Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Descrição de chapéu senado

Cabe à Câmara evitar o desmonte do Fundeb

Emendas propostas não se baseiam na ciência, são inconstitucionais e representam sequestro de recursos

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Próximo ao fim do ano legislativo, está nas mãos da Câmara dis Deputados evitar o desmonte da mais bem sucedida política pública de educação dos últimos 30 anos: o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

O Congresso tornou o Fundeb permanente em agosto desse ano por meio de uma emenda à Constituição que prevê a ampliação dos recursos da União ao fundo, mais dinheiro para aumentar as vagas em creche e pré-escola e uma divisão menos desigual dos recursos entre estados e municípios ricos e pobres.

Na semana passada, a Câmara votou a regulamentação da lei aprovada em agosto. Havia um acordo prévio em torno de uma regulamentação que preservasse os ganhos obtidos com a nova lei do Fundeb. Mas os deputados rasgaram o acordo firmado e aprovaram emendas que retiram potencialmente cerca de R$ 16 bilhões do Fundeb das redes públicas, segundo cálculos da Campanha Nacional da Educação.

O valor, que representa quase 10% do valor do fundo, equivale a todo o adicional de receita que as redes teriam com a nova lei. Pior, caso sejam mantidas as emendas será ampliada a desigualdade, uma vez que recursos antes previstos para municípios pobres serão destinados aos municípios mais ricos do país, como atestam os estudos do Movimento Todos pela Educação.

A primeira das emendas, da deputada Soraya Santos (PL-RJ), permite que instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas recebam recursos do Fundeb para alunos matriculados gratuitamente em suas escolas no ensino fundamental e médio. A medida, inconstitucional segundo juristas e membros do Ministério Público Federal, tem o potencial de transferir mais de R$ 10 bilhões para a criação de vagas onde não há demanda.

A justificativa da emenda proposta pela deputada não é a da necessidade de criação de vagas, algo previsto em nossa legislação, mas que essas instituições “são de fundamental importância ao funcionamento do sistema educacional brasileiro, prestando um grande serviço à população”.

É inegável a qualidade e a importância dessas instituições. O Estado brasileiro já as reconhece lhes proporcionando um regime especial tributário em troca de, vejam só, bolsas de estudos a alunos pobres, além de subsidiar os pais que pagam a mensalidade dessas escolas com restituições do Imposto de Renda que retiram milhões em recursos do Tesouro.

Estes benefícios fariam corar qualquer liberal clássico, mas não nossos colegas do Partido Novo. Estes foram além e propuseram que os recursos destinados ao salário dos professores possam também servir ao pagamento de funcionários terceirizados. A medida retira mais R$ 4,4 bilhões das redes públicas e honra a tradição brasileira de distribuir nacos do orçamento público para os mais diversos grupos de interesse.

A terceira e última emenda permite o repasse de R$ 500 milhões para convênios entre os estados e o Sistema S. Assim como no caso das filantrópicas, não se deve negar o extraordinário serviço prestado pelo Sistema S nas áreas de educação e cultura. É preciso lembrar que nada impede que estes convênios sejam assinados com governos municipais e estaduais, como de fato já são. Mas que sejam a favor da educação pública, não em seu prejuízo.

Por fim, há o argumento de que transferir recursos das escolas públicas para instituições privadas daria aos estudantes pobres o direito de estar em escolas de maior qualidade e “oxigenaria o sistema”. Não é o que diz a ciência.

Martin Carnoy e Eric Hanushek, economistas da Universidade Stanford (EUA), não encontraram evidências nos resultados educacionais de estudantes de mesmo nível socioeconômico matriculados em boas escolas públicas e em boas escolas "charter" (escolas privadas financiadas com recursos públicos). No Brasil, o economista Naércio Meneses não encontrou diferenças relevantes nos resultados do Enem entre os estudantes de escolas públicas e os de escolas privadas que cobram mensalidade baixa.

As emendas propostas pela Câmara não se baseiam na ciência, são inconstitucionais e representam o sequestro de recursos da educação pública e o aumento da desigualdade entre estados e municípios ricos e pobres. Nunca é tarde lembrar que a escola pública é um dos pilares da democracia liberal, a mesma que vem sendo atacada sob o olhar complacente de muitos dos que deveriam ser seus guardiões.

O Senado na última terça (15) devolveu à Câmara o texto original, dando a esta uma nova chance de cumprir seu compromisso com a educação brasileira. Que este seja cumprido.

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