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‘Brasil não tem histórico de ações efetivas contra o analfabetismo’, diz especialista

Segundo dados divulgados pelo IBGE, 11, 8 milhões de pessoas no país são analfabetos
Novo decreto institui no Brasil a Política Nacional de Alfabetização (PNA) Foto: Dione Afonso / Dione Afonso/ Agência O Globo
Novo decreto institui no Brasil a Política Nacional de Alfabetização (PNA) Foto: Dione Afonso / Dione Afonso/ Agência O Globo

RIO — De acordo com especialistas, o Brasil não tem políticas ou ações efetivas de combate ao analfabetismo de jovens e adultos. Além dessa lacuna ser histórica, eles indicam que é preciso vontade política para diminuir as disparidades educacionais entre as regiões do país — a taxa de analfabetismo é de 14,8% no Nordeste, enquanto no Sudeste é de 3,8%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados nesta quinta-feira. Segundo o levantamento, o Brasil ainda tem 11,8 milhões de analfabetos, o que corresponde a 7,2% da população de 15 anos ou mais. Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) e se referem ao ano de 2016.

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Segundo o IBGE, não é possível comparar o percentual da Pnad Contínua com o dado divulgado pela Pnad do ano passado, já que as metodologias das pesquisas são diferentes, o que pode gerar distorções. Esta é a primeira edição da Pnad Contínua para o suplemento de Educação. Por outro lado, a taxa indica que o Brasil não conseguiu alcançar uma das metas intermediárias estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) que determinava a redução do analfabetismo a 6,5% até 2015.

O conceito de analfabetismo que o IBGE utiliza é o de pessoas que não sabem ler e escrever pelo menos um bilhete simples.

CONSTITUIÇÃO DE 1988 INDICAVA DEZ ANOS PARA ERRADICAÇÃO DO ANALFABETISMO

De acordo com Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o número de analfabetos no país é altíssimo. Ele ressalta que a Constituição de 1988 institui que, em dez anos a partir de sua promulgação, o analfabetismo teria de ser erradicado. Quase 30 anos depois, essa ação não acontece de forma clara, diz o educador.

- A redução tem ocorrido por falecimento da população idosa. Isso mostra que os governos têm tratado o assunto e sua população de maneira irresponsável ao não possibilitar um dos direitos mais básicos, que é o da alfabetização. As esferas municipais, estaduais e federal não realizaram nenhum esforço concreto para erradicar o analfabetismo - declara Cara, que acrescenta que, em termos de América Latina, o Brasil está bem atrás de seus vizinhos. - Não é possível que o país mais rico deste continente seja incapaz de realizar esse preceito básico da educação.

Como explicou o IBGE, uma análise do índice de analfabetismo indica que uma explicação importante diz respeito à idade mais elevada da população brasileira.

- É preciso levar em consideração a análise por grupos de idade. Essas pessoas estão, principalmente, concentradas entre os que têm 60 anos ou mais. O indicador para elas ultrapassa os 20%. É uma questão não só da educação atual, mas estrutural de educação histórica do país - destaca a pesquisadora de IBGE Helena Oliveira, que ressalta que, em 2024, o PNE estabeleceu a erradicação total do analfabetismo. - Então deve ser feito um esforço para que essa meta seja alcançada.

Sobre a população com idade mais avançada, adultos e idosos, Daniel Cara ressalta que a alfabetização é um direito tão fundamental como à alimentação.

- Sem ser alfabetizado, não se consegue ter capacidade de enfrentar desafios da vida contemporânea. Só se é emancipado, um preceito constitucional, com alfabetização - afirma o educador.

Os dados mostram que, se entre a população de 15 anos ou mais a taxa de analfabetismo é de 7,2%, na faixa etária de 60 anos ou mais esse índice é quase três vezes maior e alcança 20,4%. Há diferenças também entre as regiões do país. O Nordeste é a área com maior taxa de analfabetismo de todo Brasil: 14,8%. O menor índice é registrado na região Sul, que apresenta percentual de analfabetismo de 3,6%.

A grande diferença regional, para Daniel Cara, reflete uma concentração de receitas nos estados do Sul e Sudeste, o que determinaria a abrangência das politicas públicas. É preciso vontade política, ele acredita.

- Existe um cinismo com relação às desigualdades no Brasil. Temos um desafio no país que é conseguir equilibrar as oportunidades educacionais. Não é possível que um país como a Venezuela, com tantas questões socioeconômicas, seja reconhecida pela Unesco como livre de analfabetismo e o Brasil não.

DESAFIOS PARA EVITAR A EVASÃO

Para Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos pela Educação, é preciso levar em conta também o analfabetismo presente no ensino fundamental.

- O Brasil não tem histórico de ações efetivas contra o analfabetismo de jovens e adultos. É preciso acabar com o estoque de jovens e adultos analfabetos, mas deve se fechar a torneira do analfabetismo entre as crianças. Mais da metade delas está num período da vida em que já deveriam estar alfabetizadas e não estão.

Ela chama atenção ainda para outra questão levantada pelos dados do IBGE: o alto número de jovens fora da escola. Segundo Priscila, o Brasil não teve, nos últimos anos, nenhuma política forte para combater esses indicadores. São 24, 8 milhões de pessoas de 14 a 29 anos que não frequentavam a escola e não haviam passado por todo ciclo educacional até a conclusão do ensino superior em 2016, indicou o IBGE. Por outro lado, para as pessoas de 6 a 14 anos, as taxas de escolarização chegaram a 99, 2%.

- O problema da evasão no Ensino Médio não é a falta de escola, ou de política de vagas. O jovem esteve na escola, mas saiu dela e não voltou - aponta Priscila, chamando atenção para a necessidade de ações nas escolas que evitem a evasão.

A Pnad Contínua aponta que o motivo principal para o afastamento das salas de aula foi o trabalho, citado por 41% dos jovens. A segunda causa evidencia um dos principais desafios da educação brasileira: a atratividade. Segundo os dados divulgados, 19,7% das pessoas não estão no sistema educacional por falta de interesse.

As causas de afastamento da escola também variam de acordo com o gênero. Nesse sentido, estereótipos históricos são retratados. Enquanto apenas 0,8% dos homens dizem não estar estudando por causa da necessidade de cuidar dos afazeres domésticos ou de outras pessoas, essa taxa sobe para 26%, em relação às mulheres. Essa, aliás, é a segunda maior causa apontada pelas mulheres para não estarem tocando os estudos. A principal causa apontada por 30,5% são fatos relacionados ao trabalho. Em relação aos homens, 50,5% citaram situações relacionadas ao trabalho como motivação.

- A gente vê a ponta do iceberg: as meninas ajudando a cuidar da casa, muitas delas grávidas, os jovens indo trabalhar — afirma Priscila. — Mas, enterrado ali, tem a pobreza, a frequência em uma escola onde ele acha que não aprendeu. Além disso, muitos saem da escola se têm um histórico de repetências. Também existe a visão de que o Ensino Médio é uma etapa da qual é possível sair e voltar em um momento supostamente melhor, como após uma gravidez precoce ou um trabalho temporário. Mas a maioria não volta.