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Brasil precisará de três anos para recuperar perdas de ensino por conta da pandemia, dizem especialistas

Às vésperas de volta maciça da rede pública, pesquisadores recomendam criatividade, priorização de currículo e até escolas de campanha para recuperar estragos da Covid
Alunos higienizam a mão na Escola estadual Dom Agnelo Cardeal Rossi, em São Paulo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Alunos higienizam a mão na Escola estadual Dom Agnelo Cardeal Rossi, em São Paulo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

RIO - A volta as aulas é o primeiro passo de um longo e custoso processo de recuperação do sistema educacional do país. Na avaliação de especialistas, esse é um trabalho que levará até três anos e dependerá de esforços maiores do que os que eram despendidos antes da pandemia.

Enfim, o retorno: Pela primeira vez desde o início da pandemia, maior parte das redes públicas vai reabrir as escolas

O Brasil se aproxima, pela primeira vez desde o início da pandemia, de uma reabertura maciça das escolas públicas. A partir de agosto, apenas uma rede estadual e três municipais entre as capitais manterão aulas apenas à distância, segundo levantamento do Vozes da Educação. O mês, que marca a abertura do segundo semestre letivo em 2021, é o começo de um longo processo de recuperação de aprendizagem após mais de 13 meses de escolas fechadas.

— Não podemos fazer um pacto de mediocridade em que as redes fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem — defende Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann.

O Brasil viveu, durante o ensino remoto, um longo período de aprendizado à distância apoiado em materiais impressos e lições por WhatsApp. Durante esse período, mesmo quem tinha acesso a bons equipamentos e conexões, a menor parte dos alunos das redes públicas, teve problemas.

  Foto: Editoria de Arte
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— Praticamente perdi meu primeiro ano. Não pude exercer muito meus estudos mesmo com computador e quis desistir. Foi o ensino presencial que me deu esperança de voltar. Estou recuperando ainda — conta Edla Mirelly, aluna de 16 anos da Escola de Referência em Ensino Médio Sizenando Silveira, em Recife, que agora tem partes das atividades de forma presencial.

Mizne explica que há um tripé de ações que são fundamentais para este momento: ter boa comunicação com as famílias para trazer as crianças de volta para a escola, garantir um acolhimento carinhoso aos professores e alunos depois de um período coletivamente traumático e, depois, realizar um bom processo de avaliação dos alunos.

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— É preciso saber como cada aluno volta. Alguns conseguiram estudar, outros tiveram ajuda dos pais, outros não tiveram nada. Tem que saber como está cada um para a escola poder saber o que precisa fazer — diz.

Mudanças estruturais

O especialista defende ainda que algumas medidas estruturais sejam agilizadas por conta do contexto de emergência. Na avaliação de Mizne, a parte da União do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fudenb), que vai crescer até 2026, poderia ser antecipada. Além disso, a ampliação do ensino integral (cerca de sete horas de estudo diário na escola) também deveria ser prioridade neste momento.

— Só o Brasil que chama sete horas na escola de educação integral. Esse é o normal nos outros países. Proponho que a gente passe a chamar essa quantidade de tempo de escola e o restante ( que dão entre quatro e cinco horas diárias de aula ) de meia-escola — diz.

Professor da Universidade de Columbia, em Nova York, e coordenador do grupo Ciências da Aprendizagem Brasil, Paulo Blikstein afirma que esse é uma oportunidade para adotar medidas que já deveriam ser realidade no país, como a ampliação da carga horária diária, defendida por Mizne. Além disso, ele afirma que é preciso buscar soluções criativas para transformar a escola num modelo mais atrativo para os estudantes.

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— Não é só dar mais aula. É preciso pensar essa recuperação buscando um jeito de conectar o aluno com a comunidade em que ele vive. Em vez de uma aula expositiva, pode ser um projeto de investigação, uma pesquisa para resolver um problema, um desafio — afirma. — Essa é uma escola mais significativa para os alunos, mas conectada, em vez de ser sempre mais do mesmo.

O especialista também defende a montagem de escolas de campanha — assim como foi necessária a construção de hospitais provisórios — para tratar de todos os estudantes que precisam.

— Talvez seja preciso ter espaços alternativos para os alunos seguirem por mais tempo na escola. É preciso entender que esse processo de recuperação vai custar recursos. É preciso expandir a oferta, criar infraestrutura adequada, contratar mais professores, e acompanhar o desenvolvimento dos alunos. Se for levado a sério, é um esforço que leva de dois a três anos — diz.

Conectividade

Os especialistas apontam ainda que a pandemia revelou ser mais do que urgente a necessidade de conectar alunos e escolas das redes públicas. Segundo Mizne, uma excelente oportunidade será o leilão do 5G, que vai escolher a empresa responsável por implementar a tecnologia — uma conexão de internet móvel mais rápida, ágil e econômica do que a atual — no país.

— Este é o maior salto tecnológico que o país vai dar em anos e o governo pode muito bem colocar a conexão das escolas públicas como uma contrapartida do leilão. Mas há resistências do governo que ninguém consegue explicar o porquê — diz o diretor executivo da Fundação Lemann.

*Colaborou Gabriela Monteiro, estagiária sob orientação de Emiliano Urbim