Educação no Ceará

Por Samuel Pinusa, g1 CE


Saúde mental nas escolas precisa ser discutida em conjunto com profissionais, família e poder público. — Foto: Rodrigo Gadelha/SVM

Os comportamentos sociais em grupos podem trazer diferentes camadas, especialmente se realizados por indivíduos ainda em busca da construção de caráter e personalidade. É assim que se desenvolve nas escolas a interação entre alunos, professores e outros profissionais. Contudo, essa realidade pode encontrar entraves pelo caminho, como a ansiedade, o bullying e outros problemas de saúde mental.

Os gargalos da sociabilização entre crianças e adolescentes, inclusive, foram reforçados após dois anos de isolamento social causados pela pandemia de Covid-19. No Ceará, o tema ganhou força após episódio em uma escola estadual de Sobral, na região norte. Na ocasião, um aluno baleou três colegas — e um deles acabou morrendo.

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A Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) disse que a formação integral dos estudantes tem sido um dos princípios pedagógicos assumidos pela política educacional, que considera os aspectos cognitivos, psicomotores e socioemocionais como imprescindíveis ao sucesso do processo de ensino-aprendizagem. Com isto, em 2018, foi instituída a Política Estadual de Desenvolvimento de Competências Socioemocionais, e segue em permanente atualização.

O órgão explicou ainda que, no âmbito dessa política, a rede pública estadual conta com o Projeto Professor Diretor de Turma (PPDT). Em 2022, houve a expansão do projeto para todas as escolas estaduais. A ação tem o objetivo de qualificar as relações intra e interpessoais, com vistas a auxiliar os jovens no processo de autoconhecimento, bem como a promover a melhoria do convívio escolar e comunitário.

'Questão fundamental da educação'

Iniciativas em escolas públicas do Ceará incentivam adolescentes a discutir temas como saúde mental, carreira e sociedade. — Foto: Kid Junior/SVM

O professor João Paulo Fernandes, considerando os 16 anos em que leciona, reverbera a necessidade da discussão.

“A saúde mental é uma das questões fundamentais da educação, porque afeta a disponibilidade dos alunos para aprender. Eu vivencio, vejo nas escolas alunos que se automutilam, que desmaiam, que têm palpitação e precisam sair de sala de aula”, lamentou.

“O que preocupa a gente, professores e gestão, é saber como analisar esses comportamentos; é mudança repentina de humor, baixa autoestima — inclusive provocada pelo bullying —, agressividade. São situações onde a gestão escolar e os professores, através da escuta, precisa presenciar e monitorar. A questão socioemocional tem de estar no radar pedagógico da escola”, reforçou João Paulo.

A preocupação dele, inclusive, levou-o a criar uma dinâmica que emocionou os alunos. Em junho, o docente escondeu um espelho e uma frase motivacional em uma caixa e disse às turmas que ali dentro estava o aluno que ele mais admirava. Quando cada estudante abriu a caixa viu a si mesmo no espelho. A dinâmica aconteceu em uma escola de Horizonte, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Dinâmica com espelho e frase motivacional emociona alunos em Horizonte, no Ceará.

Dinâmica com espelho e frase motivacional emociona alunos em Horizonte, no Ceará.

“É uma temática que a gente precisa trabalhar nas escolas, trabalhar essas emoções, porque nós não temos profissionais suficientes. O aluno é atendido no primeiro momento, mas não tem continuidade, por falta de profissionais”, reclamou o professor.

Contudo, a Seduc argumenta que ampliou, em 2022, o número de psicólogos educacionais e contratou assistentes sociais. “Os profissionais estão distribuídos nas 20 Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação (Crede) e nas três Superintendências das Escolas Estaduais de Fortaleza (Sefor)”, disse o órgão estadual.

Projetos de prevenção

MPCE dispõe de projetos para auxiliar escolas sobre prevenção de violência.

MPCE dispõe de projetos para auxiliar escolas sobre prevenção de violência.

