Brasil em Constituição

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Por Jornal Nacional


‘Brasil em Constituição’: os avanços na educação e proteção das crianças

‘Brasil em Constituição’: os avanços na educação e proteção das crianças

A série "Brasil em Constituição" mostra nesta sexta-feira (16) como a Carta promulgada em 1988 foi um marco para a educação e a proteção das crianças brasileiras.

Houve um tempo no Brasil em que as crianças não tinham voz nem vez. Muitas não tinham acesso à escola e algumas eram submetidas até a trabalho cruel. Mas a Constituição de 1988 virou algumas páginas tristes da nossa história; mudou a forma de enxergar meninas e meninos.

“Se tem um artigo que é para emoldurar e colocar na parede é o 227", afirma Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação.

Esse artigo diz: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

O artigo 227 colocou a criança e o adolescente na condição de cidadãos e estabeleceu que eles são prioridade.

"A Constituição foi um trampolim para gente dar um salto nesse terreno em que a gente estava muito atrasado", aponta o professor Vital Didonet, ex-presidente da Comissão Criança e Constituinte.

“A gente, ouve até hoje: ‘ah, quando eu estava na escola pública era de qualidade, a gente tinha bons professores, a escola era linda’. Essa frase é uma falácia, porque essa escola atingia um contingente muito pequeno das crianças e jovens do Brasil”, critica Priscila.

"Para a criança de rua, escola de rua; e escola de rua não tem parede, não tem lousa, nem carteira. Aqui na Vila Pompeia, Zona Oeste de São Paulo, por exemplo, a sala de aula das crianças de rua fica nessa pracinha barulhenta, ao lado de duas avenidas bem movimentadas”, diz trecho de uma reportagem de 1987.

“O desespero da mãe na fila de matrícula mostra bem a dificuldade de conseguir uma vaga na escola pública", afirma outro trecho da matéria.

Graziela Azevedo: Faltava escola para todo mundo? Como que era?
Risalvo Novaes de Sousa, professor: Faltava escola. Lembro que minha mãe pegou filas quilométricas para fazer minha matrícula na escola. Eu aprendi com os meus professores e reproduzi esse conhecimento para as crianças que não conseguiam vaga na escola.

"Risalvo Souza surpreendeu o Brasil com uma ideia ambiciosa. Criou uma escolinha improvisada no fundo no quintal de casa e virou professor de 60 meninos e meninas pobres de Petrolina. Michelle, agora com 7 anos, já sabe ler”, exaltou reportagem de 1995.

Risalvo: O que eu quero alcançar é ser professor mesmo e poder ajudar a quem precisa.
Repórter: Você acha que vai ensinar muita gente ainda?
Risalvo: Acho que sim, no futuro.

“Uau! É poder acreditar que a educação transforma, porque ela me transformou”, emociona-se Rivaldo ao rever entrevista.

“Não é justo que a criança pobre tenha que fazer tanto esforço para poder ter educação de qualidade”, lamenta Priscila.

Menos sacrifício e mais direitos: na Constituinte, as crianças encontraram o lugar que ainda não tinham conquistado na sociedade.

“Quando as crianças subiam a rampa do Congresso Nacional e os constituintes vinham nos receber, criava-se um clima de interação que eu diria que é magico", relembra Didonet.

“Foi com esta colorida manifestação no Salão Negro do Congresso Nacional que as crianças comemoraram o Dia Nacional da Criança na Constituinte. Elas marcaram paredes e muitos paletós com o adesivo da campanha. E Mateus, o caçula da turma, pediu apoio aos direitos das crianças”, noticiou o Jornal Nacional em 1987.

Graziela: Quem era o Mateus e o que ele falou ali, professor?
Didonet: Ele disse assim: ‘Defendei os direitos das tianças'. O Mateus era meu filho, mas ele estava com uma centena de outras crianças. A presença dele aí não foi só simbólica para mim, que estava coordenando a Comissão Nacional Criança e Constituinte, mas representativa de que a criança sabe o que ela está pedindo, ela está antenada nas coisas.

Repórter: Na placa de asfalto, as reivindicações dos 7 milhões de menores abandonados do Brasil.
André: O asfalto é porque significa o lugar onde as crianças que não tem casa dormem, e um lugar para dormir significa ele.
Repórter: Você acredita que a Constituição vai melhorar a vida de vocês?
André: Se o coração do Ulysses for mole, né? Se tiver um coração mole...
Ulysses Guimarães: Eu vou levar essa placa como uma lembrança constante e vou fazer um esforço, todo o esforço, para que façamos o melhor diante da Constituição".
Repórter: André, você está satisfeito?
André: Estou.
Repórter: Você acha que ele tem coração mole?
André: Agora estou vendo que tem, né?

