Por Yasmin Castro, G1 Mogi das Cruzes e Suzano


Pela igualdade de gênero no futuro, mulheres levam o feminismo para a criação dos filhos

Pela igualdade de gênero no futuro, mulheres levam o feminismo para a criação dos filhos

Após anos enfrentando o machismo, lidando com as desigualdades de gênero e tendo suas potencialidades reprimidas, três mães decidiram que era hora de mudar e garantir um futuro melhor para as mulheres que estão por vir.

Cristiane Pereira da Silva, Nahome Andere e Fabiana Araújo moram em Mogi das Cruzes, são feministas e lutam para que seus filhos tenham uma criação empoderadora e livre do preconceito que opõe meninas e meninos.

Por meio de atitudes simples, que começam dentro de casa, elas mostram que brinquedos e cores não têm gênero, que é preciso respeitar as mulheres e que as tarefas domésticas são um dever de todos.

Aos poucos, tendo o feminismo como aliado, elas preparam suas crianças para praticar o respeito. Neste Dia das Mulheres, Cristiane, Nahome e Fabiana mostram que os primeiros passos para um futuro melhor e livre de desigualdade começam na infância.

Pensamento crítico nasce na infância

Cristiane é mãe de Francisco, de 9 anos, e se dedica a oferecer a ele uma educação livre de estereótipos de gênero — Foto: Cristiane Pereira da Silva/Arquivo Pessoal

A funcionária pública Cristiane veio de uma família patriarcal – comandada por uma figura masculina –, em que as diferenças entre homens e mulheres eram nítidas. Única menina entre cinco irmãos, ela lembra que, na infância, a liberdade dos rapazes já a fazia refletir. Era proibida de brincar com “coisas de menino” e seu lugar era nas tarefas domésticas, ao lado da mãe.

A vontade de fazer diferente veio na adolescência. Foi trabalhar aos 16 e se dedicou aos estudos como forma de mudar a própria realidade e ser livre. Estudando arte e cultura, descobriu que seu comportamento vinha do feminismo e da luta das mulheres pelas próprias escolhas.

“Eu comecei a ler sobre elas e entender o comportamento, que esse comportamento que eu vinha tendo, era um comportamento feminista. Um comportamento de lutas pelos direitos e pela igualdade. Aí caiu a ficha na época. Eu comecei a ser militante, a procurar o ativismo e a participar de causas sociais”, completa.

Com a chegada do filho Francisco, que hoje tem 9 anos, a preocupação ganhou um novo rumo. Além de batalhar por si, enquanto mulher, ela agora tinha alguém para contribuir com a luta. Para ela, o feminismo na criação está relacionado à quebra de preconceitos e o desenvolvimento de um pensamento crítico, que levanta questionamentos e favorece as igualdades.

Cristiane e Francisco leem livros que reforçam a força da figura feminina — Foto: Cristiane Pereira da Silva/Arquivo Pessoal

“Minha maior preocupação, depois que ele veio, foi essa coisa de: que filho eu quero deixar para esse mundo? Qual vai ser o meu legado nesse mundo? O que eu fizer e participar, nas atividades sociais, o que eu construir na minha vida vai ser lembrado, mas a minha herança para o mundo é o meu filho. Qual visão eu gostaria que tivesse uma pessoa que eu estou orientando, ajudando a se desenvolver como ser humano?”, comenta.

Debater o machismo com as crianças pode parecer precoce, mas para a funcionária pública, é parte da formação de um cidadão consciente e questionador. Com o filho, os debates surgem de forma saudável, em meio aos acontecimentos do dia a dia, que o próprio menino traz à tona. Sempre há uma oportunidade para ensinar e aprender.

“Uma das amiguinhas dele da turma da escola faz parte do time de futebol. Ele me contou que a amiguinha disse que a mãe dela, na época que estudava no fundamental, foi proibida de participar do time de futebol da escola, porque meninas não jogavam futebol. Esse é um assunto que a criança traz para a gente que é riquíssimo. Nesse ponto aí você já tem várias discussões em que pode ser colocado o feminismo”, destaca.

