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Brasil perde matrículas de educação integral, estratégia essencial para recuperar aprendizagem no pós-pandemia

Queda em 2020, em relação a 2015, é de 31%, aponta Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021, publicação lançanda nesta terça pelo Todos Pela Educação
Rede estadual de Pernambuco é referência em educação integral no país Foto: Divulgação/Governo de Pernambuco
Rede estadual de Pernambuco é referência em educação integral no país Foto: Divulgação/Governo de Pernambuco

RIO - Estratégia essencial para a recuperação de aprendizagem perdida na pandemia, o tempo integral (quando os alunos ficam pelo menos sete horas diárias na escola) tem diminuído no Brasil. A queda vai na direção contrária do que determina o Plano Nacional de Educação (PNE), lei que prevê como uma das metas o país ter 25% das matrículas nesse modelo a partir de 2024.

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Em 2020, porém, o país teve 12,9% de matrículas na educação básica com pelo menos sete horas de aulas diárias, modelo considerado padrão nos países com educação de ponta. Em números absolutos, são 31% menos alunos no tempo integral do que em 2015.

Os dados são do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021, publicação de monitoramento lançada nesta terça-feira pelo Todos Pela Educação, em parceria com a Editora Moderna, lançado ontem, que acompanha todas as etapas, modalidades e especificidades da educação brasileira, da educação infantil à pós-graduação.

Ainda de acordo com a publicação, a diminuição do número de matrículas está concentrada no ensino fundamental. Desde 2015, a etapa perdeu 63% de alunos estudando mais de sete horas por dia entre o 1º e 5º ano e 55% entre o 6º e o 9º ano. Já a educação infantil cresceu 13% e no ensino médio a taxa dobrou, atingindo 103%.

— Isso aconteceu por conta do encolhimento do Mais Educação (programa do governo federal que ajudava a pagar uma parte dos custos do modelo integral) e da priorização do ensino médio nos últimos anos — diz Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação.

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Referência em tempo integral no Brasil, a rede estadual de Pernambuco, no ensino médio, chegou a 54% das matrículas nesse modelo, segundo dados do Anuário, e passará a 70% em 2022. Com alunos mais tempo na escola, conseguiu construir estratégias para atingir, entre as redes estaduais do país, o terceiro melhor Ideb do país, a menor distância de aprendizagem entre alunos de alto e baixo nível socioeconômico e as menores taxas de evasão.

— Mas não basta só ter tempo. Indiscutivelmente, a ampliação da jornada contribui para a aprendizagem dos estudantes. Mas é preciso ampliar o olhar e garantir uma formação integral dos jovens, trazendo o aluno e o projeto de vida dele para o centro das práticas educativas — afirma Maria Medeiros, secretária-executiva de Educação Integral e Profissional de Pernambuco.

A rede estadual da Paraíba também se destacou e passou de 34%, em 2019, para 45,9% a proporção de matrículas em tempo integral.

— O Ideb da rede é de 3.6 (2019, último dado disponível), mas nossas escolas integrais batemos a meta acima de 4,2. Isso mostra um modelo muito forte do ponto de vista pedagógico — afirma o secretário estadual de Educação da Paraíba, Cláudio Furtado. — Em cidades pequenas tiveram reações da comunidade porque o filho tinha que ficar os dois expedientes e não poderia trabalhar, mas depois que a gente implementava a escola, trazia a comunidade e a família para defender o modelo.

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Na avaliação de Priscila Cruz, o avanço das matrículas em tempo integral já era uma estratégia fundamental para melhorar a qualidade da Educação antes da Covid-19, e se torna imperativa para que a recuperação da aprendizagem perdida na pandemia.

Baixo investimento

O Anuário aponta ainda que as despesas empenhadas pelos governos estaduais em educação caíram 9% de 2019 para 2020, em termos reais, uma diminuição de R$ 11,4 bilhões, e dos municípios foi de 6%, o equivalente a R$ 10,4 bilhões.

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Segundo Priscila Cruz, houve redução de gastos com luz, água, manutenções, transporte e até merenda. No entanto, deveriam ter usado essa verba em outras áreas, como a conectividade dos alunos para garantir um ensino remoto com mais qualidade e a estruturação das escolas para um retorno mais rápido às aulas presenciais.

— Um dos grandes erros do Brasil na pandemia foi pensar que poderia dar uma pausa na educação e voltar depois, investindo os recursos e os esforços em outras áreas, como se a preparação das escolas não fosse emergencial — avalia Cruz.

O Brasil viveu, durante o ensino remoto, um longo período de aprendizado à distância apoiado em materiais impressos e lições por WhatsApp. Durante esse período, mesmo quem tinha acesso a bons equipamentos e conexões, a menor parte dos alunos das redes públicas, teve problemas.

Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann, avalia que a ampliação do ensino integral (cerca de sete horas de estudo diário na escola) deveria ser prioridade neste momento.

— Só o Brasil que chama sete horas na escola de educação integral. Esse é o normal nos outros países. Proponho que a gente passe a chamar essa quantidade de tempo de escola e o restante ( que dão entre quatro e cinco horas diárias de aula ) de meia-escola — diz.

Professor da Universidade de Columbia, em Nova York, e coordenador do grupo Ciências da Aprendizagem Brasil, Paulo Blikstein afirma que esse é uma oportunidade para adotar medidas que já deveriam ser realidade no país, como a ampliação da carga horária diária, defendida por Mizne. Além disso, ele afirma que é preciso buscar soluções criativas para transformar a escola num modelo mais atrativo para os estudantes.

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— Não é só dar mais aula. É preciso pensar essa recuperação buscando um jeito de conectar o aluno com a comunidade em que ele vive. Em vez de uma aula expositiva, pode ser um projeto de investigação, uma pesquisa para resolver um problema, um desafio — afirma. — Essa é uma escola mais significativa para os alunos, mas conectada, em vez de ser sempre mais do mesmo.