Rio Educação

Busca ativa levou 20 mil alunos da rede municipal do Rio de volta à escola

Cinco mil crianças ainda não foram recuperadas, segundo a Secretaria Municipal de Educação. Censo Escolar mostra que a soma das matrículas das redes de ensino da cidade caiu 4,1%, acima da média nacional de 1,3%
Adriana Rodrigues e a filha Maria Vitória, na Escola Municipal Sarmiento Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
Adriana Rodrigues e a filha Maria Vitória, na Escola Municipal Sarmiento Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

RIO — No início de 2020, quando as aulas presenciais foram interrompidas pela pandemia, Maria Vitória estava no último ano da creche. A menina de 5 anos passou os últimos dois quase sem contato com a escola, já que só retornou em novembro do ano passado, depois de muita insistência da direção da unidade.

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A mãe de Maria, Adriana Cunha da Silva Rodrigues, tinha medo de que a filha pegasse Covid, por isso não quis leva-la à escola quando as aulas voltaram. Além disso, tem mais dois filhos, de 12 e 14 anos, e apenas um celular. Os dois meninos usavam o aparelho para assistir às aulas, o que dificultou o contato da direção da Escola Municipal Sarmiento, no Engenho Novo, com a mãe.

— Dei prioridade para eles porque são maiores. A escola da Maria tentou fazer contato comigo várias vezes, mas não conseguiram falar. Eles deviam estar usando o celular — explicou Adriana.

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Adriana conta que tentou dar algum suporte para a filha menor em casa, mas ficou desempregada na pandemia e teve que fazer doces para vender. Quando finalmente atendeu a uma ligação da diretora, estava voltando de um bico que conseguiu naquela semana, e foi conversar pessoalmente:

— Desci direto na escola para falar com ela por causa da ligação. No dia seguinte, Maria foi para a aula. Ela frequentou até o final do ano e ficou muito feliz por ter feito novos amigos, por fazer os trabalhinhos.

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O caso de Maria Vitória é semelhante ao de milhares de crianças, como o Henrique Matheus Teixeira, também de 5 anos. Aluno da Escola Municipal Cláudio Ignácio de Oliveira, em Irajá, o menino também só voltou a frequentar a escola depois da busca ativa. Mas não foi fácil. A equipe da unidade teve que convencer a mãe, Josiele Teixeira, de que a volta à sala de aula era segura:

— Esse incentivo da escola, em ter me procurado tantas vezes, pesou 80% na minha decisão.

Josiele Teixeira e Henrique Matheus Teixeira, que voltou às aulas na Escola Municipal Claudio Ignácio de Oliveira Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
Josiele Teixeira e Henrique Matheus Teixeira, que voltou às aulas na Escola Municipal Claudio Ignácio de Oliveira Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

Henrique tem bronquite asmática e, quando tinha um ano e meio, passou por uma cirurgia intestinal com retirada de apêndice. Como consequência da operação, às vezes ele precisa tomar remédios para aumentar a imunidade. Por isso, a mãe do menino estava com medo. Mas, depois de ir à escola, em setembro, para observar se os protocolos sanitários estavam sendo cumpridos, Josiele decidiu que era hora de Henrique retornar:

— Eles não deixavam as crianças sem máscara de jeito nenhum, lavam sempre as mãos, álcool em gel e cada um tem a sua garrafinha para beber água. Foi aí que eu resolvi deixar ele ir mesmo receosa no início.

Maria Vitória e Henrique Matheus estão entre 20 mil alunos da rede municipal do Rio que perderam o contato com a escola durante a pandemia e foram resgatados pela busca ativa da Secretaria Municipal de Educação. De acordo com a pasta, no auge do impacto da crise sanitária na área, registrado em meados de 2021, 25 mil crianças – 4% do total da rede – estavam sem realizar qualquer atividade escolar, de forma remota ou presencial.

Um levantamento da Secretaria Municipal de Educação do Rio mostra que, dos 25 mil alunos que ficaram sem interagir com a escola no último ano, 49% são moradores da Zona Oeste, 35% da Zona Norte, 10% da Zona Sul e 6% da região central. Já dos 5 mil que ainda não foram resgatados, 44% são moradores da Zona Oeste, 43% da Zona Norte, 10% da Zona Sul e 3% da região central. Segundo o secretário Renan Ferreirinha, antes da pandemia, a média de alunos evadidos era de 1,5% do total da rede, o que equivale a cerca de 9,7 mil estudantes — quase o dobro do número atual.