Cristiane mora em Mogi das Cruzes e é mãe de Francisco, de 9 anos — Foto: Cristiane Pereira da Silva/Arquivo Pessoal

Mais do que militância, Cristiane vê na relação com o filho um laço de empatia, que também atinge outras esferas da sociedade, como no combate ao racismo, por exemplo. Enquanto mãe de menino, ela acredita que o debate sobre a igualdade de gênero, nos primeiros anos de vida, são fundamentais para que ele seja um adulto melhor. É uma questão de caráter e respeito ao próximo.

“Nós mulheres, que criamos esses meninos, temos que estimular os nossos filhos em um comportamento mais justo em relação às meninas. Isso se dá muito na convivência deles. A gente tem que visar uma formação do caráter da criança de forma a ter o respeito pelos seus parceiros, pelos seus companheiros, pelo seus companheiros de escola, independentemente de gênero. Aí você está estimulando um comportamento justo, de respeito”, diz.

“O que eu quero, na verdade, é que ele seja um indivíduo que também batalha pela igualdade de gêneros, como eu. O que eu quero de bom para mim, eu quero que meu filho também queira e faça de bom para as outras pessoas”.

Feminismo de cada dia

Nahome Andere mora em Mogi das Cruzes e tem quatro filhos — Foto: Jorge Beraldo/Divulgação

Nahome também acredita que o feminismo está nas pequenas coisas e que a luta começa cedo. Mãe de Irá, de 16 anos, Maíra, de 14, Otto, de 4, e Théo, de 2, ela diz que ainda está aprendendo, mas que vê a educação igualitária como fundamental.

“Na minha casa é assim, eu tenho quatro filhos. Uma menina e três meninos. Moramos só nós. Nessa experiência eu vou aprendendo a ser feminista e tentando educá-los, também, dessa forma”.

Foi na rotina do lar que ela percebeu a importância de debater o assunto com as crianças. Nahome notou que a filha, única menina, era responsável por maior parte das tarefas domésticas. Para ela, a explicação disso pode estar nas desigualdades de gênero e na ideia de que essas funções são da mulher.

“Eu comecei a perceber que a Mai me ajudava mais a fazer almoço, principalmente, cuidar da casa. Meu filho mais velho tem 16 anos. Ela tem 14. Eu falei, pela idade, quem tinha que me ajudar mais era o Irá. Por que a Maira que está vindo mais ajudar?”, aponta.

Embora isso nunca tenha sido ensinado diretamente, Nahome acredita que pensamentos como esse estão enraizados. “Eu não sei responder porque a Maira ajudava mais que ele. Eu acho que é porque a gente vive em uma sociedade machista e acaba que as meninas têm mais essa pré-disposição cultural de estar ajudando mais na casa, de se compadecer mais com a mãe”, reflete a mãe.

Para resolver o problema e mostrar aos filhos que as tarefas domésticas independem de gênero, ela resolveu criar uma tabela com um cronograma do que cada um deveria fazer. Assim, além de tirar a sobrecarga da menina, ela mostra aos meninos que eles também têm obrigações.

Liberdade e troca

Maira, filha de Nahome Andere, decidiu raspar os cabelos quando ainda era criança — Foto: Nahome Andere/Arquivo Pessoal

Nahome Andere gosta de destacar como a filha a ensina o feminismo. Ela a define como uma menina atualizada, que tem interesse pelo assunto, se informa e se desprende de padrões de gênero desde quando era pequena. Exemplo disso está na própria aparência.

Maira raspa o cabelo desde que tinha 9 anos, por escolha própria, que a mãe faz questão de respeitar. “Com 9 anos eu não aguentava mais. Ela não parava de pedir para ficar careca. Ela ficou uns quatro anos pedindo para raspar o cabelo. Aí eu deixei, com 9 anos. Meu medo era bullying mesmo, na escola, como ela ia reagir. Ela raspou e, desde então, nunca mais deixou o cabelo crescer”.

