A Câmara dos Deputados concluiu nesta quinta-feira (19) a aprovação do projeto que regulamenta o ensino doméstico (homeschooling). Todos os destaques, com sugestões de mudanças no parecer da relatora Luísa Canziani (PSD-PR), foram rejeitados.
A proposta segue para análise do Senado Federal. A Casa comandada por Rodrigo Pacheco (PSD-MG) tem travado a discussão de matérias polêmicas que tenham avançado na Câmara.
Nesta quarta-feira (18), o texto-base havia sido aprovado com apoio de 264 deputados, 144 parlamentares votaram contra e dois se abstiveram.
Durante a análise do texto-base, PT, PSB, PDT, PCdoB, Psol, PV e Rede orientaram contra. O MDB liberou sua bancada a votar como quisesse. O governo do presidente Jair Bolsonaro quer que o texto avance como forma de acenar ao eleitorado evangélico e aos seus apoiadores mais conservadores.
O projeto se tornou necessário porque uma decisão de 2019 do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a inconstitucionalidade do ensino doméstico enquanto não houver regulamentação em lei. Com isso, os pais que se recusaram a matricular os filhos em escolas tradicionais passaram a ser responsabilizados civil e penalmente.
O texto impõe mais regras do que queriam inicialmente representantes do Ministério da Educação e evangélicos, mas os governistas cederam para viabilizar a lei antes da eleição.
Em seu parecer, a relatora estabeleceu regras mínimas para que os pais possam ensinar os filhos em casa, mas sem comprometer o ensino e segurança das crianças.
Um dos pontos que mais enfrentava resistência dos evangélicos e do governo era a exigência de que os pais precisavam ter ensino superior completo para adotarem o homeschooling. Após muita pressão, o acordo envolveu permitir também o ensino doméstico para aqueles tutores com educação profissional tecnológica. Foi a principal concessão na versão final do projeto.
Além disso, os pais também não poderão ter antecedentes criminais, precisarão matricular os filhos numa instituição de ensino para avaliação periódica, deverão seguir o conteúdo da Base Nacional Comum Curricular, garantir o convívio dos filhos em comunidade e frequentar reuniões semestrais com a escola para troca de experiências.
Outro ponto do parecer que enfrentava resistência do governo e dos pais acabou ficando do jeito que Canziani propôs. O relatório determina que uma criança que reprovar duas vezes seguidas ou três alternadas terá que frequentar a escola, com os pais perdendo direito ao ensino doméstico.
Durante a votação
Durante a votação, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) destacou que a proposta não deveria ser considerada prioritária pelo Poder Legislativo. “É uma mensagem horrível e negativa. É irresponsável que a Câmara não se coloque ao lado da garantia dos direitos dessas crianças”.
A favor da matéria, o líder do Solidariedade na Casa, Lucas Vergilio (GO), disse que o homeschooling exige muito dos pais e não é o caminho mais fácil para as famílias. “Estamos votando o direito daquele que quer optar pelo homeschooling. Não podemos tirar esse direito das pessoas.”
Partido de Bolsonaro, o PL tentou emplacar um destaque para que os pais ou tutores dos alunos que estarão sob o regime do ensino domiciliar não sejam obrigados a ter ensino superior. A oposição contestou bastante a sugestão de mudança, que não foi defendida nem pelo líder do governo da Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). O destaque foi rejeitado.
Segundo o líder da bancada evangélica, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), a aprovação do destaque seria natural, já que há professores da rede de ensino tradicional que não possuem ensino superior. Ele defendeu que pessoas que não tivessem a formação poderiam ser tutores apenas de alunos do ensino fundamental.
Por outro lado, a deputada Erika Kokay (PT-DF), disse ser contrária à sugestão do PL e que é preciso acabar com o “negacionismo e a desonestidade intelectual”. “Como podemos acreditar que podemos tirar a exigência do ensino superior para a educação infantil?”
Manifesto contra o projeto
Na terça-feira, mais de 400 entidades, entre elas, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), divulgaram manifesto contra o avanço do projeto.
Na avaliação das entidades, a aprovação da proposta representa um risco à garantia do direito fundamental à educação e pode intensificar as desigualdades já existentes.
“Tal regulamentação pode aprofundar ainda mais as imensas desigualdades sociais e educacionais, estimular a desescolarização por parte de movimentos ultraconservadores e multiplicar os casos de violência e desproteção aos quais estão submetidos milhões de crianças e adolescentes”, defenderam as entidades no documento.
Para elas, o projeto, conforme enviado pelo Poder Executivo ao Congresso, desrespeita a Constituição. “A educação escolar (regular) necessita de mais investimentos e de efetivo regime de colaboração para superar os desafios históricos e atuais impostos pela pandemia e não da regulamentação de uma modalidade que ataca as finalidades da educação previstas no artigo 205 da Constituição Federal, amplia a desobrigação do Estado com a garantia do direito humano à educação de qualidade para todas as pessoas e fere os direitos das crianças e adolescentes”.
Na segunda-feira, Todos Pela Educação publicou nota, na qual avaliou que considerar a educação domiciliar uma prioridade na gestão educacional “é equivocado”. “Passa longe do que precisa ser feito para melhorar a Educação no Brasil e evidencia uma inversão de prioridades do governo federal”.