Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Carnaval, vamos tentar liberar; reabrir escolas, de jeito nenhum!

Enquanto o debate que mobiliza a sociedade é se deve ou não haver Carnaval, há cidades que ainda não reabriram escolas

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Este país é mesmo uma Sucupira, a cidade dos absurdos criada por Dias Gomes em "O Bem-Amado". Enquanto o debate que mobiliza a sociedade é se deve ou não haver Carnaval em 2022, há cidades que ainda não reabriram escolas, e algumas que nem sabem quando o farão. Longe de mim discutir aqui se é certo ou errado liberar a folia. Mas é revoltante que essa polêmica tenha espaço ao mesmo tempo em que simplesmente se ignora o fato de prefeituras terem adiado para 2022 a volta às aulas presenciais, deixando crianças e jovens fora da escola por dois anos. Dois anos.

Uma das prefeituras que não reabriu as escolas municipais é a de Itabuna, na Bahia. O adiamento para 2022 aconteceu em outubro, quando o muro de uma escola desabou e matou um garoto de 12 anos e seu pai, que passavam pela calçada. A secretaria de educação alegou que era preciso realizar obras de manutenção nas escolas. Já a decisão sobre adiar o Carnaval, a prefeitura preferiu não tomar por ora. Quem sabe os números da Covid-19 permitem que a festa seja realizada... As aulas, assim, já poderiam ficar para depois do Carnaval, por que não? No Instagram, um movimento de famílias pró-retorno presencial tem posts indignados: "Sou a favor do Carnaval online, assim como fizeram com as aulas dos nossos filhos", diz um deles.

Imagem de dentro de uma sala de aula mostra carteiras escolares despostas em forma de "L" vazias.
Sala de aula da escola estadual Estadual Thomaz Rodrigues Alckmin, no Itaim Paulista, na zona leste - Rivaldo Gomes - 7.out.2020/Folhapress

A volta às aulas presenciais com revezamento de alunos foi liberada pelo governo baiano no fim de julho, e colégios particulares e estaduais iniciaram o retorno gradual. A diretora de uma escola privada da periferia de Itabuna, que prefere não ter o nome divulgado, contou à coluna que, neste semestre, tem recebido famílias de crianças das escolas municipais desesperadas com o fechamento. Aquelas que, com sacrifício, conseguem pagar a mensalidade de R$ 250, matriculam os filhos na particular.

Mesmo no Estado de São Paulo, precursor na retomada das aulas presenciais, há municípios com escolas ainda fechadas. Em São Roque, a prefeitura adiou a reabertura para 2022, e tomou a decisão logo em setembro, alegando a perspectiva de aumento de casos de Covid-19. Já para cancelar o Carnaval teve mais cautela: somente após dois meses, no fim de novembro, decidiu que não haveria a festa.

Itabuna e São Roque não estão sós. Uma pesquisa com secretarias municipais do país divulgada nesta semana mostrou que, entre 19/10 e 15/11, 35,2% das creches estavam com atividades apenas remotas. No ensino infantil, eram 21,8%. Para o fundamental, a média variava de 12,7% a 14%, dependendo da série. Somente cerca de 30% tinham atividades exclusivamente presenciais, e o restante, ensino híbrido.

Esses dados são da educação urbana. No caso do campo, havia ainda mais estudantes fora da escola, em torno de cinco pontos percentuais acima de cada um dos níveis das escolas urbanas. Outros números de dar inveja a Odorico Paraguaçu, o prefeito de Sucupira: 9,2% dos municípios ainda estavam estudando quais seriam os protocolos de segurança para o retorno às aulas presenciais e 0,5% nem tinha começado a fazer isso. A pesquisa foi realizada pela Undime (União Nacional de Dirigentes Municipais), com apoio do Itaú Social e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

Na semana passada, a relação entre o fechamento das escolas no Brasil e a evasão escolar foi discutida em um seminário sobre educação realizado pela Folha, em parceria com o Instituto Unibanco e o Itaú Social. Guilherme Lichand, professor da cátedra Unicef de economia do desenvolvimento e bem-estar infantil da Universidade de Zurique, lembrou que, na pandemia, a discussão no Brasil sobre a abertura de bares e restaurantes veio bem antes de se falar sobre o retorno às escolas.

Ele acredita que tenha havido, no início, um "otimismo excessivo em relação ao ensino remoto". Além disso, ponderou que é mais difícil calcular os prejuízos do fechamento das escolas do que o de outros setores. "Com bares e restaurantes, por exemplo, era fácil saber o número de empregos que seriam perdidos, o endividamento que teria que ser equacionado", afirmou. "Mas e a dívida em relação ao futuro das crianças e dos jovens? Isso era mais difícil de quantificar, era um desafio para a sociedade."

De lá para cá, parte da conta já foi feita por pesquisadores, e os números são desoladores. Lichand relembrou alguns já divulgados, entre eles o de que o aprendizado de português no ensino remoto, em São Paulo, foi 40% do esperado, e o de matemática, de 20%. Além disso, a estimativa é de que a evasão escolar, que fora da pandemia já girava em torno 10% , chegue neste ano a 35%. Na equação, há que se somar também os danos à saúde mental, ainda mais difíceis de se mensurar. "É uma tragédia. Se não fizermos ações drásticas, não vamos recuperar esses jovens."

Daniela Arai, coordenadora de desenvolvimento da gestão do Instituto Unibanco, que trabalha com secretarias estaduais para a implementação de políticas educacionais, afirmou esperar que, depois desse período terrível, as redes de ensino tenham-se tornado "resilientes" e que, em crises futuras, saibam "agir com mais maturidade".

É difícil ser otimista quando o país tem um governo federal que, em vez de articular municípios e estados em um programa nacional de educação, concentra-se em garantir que, no Enem, se fale em "revolução militar de 1964", em vez de golpe.

Para complicar ainda mais, como apontou o presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, o Congresso vota uma proposta de emenda à Constituição (PEC 13/2021) que desobriga prefeitos e governadores de cumprirem, em 2020 e 2021, o gasto mínimo obrigatório com educação de 25% dos impostos arrecadados. Há o temor de que, além deste período da pandemia, essa liberação seja ampliada para os próximos anos.

Odorico Paraguaçu iria adorar essa regra. Afinal, se não é fácil nem imediato calcular os prejuízos da falta de investimento em educação, melhor colocar dinheiro naquilo que logo chame a atenção do eleitorado. O livro "Sucupira, Ame-a ou Deixe-a", de Dias Gomes, traz um episódio sobre isso. O prefeito, já de olho na eleição para governador, apresenta à Câmara de Vereadores um projeto de lei para a abertura de um crédito especial para obras. "Que obras?", questiona um adversário. "A rede de esgotos? O abastecimento d’água? Escolas? Hospitais? Não, o prefeito vai asfaltar a Avenida Odorico Paraguaçu. Vai reajardinar a Praça Rosa Paraguaçu. E vai comprar dois ônibus, dois frescões, para passear veranistas e turistas pelos quintais dos Paraguaçus".

Ao saber da possibilidade de o projeto não ser aprovado, Odorico estende os braços em cruz e lamenta: "Eu me sinto talqualmente Cristo, vendido por Judas". Pobre prefeito. Poderia, quem sabe, usar a tal verba especial no Carnaval de Sucupira.

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