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Câmera, polícia e muro: ambientes ostensivos em escolas previnem violência?

5.abr.23 - Creche onde homem matou quatro crianças em Blumenau (SC) - Hygino Vasconcellos/UOL
5.abr.23 - Creche onde homem matou quatro crianças em Blumenau (SC) Imagem: Hygino Vasconcellos/UOL

Do UOL, em São Paulo

06/04/2023 04h00

Agentes policiais, tecnologias de reconhecimento facial e muros ao redor de instituições: as respostas das forças de segurança pública de Santa Catarina ao ataque a uma creche em Blumenau passam sobretudo por estratégias de policiamento. Especialistas consultados pelo UOL afirmam, porém, que a criação de ambientes ostensivos e vigiados em escolas não previne a violência.

O que deve ser pensado

Ações imediatistas tendem a ser burladas por agressores, afirma Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e coordenador do Grupo de Trabalho de Educação do governo de transição.

Os governos devem investir no monitoramento de jovens em fóruns e grupos de internet que disseminam discursos de ódio. Segundo Cara, que pesquisa esses grupos, o autor do ataque à creche já se transformou em referência nesses espaços. "Ele foi alçado à condição de herói rapidamente. Mas isso já é esperado por quem acompanha esses ambientes."

Há experiências na Europa que têm dado resultados, segundo o professor, "Existem projetos em que pessoas que pertenciam a grupos neonazistas entram nos grupos para retirar jovens desses ambientes."

O reconhecimento facial, citado pela Polícia Civil de Santa Catarina como um mecanismo para dar celeridade às ações policiais, podem criar novos problemas, de acordo com Cara. "Essas tecnologias têm gerado em todo o mundo análises racistas."

Em geral, os ataques são mobilizados em subcomunidades violentas, misóginas, machistas e discriminatórias, com o objetivo para promover uma cultura de extrema direita, afirma Cara. "É difícil para o poder público enfrentar isso, significa mexer em questões complexas."

Policiamento norteia estratégia das autoridades

Casos de violências em escolas e creches têm sido discutidos exclusivamente do ponto de vista do policiamento. A diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, afirma que os debates giram em torno de rondas, tecnologias, armamentos utilizados. "Parece que partimos do final, não do início do problema, que é a prevenção."

Para Daniel Cara, o efeito mais grave desse tipo de prevenção é manter a escola sobre constante sensação de insegurança. "Nos EUA, essas medidas ostensivas não trataram das causas. As escolas precisam voltar a ser ambientes seguros e pautados em ambientes pedagógicos. As soluções precisam ser balizadas por educadores e psicólogos."

Samira Bueno defende a criação de uma política nacional de segurança escolar, pensada, sobretudo, pela comunidade escolar. "Pais podem contribuir ajudando a identificar comportamento atípicos dos jovens." No caso do ataques em Blumenau, ela afirma que, por ter sido orquestrado por uma pessoa sem vínculo comprovado com a escola, a presença de um policial poderia ter evitado as mortes — mas, segundo ela, não pode ser pensada como solução isolada.

Escola não é lugar para polícia. É um espaço de lazer, lúdico. Cria-se uma ideia de hierarquia, que é incoerente. A principal tarefa da polícia é no papel de inteligência: investigando fóruns anônimos da internet."
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Educadores pedem campanhas de conscientização

Casos como o da creche em Blumenau não são isolados — diferentemente do que disseram autoridades de segurança —, afirma Evandro Accadrolli, coordenador estadual do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Santa Catarina.

Ele diz ser necessário haver campanhas de prevenção com as famílias para que elas ajudem a identificar comportamentos estranhos entre familiares e conhecidos. Além disso, defende o monitoramento à internet.

Nas escolas, segundo ele, as ações precisam incluir o acompanhamento das relações entre os alunos, pais e famílias. "A escola precisaria estar sem muros, quanto maior o isolamento, maior o conflito. É preciso que ela esteja aberta para ser observada por todos."

É preciso usar inteligência, sem negar quanto houver necessidade de intervenção policial e da justiça. Mas a raiz do problema não é essa, o pano de fundo é outro: as ações de cunho ideológico que precisam ser combatidas com prevenção."
Evandro Accadrolli, professor