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Para reduzir esse índice, a secretaria mobilizou as equipes numa busca ativa pelos alunos perdidos. Uma das profissionais empenhadas nessa missão foi a diretora da Escola Municipal Sarmiento, no Engenho Novo. Maíza Ferreira de Oliveira conta que a unidade chegou a perder a interação com quase 50% dos seus 900 alunos. Mas, depois do mutirão de busca, o percentual caiu para 5%. Ela explicou que muitas vezes não basta ligar ou ir até a casa a procura dos responsáveis. O mais difícil é encontrar crianças que se mudaram com a família para outros estados durante a pandemia. Muitos voltaram para a região Nordeste, por exemplo.

— A gente faz de tudo para conseguir o contato mesmo com os que foram para longe. Teve uma mãe que a gente não achava de jeito nenhum. Aí no Facebook eu procurava nome da mãe e do pai. Quando não encontrava, pegava o endereço que tínhamos, jogava no Google Maps, e abria para identificar alguma coisa do lado de casa, como uma mercearia. Então eu ligava, deixava meu telefone e torcia para haver retorno — conta.

Maíza disse que também há casos de crianças que se matricularam em escolas em outros estados, o que acabou descobrindo só no Censo Escolar.

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Parceria com a Unicef

O Rio aderiu a uma estratégia para o retorno dos estudantes à escola, a Busca Ativa Escolar, que é uma iniciativa do Unicef em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação e com apoio do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Trata-se de uma metodologia social e uma ferramenta tecnológica disponibilizadas gratuitamente para estados e municípios para ajudar a gestão pública a encontrar crianças e adolescentes fora da escola, ou em risco de abandono. Desde o início de 2020, mais de 80 mil crianças e adolescentes foram encontrados pelas equipes de Busca Ativa Escolar em 3 mil municípios do Brasil.

A coordenadora do UNICEF na região Sudeste, Luciana Phebo, explica que a ferramenta também gera novas informações, como os motivos apontados pelas famílias para o afastamento dos estudantes:

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— Não é só achar o menino e colocar de volta na escola. É fundamental conhecer a causa do problema para que a criança permaneça como parte da comunidade escolar. Ao reunir também essas justificativas, geramos informações para pensar no futuro, estudar as melhores maneiras de combater o problema. Nós sabemos que o desinteresse pela escola é um motivo frequente, principalmente no Ensino Médio, e que há questões por trás.

Sobre a cidade do Rio de Janeiro, Phebo cita particularidades que aumentam o desafio de reduzir a evasão escolar.

— A maioria dos municípios que aderiram ao Busca Ativa é de pequeno ou médio porte. A utilização por uma grande capital como o Rio é recente e traz novos desafios e novas oportunidades. Tem a violência armada e o adensamento urbano, que dificultam o acesso a alguns locais. Por outro lado, a rede pública é a maior da América Latina, tem uma enorme abrangência — explica.

Taxas de matrícula

Esse ano, segundo a Secretaria Municipal de Educação, há um total de 669,5 mil matrículas realizadas em todas as séries da rede municipal, número bastante superior às 629,7 mil do ano passado. No entanto, 31 mil das quase 40 mil matrículas a mais são resultado de uma mudança no método de cálculo da pasta. Em 2022, as crianças que estão nas cerca de 250 creches conveniadas à prefeitura entraram na soma. Antes, apenas os números das creches próprias dos municípios eram somados.

O dado mais recente da rede municipal aponta para uma recuperação dos prejuízos causados pela pandemia. Entre 2020 e 2021, foram 7,6 mil matrículas a menos. No entanto, o saldo de 2022 já mostra um retorno ao patamar pré-pandemia.

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Segundo levantamento feito com dados do Censo Escolar, do INEP, o total de todas as escolas localizadas no município do Rio — federais, estaduais, municipais e privadas — matricularam no ano passado 54.922 crianças e adolescentes a menos que em 2020. O número é referente à Educação Básica, que inclui creche, pré-escola e os ensinos Fundamental e Médio. Só na rede particular da capital fluminense, foram 27.046 matrículas a menos. Já na rede estadual, 18.970. Enquanto as escolas federais também localizadas no Rio perderam 1.250 matrículas em 2021.

