Bullying contra aluna no RJ vira caso de polícia, mas secretária faz apelo: 'Não podemos hostilizar crianças, estão trancadas em casa com medo'
Episódio foi registrado na delegacia de Natividade pelo Conselho Tutelar. Alunas e responsáveis estão sendo orientadas por psicopedagogas
Por Arthur Leal — Rio de Janeiro
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O vídeo é duro de ser assistido até o final. Nele, uma adolescente, aluna da Escola Estadual Flávio Ribeiro de Rezende, de Natividade, no Noroeste Fluminense, motivada por várias outras em sua volta, ri, debocha e tenta tocar à força o cabelo de uma menina de 11 anos, negra, que resiste como pode às investidas, assustada e indefesa. "Puxa o cabelo dela!", gritam as garotas por várias vezes, sendo abafadas apenas pelas risadas umas das outras. "Você não gosta do seu cabelo?", desdém uma delas. Parte do que é dito na gravação é ininteligível, mas, em alto e bom tom, a vítima pede para que as colegas parem com aquilo. Por fim, no trecho final e mais impiedoso da gravação, elas caçoam da fragilidade da criança diante daquela situação: "Chora! chora, neném". Ela, então, vai às lagrimas.
A situação, que aconteceu dentro dos muros de um colégio estadual, virou caso de polícia. Questionada, neste sábado (1), a Secretaria Estadual de Educação afirmou que, além de ter instaurado uma sindicância na pasta para a apuração detalhada de tudo o que aconteceu, o Conselho Tutelar fez também um registro de ocorrência na delegacia da cidade de Natividade, "já que bullying, racismo e discriminação religiosa são atos criminosos que devem ser avaliados à luz do Estatuto da Criança e da Adolescente". Procurada, a 140ª DP (Natividade) informou que agentes realizarão diligências para identificar todas as pessoas envolvidas e esclarecer os fatos.
'São amigas': conversa de diretora com alunos pega mal
As identidades das meninas, todas menores de idade, serão preservadas. O fato aconteceu na segunda-feira (27), mas veio à tona nesta quinta-feira (30), e esteve entre os assuntos mais comentados nas redes sociais. A vítima, de 11 anos, sofre de deficiência de aprendizagem – a princípio, chegou a ser dito que ela possuía um grau de autismo.
Com a exposição e grande repercussão negativa sobre o caso, surgiu ainda, num segundo momento, uma nova gravação, também feita por alunos, onde a diretora da instituição fala sobre o incidente. Sem abordar ou condenar as questões relacionadas ao bullying e racismo praticadas pelas adolescentes, ela deu ênfase ao uso irregular dos aparelhos celulares e disse, ainda, que vítima e agressora são amigas, o que gerou revolta por parte de internautas.
– Isso é bom para vocês entenderem o que o celular faz na hora errada nas redes sociais. Essas brincadeiras erradas, de dar tapinha no outro, na hora da fila da merenda, ou em outros momentos... as pessoas filmam e a filmagem (inaudível). Aquela menina que está implicando com a (nome da vítima), as outras em volta ficaram instigando ela a implicar. Porque as duas são amigas – diz a docente em sala de aula.
Também perguntada sobre a postura da diretora, a Seeduc afirmou que, para além das imagens, a direção da escola agiu para proteger todas as crianças, alertando inclusive sobre os perigos do bullying, da falta de respeito, da falta de solidariedade e da disseminação de imagens que podem expor as crianças e causar violência do lado de fora da escola.
– Foi acordado com o Conselho Tutelar e a comunidade escolar, como uma medida protetiva, que as crianças fossem afastadas para a realização de trabalhos didáticos em relação ao bullying. E que elas fossem ouvidas por psicopedagogas e as famílias participassem deste grupo de entrosamento e de discussão coletiva. Esse é um trabalho didático da escola, que fará ações contra o bullying e a violência – afirma a secretária de Educação do RJ, Roberta Barreto.
Neste sábado, em entrevista à CBN, Barreto também falou sobre a necessidade de a sociedade encarar o caso com seriedade e responsabilidade. Segundo ela, as jovens que praticaram o bullying contra a menina de 11 anos estão reclusas e com medo da reação negativa e de toda a proporção que o caso tomou.
– A escola é um lugar de paz, temos que promover a paz. É muito importante a sociedade entender que são crianças e que nós todos precisamos cuidar delas. Não podemos hostilizar as crianças. Elas estão trancadas em casa, com medo da reação da população – disse.
Governador e parlamentares reagem
Ainda nesta sexta-feira, o governador do RJ, Claudio Castro, definiu o episódio como "inaceitável", e publicou um posicionamento nas redes sociais.
"Assim que tomei conhecimento do bullying contra uma aluna da educação especial em uma escola da nossa rede, em Natividade, determinei que a secretária de Educação acompanhe de perto o caso, dando total apoio à estudante e sua família, e tome as providências necessárias", disse o governador. "Ontem anunciei uma série de medidas para identificar e prevenir a violência nas escolas. O ambiente escolar deve ser um lugar de paz e respeitar o próximo é um dever de todos nós!".
O deputado federal pelo Paraná, Deltan Dallagnol (Podemos), também reagiu às imagens.
"Esse vídeo é de partir o coração. A jovem (nome da menina) foi vítima de bullying na escola. Ela perdeu os pais e recebe tratamento em uma instituição de Natividade voltada para pessoas com transtorno do espectro autista e foi vítima de um grupo de meninas que atacaram", escreveu. "Que (nome da menina) possa receber todas as nossas orações e mensagens de carinho para que saiba quão acolhida está sendo em todo o Brasil. Fiquei contente ao ver a quantidade de brasileiros que estão fazendo contato com a jovem e mobilizando para fazê-la sentir nosso carinho. Do outro lado, eu espero que a escola busque as devidas penalidade para essas jovens e que seus pais possam educá-las para o caminho do amor e da empatia para que nunca mais comentam essas violências".
A deputada federal Adriana Accorsi (PT-GO) também se pronunciou.
"Quero enviar um recado para a querida (nome da aluna) da Escola Estadual Flávio Ribeiro de Rezende no Município de Natividade no RJ. ❤️ Você é uma menina perfeita, linda e incrível! Um grande abraço cheio de amor e carinho", escreveu a parlamentar.
Carlos Jordi (PL-RJ) também escreveu nas redes sociais:
"Desumano e cruel. O caso ocorreu em Natividade, interior do RJ, na Escola Est. Flávio Ribeiro de Rezende. (nome da menina), 11 anos e autista, foi humilhada por conta de seu cabelo e condição. Estou enviando minha assessoria para conseguir contato com a família e nos colocarmos à disposição", disse o deputado federal.
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