esse debate. Para demonstrar o quanto se faz necessário avançar no tema da violência das escolas e para evitar futuras tragédias como a de hoje. É essencial que escutemos as comunidades das escolas para a construção de saídas plausíveis para este tema.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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