Brasil

Brasil está entre os três melhores do mundo em educação profissional

Apesar do destaque na olimpíada mundial de ensino técnico, que aconteceu em Kazan, na Rússia, modelo ainda não deslanchou no país, segundo especialistas
Brasil na WorldSkills 2019. Presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, participa de jantar junto com os competidores.\rKazan, Russia 20.08.2019 - Foto: José Paulo Lacerda
Brasil na WorldSkills 2019. Presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, participa de jantar junto com os competidores.\rKazan, Russia 20.08.2019 - Foto: José Paulo Lacerda

KAZAN, Rússia — O Brasil é um dos três melhores países do mundo em educação profissional. A equipe brasileira ficou em terceiro lugar na olimpíada mundial de ensino técnico , que aconteceu na última semana em Kazan, na Rússia. Os anfitriões ocuparam o segundo lugar. A China ficou em primeiro.

No total, 63 países e regiões participaram da disputa. O ranking da 45ª WorldSkills foi divulgado nesta quarta-feira, mas, apesar do resultado, especialistas afirmam que o Brasil ainda não conseguiu sedimentar uma política pública robusta de incentivo à modalidade.

De acordo com eles, os governos não desenvolveram iniciativas perenes para reproduzir em larga escala o modelo de excelência que apresenta nas disputas internacionais. A última Pnad Contínua ilustra bem essa afirmação: dos 9,3 milhões de jovens matriculados no ensino médio em 2018, só 6,2% frequentavam algum curso técnico. Dados do Ministério da Educação (MEC) mostram 8%.

Nesta edição do mundial de profissões, o Brasil levou 63 competidores, alunos do Senai e do Senac, para disputar medalhas. O país somou 39,7 mil pontos a partir da conquista de duas medalhas de ouro, cinco de prata, seis de bronze e 28 certificados de excelência internacional.

Em julho, o MEC anunciou a intenção de aumentar em até 30% a taxa de alunos no ensino técnico, mas não deu detalhes de como isso será feito. Durante a WorldSkills em Kazan, a ausência de membros do governo brasileiro, no entanto, deu outro recado. Mais de quarenta países tiveram representantes da gestão local na competição. O presidente russo Vladimir Putin participou da cerimônia oficial de encerramento na Arena Kazan.

— Falta interesse na agenda de política pública. Não houve ainda um governo que abraçou a longo prazo a agenda da educação profissional. Tivemos o pico do Pronatec, mas apenas por cerca de dois anos e meio. Uma agenda educacional é geracional. Não se coloca um programa de pé e depois tira o recurso — analisa Rafael Lucchesi, do Conselho Nacional de Educação (CNE) e diretor-geral do Senai, que foi um dos delegados do Brasil na cúpula da competição.

A ida da delegação brasileira ao mundial foi financiada pela Confederação Nacional das Indústrias, diferente do que ocorre em grande parte dos países competidores, incentivados por seus governos.

'Educação profissional negligenciada'

Durante a olimpíada, os estudantes são avaliados a partir de parâmetros internacionais de qualidade e a obtenção de medalhas ou certificados de excelência significa que esses jovens estão entre os melhores do mundo na atividade que desempenham.

Nesta edição, o Brasil se destacou em áreas como Desenho mecânico, Tornearia, Mecatrônica, Computação em Nuvem, Segurança cibernética, Tecnologia da Moda, entre outras. O país obteve nível de excelência em 73% das ocupações disputadas.

— A educação profissional no Brasil foi negligenciada ao longo dos anos. Alguns modelos no mundo aproximam o que é feito na escola do mundo do trabalho. No Brasil parece que isso é vergonhoso. Do ponto de vista da política pública, o Brasil ignora esse tema — opinou a deputada Dorinha Rezende (DEM-TO), membro titular da Comissão de Educação da Câmara, que foi à competição na Rússia.

O terreno para tornar a excelência desses estudantes uma regra no país, no entanto, não é fácil. Além do desenvolvimento de novas políticas de incentivo para área, é preciso garantir uma implementação eficaz da reforma do ensino médio em todo país, o que se torna um desafio sobretudo em um contexto de contingenciamento de verbas no MEC.

— A reforma do ensino médio é uma grande oportunidade, porque incorpora no itinerário cinco a educação profissional. O grande desafio será como implementá-la. A educação profissional tem que andar sempre na fronteira tecnológica e, além disso, deve se mover nos vínculos econômicos de espaço e território. Ou seja, identificar as vocações de cada região.

A lei da reforma, de 2017, prevê que o ensino médio ofereça itinerários formativos relacionados às quatro áreas do conhecimento (Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens e Matemática) e à educação profissional. A implementação da mudança pode aumentar o número de matrículas no ensino técnico. Até o momento, no entanto, a reforma caminha a passos lentos. Em julho, o MEC anunciou que liberaria até o fim do ano R$ 230 milhões para retomar projetos na área.

Novo presidente da organização WorldSkills, Jos de Goey, afirmou que a valorização da educação profissional tem se tornado uma tendência mundial. Ele defende que o tema é fundamental para promover o desenvolvimento dos países em diferentes âmbitos:

— Se um país não investe suficientemente em educação profissional, perde força de trabalho necessária para apoiar o crescimento da indústria. Além disso, a educação profissional pode trazer soluções para situações socioeconômicas.

O GLOBO questionou o MEC sobre a falta de envolvimento da pasta com a olimpíada mundial do ensino técnico e sobre seus planos para a área, mas até o momento não obteve resposta.

Faltou combinar com os Russos

Referência na educação técnica mundial, o Brasil treinou parte dos competidores russos para a 45ª WorldSkills, e acabou sendo superado pelos aprendizes. A equipe da Rússia ficou com 400 pontos à frente dos brasileiros.

Antes da competição, estudantes russos das áreas de Movelaria, Tecnologia de Mídia Impressa, Marcenaria, Manutenção industrial, Modelagem de Protótipos e Manutenção de Aeronaves foram treinados durante um mês pelo Senai no Brasil.

Apesar do renome da instituição brasileira na educação profissional, a parceria vai além do motivo meramente educacional. Segundo um dos "experts" da Rússia -  pessoas com carreira consolidada na área e que atuam como avaliadores WorldSkills -, a iniciativa de ter contratado brasileiros para treinar os estudantes da Rússia teve foi motivado pelo fortalecimento das relações entre os dois países.

— Os competidores brasileiros têm bons resultados. Além disso fazemos parte dos BRICS e isso incentiva essa comunicação. O treinamento foi muito útil. Meus competidores disseram que não tinham tido um treinamento tão bom em casa quanto no Brasil - afirmou Norair Khachaturian, que avaliou a área de manutenção de aeronaves.

*A repórter viajou a convite da WorldSkills Foundation