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Brasil tem segunda maior desigualdade de renda e só fica à frente de Botsuana, aponta estudo

Condições de vida de mulheres e negros são piores do que as de homens e brancos; houve progresso na saúde e na educação
Funcionário do governo federal entrega kits de merenda escolar em comunidade paraense: Norte do país continua mais pobre do que Centro-Sul Foto: TARSO SARRAF/AFP
Funcionário do governo federal entrega kits de merenda escolar em comunidade paraense: Norte do país continua mais pobre do que Centro-Sul Foto: TARSO SARRAF/AFP

RIO — Um país que busca melhorar sua qualidade de vida, mas ainda esbarra em desigualdades. Este é o retrato do Brasil na quarta edição do Atlas do Desenvolvimento Humano. O acesso a sistemas de saúde e educação básica melhorou nos últimos 20 anos, segundo o documento, mas a disparidade na distribuição de renda é abissal.

— O Brasil é o segundo país com maior desigualdade de renda do mundo, perdendo apenas para Botsuana. Este fator não é visto apenas comparando estados, como também dentro de municípios — ressalta Betina Barbosa, economista do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que assina o relatório, ao lado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Fundação João Pinheiro.

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Os 10% mais ricos do país tinham, em 2017, uma renda per capita 17 vezes maior do que os 40% mais pobres. Os estados do Norte e Nordeste têm Índice de Desenvolvimento Humano inferior aos do Centro-Sul. Este retrato se manifesta, por exemplo, na disponibilidade de infraestrutura. Estados do Sul e Sudeste têm mais acesso à água potável, coleta de lixo e saneamento básico.

— A desigualdade brasileira tem o perfil de uma sociedade que se formou na escravidão. Conseguimos acentuar nosso desenvolvimento, sobretudo a partir de 1998, quando investimos em programa de renda mínima, educação básica e ações coordenadas pelo SUS — destaca Barbosa. — Precisamos de políticas públicas que mirem aspectos mais avançados. Por exemplo, o ensino médio não avança tão rapidamente quanto o fundamental. E o sistema de saúde pode ser sofisticado para atendimento a casos mais complexos.

Mercado de trabalho

O acesso ao ensino melhorou em todas as faixas etárias, e o percentual de professores com a qualificação adequada também apresentou ganhos. Mas aquilo que se aprende nas escolas não se traduz no mercado de trabalho. As mulheres ganham, em média, 85,4% do rendimento dos homens, embora sua formação educacional seja melhor — 16% delas têm ensino superior, ante 12% deles. A desigualdade é maior nas regiões Sul e Sudeste.

Mais do que o gênero, a cor demonstra como a desigualdade pode ser acentuada. No quesito educacional, por exemplo, 11% dos negros são analfabetos. Entre os brancos, apenas 6%. No mercado formal de trabalho, o rendimento médio do trabalhador negro (R$ 1,28 mil) é 42% menor do que o do branco (R$ 1,82 mil).

— Não podemos falar em racismo estrutural porque este termo inclui conotação política e geração de preconceito, e isso não é medido pelo Atlas. Mas, sem dúvida, os padrões de desigualdade se revelam muito acirrados quando comparamos a população branca e a negra — explica Barbosa.

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Houve um aumento de quase 9% na taxa de homicídios entre 2013 e 2017, mas o modo como avançou é um dos maiores retratos da desigualdade no país. Foi cerca de três vezes maior entre a população negra (19,9 por cem mil habitantes) do que entre a branca (6,98).

— Há índices tão diferentes que apenas estados e municípios podem explicar — reconhece Barbosa. — Cabe à opinião pública fazer esse questionamento.

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As primeiras edições do Atlas foram lançadas em 1998, 2002 e 2013. Os organizadores da nova edição esperam que ela venha a tempo para que os candidatos a prefeitos e vereadores usem os dados para formular políticas públicas em sua gestão. Além disso, também fazem um raio-X sobre o progresso do país para o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, uma cartilha da ONU com metas que devem ser atingidas por todas as nações até 2030.

— Precisamos democratizar a informação. Temos 5,6 milhões de informações, coletadas em 17 mil localidades, sobre setores como saúde, trabalho, habitação e vulnerabilidade — reivindica Barbosa.