A redução de quase 55 mil matrículas na cidade de 2020 para 2021 representa uma queda percentual de 4,1%, taxa acima da média nacional no mesmo período, que ficou em 1,3% – uma baixa de 627 mil estudantes. Na análise do secretário Renan Ferreirinha, diferentes fatores explicam esse cenário:

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— Existe uma queda de matrícula natural que vai acontecer na sociedade brasileira devido à transição demográfica. A gente vai ter menos alunos do que a gente tem hoje num futuro próximo porque a nossa sociedade está envelhecendo. Isso vai acontecer naturalmente, mas não nessa intensidade. O que eu acredito que vem intensificando isso é que, infelizmente, as pessoas estão começando a colocar na balança se vale a pena a criança estar na escola ou não. É um debate que a gente já havia superado nas últimas décadas. Normalizar o abandono ou pensar ser uma escolha das famílias colocar a criança para trabalhar ou estudar não pode ser tolerado.

Educação infantil

Na Educação Infantil do Rio, a redução média do total de matrículas é ainda maior, de 6,3%. Houve uma queda de 16,3 mil crianças matriculadas em creches e na pré-escola em 2021 na comparação com o ano anterior. A redução foi mais expressiva nas escolas particulares, de 12%. Foram 13,4 mil matrículas a menos, sendo uma baixa de 9 mil na pré-escola e de 5,4 mil nas creches. Também houve queda na mesma fase escolar das unidades municipais de ensino, mas num ritmo bem menos acelerado: 1,7% — um total de 2,6 matrículas a menos.

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Em 2022, houve uma ampliação nas creches da rede municipal. Foram criadas 8 mil novas vagas este ano. Na comparação com os dados da secretaria de 2021, o incremento foi de cerca de 5 mil crianças nas creches conveniadas e de 3 mil nas unidades próprias do município. Ferreirinha disse que a necessidade de mais creches públicas é anterior à pandemia e acrescentou que também há um movimento de migração de alunos da rede particular para a municipal.

— Ainda não temos esse dado atualizado de 2022, mas a gente observou que isso aconteceu muito de 2020 para 2021. Houve uma migração de escolas privadas para escolas públicas numa intensidade muito maior, foi uma situação que nos saltou muito aos olhos. Quando a isso, a gente fez todas as acomodações necessárias. A pandemia segue tendo seus efeitos e a nossa rede está preparada para receber todos os alunos. Acima dos 4 anos, nós temos capacidade operacional para atender esses alunos.

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Para além das questões econômicas que afastaram, principalmente, as crianças menores da rede privada das atividades escolares, o coordenador de políticas educacionais do Todos Pela Educação, Ivan Gontijo, acredita que as aulas à distância dificultaram a interação pequenos:

— Se fala muito em evasão no Ensino Médio, já que antes da pandemia era a etapa mais grave nesse sentido. Na pandemia se esperava que o problema se agravasse por causa da crise econômica, com mais adolescentes buscando renda para ajudar as famílias. Mas o problema ficou muito grande entre os menores, porque eles encontram mais dificuldades de acompanhar o ensino remoto, o que é mais fácil para os adolescentes.

A diretora da Escola Sarmiento, Maíza Ferreira de Oliveira, observou na prática:

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— Os menores foram os mais afetados. Uma criança de 4 ou 5 anos no ensino remoto? Por mais que eles usem o celular, é para joguinhos e não para assistir a uma professora.  Aí os pais saem para trabalhar e a criança fica em casa com a avó, que muitas vezes não sabe utilizar o recurso.

Outra missão é manter os alunos na escola. Gontijo defende que as estratégias para que os que estão não saiam são tão importantes quanto o resgate:

— Temos que prevenir para que as que estão na escola não entrem para a estatística. É preciso monitorar a frequência. Se o aluno começou a faltar, tem que ligar para os responsáveis logo. É algo que dá trabalho, mas que tem que ser prioridade. Vale uma boa articulação da escola com serviços de assistência social, distribuição de bolsas ou cestas básicas nas escolas. São Paulo, por exemplo, está contratando pais de alunos para trabalhar nas escolas. Em Pernambuco, estudantes se tornam monitores para ajudar os professores e recebem bolsa.