“Essa experiência me ensinou muita coisa. Muita coisa de saber que ela já tinha essa personalidade lá atrás. Às vezes, por um padrão imposto, eu demorei tanto tempo para deixar ela fazer isso, que ela queria”, diz Nahome.

A atitude da menina, atualmente, influencia na criação dos irmãos, que também crescem sem se prender a padrões. Brincam com maquiagem, não se importam com o suposto gênero das roupas e sabem que brinquedo não têm sexo. Orgulhosa, a mãe acredita estar construindo um futuro melhor.

“Como eu já tenho toda a experiência com o Irá e a Maira, agora que eu tenho o Otto e o Téo, que tem 4 e 2 anos, eu acabo deixando eles mais livres nesse sentido. Que nem o Otto, ele ama usar maquiagem. Não pode ver alguém se maquiando, que ele quer se maquiar também. No quarto dos meninos tem casinha de boneca, tem um monte de Polly, assim como tem Hot Wheels”.

“É a gente conseguir ir além do que nossos pais foram. Meus filhos vão conseguir um pouco mais além de mim, em todos os pontos, e nesse do feminismo também. Isso é muito louco. Acho que é nesse sentido que a Maira já me ensina com 14 anos e vai me ensinar bastante ainda. Olhando para ela, vou vendo o que é ir além de mim”, conclui a mãe.

Direitos iguais

Fabiana Araújo é feminista, consultora em amamentação e mora em Mogi das Cruzes — Foto: Marina Neves/Divulgação

Fabiana Araújo é consultora em amamentação, tem 42 anos, tem três filhos e também vê a importância de destacar questões de igualdade, dentro e fora de casa. Mãe de duas meninas, de 12 e 8 anos, e de um menino de 5, ela os ensina que essa é uma luta de todos.

“Mais que uma criação feminista, eu ensino meus filhos que eles têm direitos iguais. Não chego a levantar uma bandeira com eles, porque eu trato isso com muita naturalidade. Eu explico sim, como era antes e porque nós temos que lutar pelos nossos direitos”, explica.

A filha mais velha ainda era pequena quando Fabiana percebeu que era necessário rever conceitos básicos da educação. Ela conseguiu ver o machismo nas pequenas coisas e, com a chegada dos outros filhos, levou isso adiante.

“Ela estava no jardim escola, que tem aquelas coisas de cor de menino, cor de menina. Foi aí que eu comecei a reparar o quão machista ainda é a nossa sociedade e o quanto a gente precisa modificar nosso discurso para que, daqui pra frente, as próximas gerações não sofram o que as nossas sofreram e sofrem, ainda, com o machismo”, comenta a mãe.

“Nossos meninos precisam entender que as mulheres são iguais a eles. Um exemplo é o serviço doméstico. É função de quem cuidar da casa? É função de todo mundo que mora nela. Aqui na minha casa não tem diferença. Todo mundo faz tudo igual, independente de gênero”.

Fabiana é mãe de três filhos e acredita que a igualdade de gênero deve ser ensinada desde a infância — Foto: Marcel Fernandez/Divulgação

Os filhos ainda estão crescendo, mas Fabiana já os vê colher os frutos de uma educação que preza pela quebra dos estereótipos. Ela relata que as crianças se questionam e levam ao mundo diversas reflexões sobre igualdade de direitos.

“Eu estava em um consultório médico. Eu estava com os três, tinha umas crianças brincando com uma boneca. Um menino foi brincar com essa boneca. Eles estavam brincando de cabeleireiro. A mãe dele tirou a boneca da mão dele e disse: ‘menino não brinca de boneca, seu pai vai ficar bravo com você se ele souber’.

“Minha filha mais velha olhou para mim e falou: ‘mãe, mas é só uma boneca. O que tem ele brincar de boneca?’”.

“Isso foi um fato que marcou muito. Agora a gente está na pandemia, então faz um ano que eles não têm aula presencial, mas eles sempre trazem algumas questões sobre machismo. Às vezes algum colega fala que menina não pode isso, não pode aquilo. Minha filha sempre corrige, mostra a indignação dela”.

