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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A educação deve se tornar uma ferramenta contra a transfobia

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Imagem: Divulgação
Caia Maria Coelho

27/02/2022 06h00

Uma adolescente trans declarou: não voltará a frequentar as aulas presencialmente. Foi espancada na escola da rede pública paulista onde havia se matriculado há menos de um ano, em Mogi das Cruzes. O mesmo se repetiu 11 dias depois, em Pernambuco, quando as amigas Letícia e Lua tentavam se juntar à fila da merenda em que estavam as meninas.

Devemos evitar chamar essa realidade de evasão, trata-se de expulsão informal, operada sistematicamente através de hostilidade e, muitas vezes, da negligência. As medidas institucionais tomadas nas próximas semanas dirão se a gestão pública da educação desistiu dos estudantes trans e travestis brasileiros. Os dados apresentados pelo Grupo Além do Arco-Íris/Afroreggae são alarmantes, 72% da comunidade não-cis sequer possui o ensino médio completo, 56% o ensino fundamental.

Diversas pensadoras trans/travestis têm dedicado as suas pesquisas à compressão do papel que os espaços educacionais desempenham hoje na perpetuação da transfobia, assim como discutem questões pertinentes ao currículo. No Brasil, destacam-se Maria Clara Araújo, Ana Flor Fernandes, Megg Rayara, Luma Nogueira, Thifanny Odara, Letícia Nascimento, Adriana Sales, Marina Reidel, Dayanna Santos, Mariah Rafaela e Sara York. As contribuições dessas intelectuais acerca do campo pedagógico são indispensáveis para a superação das lacunas deixadas pelas formações acadêmicas em relação à diversidade e, ao mesmo passo, para minimizar os impactos da violência de gênero enquanto uma realidade pulsante nos aparelhos escolares.

O Plano Nacional da Educação aprovado em 2014 e válido até 2024 - com a função de determinar as diretrizes, metas e estratégias das políticas educacionais brasileiras - não menciona algumas noções fundamentais ao enfrentamento da hostilidade cisgênera: "identidade de gênero", "orientação sexual". Porém o documento jamais proibiu a discussão em sala de aula, que deve ser estimulada nas escolas como um modo de mitigar a permanência de estudantes trans e travestis.

Quanto à discussão fomentada por educadores e gestores públicos - em resistência ao conservadorismo institucional, precisamos reconhecê-la enquanto uma prática insurgente ou, em termos de bell hooks, enquanto prática de liberdade. Nos próximos dois anos, o Brasil debaterá um novo Plano, em vigência a partir de 2025. É fundamental um posicionamento efetivo contra a LGBTfobia escolar na versão.

IDEIAS E CAMINHOS

Em 2021, a Rede Autônoma de Travestis e Transexuais de Pernambuco - Ratts/PE, uma entidade constituída por ativistas e movimentos de defesa da população de pessoas trans e travestis de Pernambuco, escreveu a "CARTA-PROPOSTA PARA O COMBATE AO EXTERMÍNIO DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS". O documento foi entregue ao Governo do Estado em novembro do ano passado, sem receber, no entanto, qualquer devolutiva do Governador Paulo Câmara (PSB).

Uma das proposições elaboradas defende a criação de um programa educacional, a fim de promover acesso à escolarização. O projeto prevê auxílio financeiro de um salário mínimo, garantia das passagens de deslocamento, e um planejamento profissionalizante integrado. A falta de retorno e de escuta expressa certa fragilidade no compromisso institucional com a preservação de nossas vidas, bem como um acirramento da precarização. Assim, a transfobia consolida-se enquanto política de estado.

A Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco, através da unidade de educação para as relações de gênero e sexualidade, chefiada àquela altura pela mulher trans Dayanna Santos, realizou um levantamento dos estudantes trans e travestis no estado. Entretanto, o estudo se limita àqueles alunos que solicitaram o uso do nome social na escola. A maior parte frequenta o Ensino de Jovens e Adultos no Recife, indicando fragilidades na interiorização da política.

A instituição também realiza visitas às escolas onde há alunos trans e travestis, além de ofertar formações aos educadores. Os casos de transfobia escolar devem ser encaminhados para a Secretaria de Educação dos nossos estados. O poder público tem a atribuição de incidir resolutivamente, isto é, garantir a permanência das estudantes trans e travestis. Algumas entidades da sociedade civil, como o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), também lutam por isso enquanto uma questão prioritária dos movimentos sociais. Em 2010, a militância trans-travesti desenvolveu a campanha "Educação Sem Preconceitos: a Travesti na Escola", direcionada aos educadores.

Conforme avança a popularização da agenda trans e travesti, cursinhos pré-vestibulares específicos direcionados à comunidade têm se popularizado ao redor do Brasil, a exemplo do Prepara Trans em Goiás, do Educatrans em Sergipe, e do Prepara Nem no Rio de Janeiro. Fortaleça essas iniciativas, elas são oportunidades políticas de prevenir, enfrentar e mitigar a violência transfóbica, que mata e limita o acesso à vida.