Na perspectiva de combater os saldos negativos que podem surgir com os problemas de saúde mental e violência, o Ministério Público do Ceará criou dois programas para auxiliar as escolas, gestões e governos a enfrentar essas problemáticas. O “PREVINE - Violência nas Escolas, não!” e o “Vidas Preservadas” funcionam desde 2020 e 2018, respectivamente.

O primeiro já capacitou mais de 1.000 profissionais da educação de escolas e secretarias municipais do estado, segundo o coordenador auxiliar do Centro de Apoio Operacional da Educação (CAOEDUC) do MPCE, promotor de Justiça Luiz Cogan.

“A formação ofertada propicia que os cursistas conheçam e identifiquem as diversas formas de violência. Ao final, são apresentadas estratégias para elaboração de planos de ação de prevenção e conscientização sobre violência no âmbito da comunidade escolar”, explicou o promotor.

“Em meio ao reflexo do cenário vivenciado pelas instituições de ensino, com a ampliação desses casos de violência contra crianças e adolescentes identificados no âmbito escolar, o atual retrato é indicativo de vulnerabilidade experienciada por esse público, o que torna a criação dessas comissões um elemento fundamental nas escolas”, complementou Cogan.

Promotora do MPCE comenta cenário de violência e saúde mental em escolas do Ceará.

Promotora do MPCE comenta cenário de violência e saúde mental em escolas do Ceará.

Já o Vidas Preservadas, nascido em 2018, percebeu as diferenças da demanda quando comparado o pré e o pós-pandemia. “Com relação às escolas, a gente verifica que sempre teve uma procura muito grande, uma demanda muito grande, tanto de escolas públicas quanto particulares, em saber tratar dessa questão da saúde mental, principalmente em relação à violência autoprovocada”, disse a coordenadora do programa, promotora de Justiça Karine Leopércio.

“Agora, com o retorno [ao presencial], a gente verificou que os medos, as ansiedades, as cobranças, a dificuldade de sociabilização, tudo isso aumentou. Isso tornou um desafio ainda maior para as escolas”, complementou a promotora.

“A escola é um ambiente, por excelência, para que a criança possa se expressar e possa trazer esses processos simbólicos da socialização”, disse a promotora. Ela avaliou que essa etapa foi prejudicada durante a pandemia, por falta de convivência com professores e colegas.

Relação com a família

Outro ponto fundamental para a prevenção e a eficácia nas estratégias de remediação é o apoio familiar dos envolvidos. Algo que, segundo os especialistas, não acontece sempre. Para Karine Leopércio, a ausência de envolvimento familiar suficiente para debater — e combater — esse tipo de violência é um problema que potencializa os riscos destes tipos de caso.

Papel da família é fundamental na prevenção e no tratamento após casos de violência nas escolas. — Foto: Rodrigo Gadelha/SVM

“Os casos de depressão, de transtornos mentais, relacionados a crianças e adolescentes aumentou de forma muito brusca. Muitas vezes as famílias não estão preparadas para saber como lidar com isso. Às vezes também a própria escola e os serviços de saúde”, explicou a promotora.

A avaliação é compartilhada por quem está no lado de dentro das unidades escolares, como o professor João Paulo Fernandes. “Acho importante estabelecer processos como, por exemplo, quando acionar a família. Quem vai fazer esse primeiro contato? Porque a família também, muitas vezes, não quer reconhecer que tem um problema com o aluno, eles têm dificuldade de ouvir que um filho precisa de atendimento, que precisa procurar tratamento psicológico”, disse o docente.

“Eles passaram dois anos em casa, onde não estavam preocupados com aprendizagem e com socializar, porque a pandemia fez ao contrário; as pessoas não tinham como se socializar porque estavam com medo de morrer. Então, quando eles voltam para a sala de aula, a gente sente essa dificuldade — de disciplina, de socialização”, complementou o professor.

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