Fabiana faz parte de um coletivo de mulheres e trabalha com questões de violência de diversos gêneros, como a doméstica. A consultora em amamentação dá palestras e auxilia vítimas na hora da denúncia. Para ela, garantir igualdade ao educar os filhos é mais do que positivo. É essencial.

“É necessário uma atenção especial na educação das crianças. Uma educação mais igualitária para acabar com esse discurso de que as mulheres são mais frágeis, de que mulher não pode alguma coisa. A gente pode tudo. Nossos filhos, mais ainda”, comenta.

“É importante que eles já cresçam sabendo que não existe diferença entre meninos e meninas, que as meninas podem, tanto quanto os meninos, ser bem sucedidas, podem ter os mesmos empregos, devem ter os mesmos salários, mesmos direitos. Eu acho que nossa sociedade só vai mudar, só vai melhorar, se, desde criança, a gente ensinar isso para eles”.

A criança não é uma página em branco

Luísa é educadora feminista e defende que não há idade para abordar o assunto com os filhos — Foto: Luísa Toller/Arquivo Pessoal

Para a educadora feminista e musicista Luisa Toller, as atitudes dessas mães são corretas e não há idade certa para debater questões de igualdade de gênero com os filhos. Isso porque as crianças não são como folhas em branco a serem desenhadas, mas, sim, como seres livres de preconceitos, que serão impactados pelas limitações do mundo o tempo todo.

“Não é que a criança vai nascer e a gente vai ensinar tudo para ela. Muitas delas já vêm com várias características de personalidade que a gente só tem que tirar as barreiras para que elas consigam se desenvolver”, afirma.

“Quando as mães falam da questão das cores, do rosa e do azul, das brincadeiras de boneca, de bola e todas essas coisas, eu não sinto que seria mais a gente incentivar alguma coisa. Imagino que seja mais no sentido de não limitar. Por exemplo, ela pode usar todas as cores. Se ela quiser usar rosa, porque ela acha que é uma cor bonita, eu vou oferecer. Sinto que para as crianças é isso. É a gente tirar os limites”.

Mãe de Antônia, que tem 1 ano e meio, ela diz que é na primeira infância que as crianças começam a absorver dos adultos as ideias de ‘certo e errado’, que podem estar relacionadas às questões de gênero. Ao compartilhar ideias de igualdade em pequenas atitudes, as famílias colaboram para o desenvolvimento de um caráter livre de estereótipos.

“Eu já vi acontecer, na escola da minha afilhada, que é um berçário, com crianças de até 2 anos. Quando mudou o ano e entraram crianças novas, passaram os alunos meninos para outra sala e deixaram as meninas na turma com os alunos novos, dizendo que elas eram mais acolhedoras”, comenta.

“São todas crianças de 2 anos. As professoras, nesse caso, já estão definindo que as mulheres são mais acolhedoras. Estão delegando esse cargo a elas, essa relação do afeto, do cuidado, que a gente sabe que é quase uma obrigação de trabalho da mulher”, destaca.

Luísa Toller é educadora feminista e defende que não há idade para abordar o assunto com os filhos — Foto: Luísa Toller/Arquivo Pessoal

Embora seja feminista e estude o assunto, ela reconhece que está em constante aprendizado e que a filha a ensina o tempo todo. Como mãe, que luta para que todos tenham seu próprio espaço de forma igual, Luisa permite que Antônia seja criança e não seja limitada pelo machismo.

“Minha filha gosta muito de jogar futebol e a gente não tinha uma bola em casa. Não foi uma coisa do tipo ‘sou feminista e vou incentivar ela a jogar futebol’, mas ela ama. Ela ama chutar, ama falar sobre, comemora gol, mas ao mesmo tempo, ela brinca de boneca. Eu entendo muito o feminismo como uma liberdade, que é a gente poder deixar as crianças fazerem o que elas querem”.

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