A batalha para escrever um dos mais bonitos e completos artigos da Constituição foi até o último minuto e contou com um pedido do relator da Constituinte.

“O Bernardo Cabral já estava com o texto quase pronto para apresentar. Fomos lá falar com ele: 'Olha, Bernardo, a sociedade não está satisfeita'. ‘É, mas eu não posso colocar tudo isso que vocês pedem’. Eu digo: 'Mas não se trata de tudo, trata-se do essencial'. ‘Então, sentem aqui e escrevam o que que vocês querem’. Aí nos entregou lá uma cadeira - puxamos mais outra, porque éramos dois -, eu sentei na máquina e ensaiamos uma redação. Artigo 227: é dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação”, conta o professor Didonet.

A juventude também entrou em cena. “Não tem sentido as verbas públicas serem desviadas para as escolas particulares, a partir do momento que as escolas particulares têm acesso a verbas particulares, produzida por elas próprias”, protestou a estudante Ana Beatriz em entrevista em 1987.

“Eu estava começando na universidade, no centro acadêmico, e a gente tinha uma série de caravanas nacionais que iam ao Congresso pressionar pelo capítulo da Educação. E esse era um ponto muito importante, que era: verba pública para a universidade pública, verba pública para escola pública”, lembra a jornalista Ana Beatriz Magno.

A Constituição de 1988 colocou a infância brasileira em um outro patamar e inseriu o principal meio de inclusão e de ascensão social, a educação, como um direito fundamental. Diz o artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade".

Esse texto assegurou o direito de acesso à escola a todos os brasileiros. O artigo 206 detalha como o ensino será ministrado: "com liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.

A Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 garantiu princípios importantes como a educação básica obrigatória e gratuita.

“Em um país de 30,4 milhões de analfabetos, afrontosos 25% da população, cabe advertir: a cidadania começa com o alfabeto”, afirmou o deputado Ulysses Guimarães durante sessão no Congresso.

O Brasil da infância sem escola começava a ficar para trás. “Em 1990, por exemplo, 80% das crianças estavam matriculadas. Já em 2017, mais de 95% das crianças e adolescentes frequentavam as escolas”, informa reportagem de 2017.

“Isso é o bastante, é tudo o que a gente deveria fazer? Claro que não”, afirma Priscila.

As crianças e jovens que participaram da grande mobilização pela infância e a educação, sem dúvida, ajudaram a colorir um novo tempo. Mas o desenho de futuro imaginado na Constituição de 88 não está completo. Se a inclusão foi a grande batalha do passado, agora é o investimento em qualidade que precisa sair do papel e chegar para todos.

"A pandemia aprofundou ainda mais uma vez a desigualdade entre os brasileiros em relação à educação", ressaltou reportagem do Jornal Nacional em 2021.

“O maior problema, a meu ver, no Brasil hoje é educação básica e que, nos últimos tempos, tem sido largamente negligenciada. Portanto, não alfabetização da criança na idade certa; evasão escolar no ensino médio; déficit de aprendizado, porque a criança termina o ensino fundamental e o ensino médio e não aprendeu o que tinha que aprender; e a falta de atratividade da carreira de professor. Agora, quem acha que o problema da educação no Brasil é identidade de gênero, escola sem partido ou saber se 64 foi golpe ou não foi o golpe, está assustado com a assombração errada. Está atrasando o país”, acredita o ministro do STF Luís Roberto Barroso.

Para mim, um dos piores atos de corrupção, e que deveria ser crime hediondo, é desviar recursos da Educação, porque a um só tempo nós estamos prejudicando o presente, o futuro e o futuro remoto. E nós estamos retirando das pessoas individualmente, da coletividade como um todo e das gerações futuras”, aponta o ministro do STJ Herman Benjamin.

A batalha do menino professor não foi fácil. A escolinha no quintal da casa em Petrolina, no interior de Pernambuco, é só lembrança, já não existe.

“A lousa era aqui, eu colocava as cadeiras azuis viradas para cá, tinha uma estante aqui... Voltar a este lugar é ressignificar a minha história e da onde eu vim. Desse lugar, dessa terra”, diz Risalvo, com lágrimas nos olhos.

Como pelo Brasil afora, as crianças da região frequentam escolas públicas, mas Risalvo segue na luta pela educação.

“Uma coisa que eu martelo sempre para as crianças é que a vida é bela, mas não é fácil. A educação é a possibilidade de transformar essa dureza para realização dos nossos sonhos. Eu sou feliz como professor", afirma.

A Constituição de 1988 deu régua e compasso, mas o futuro tem que ser traçado por todos.

“Logo após a promulgação da Constituição de 88, nós tivemos a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que também é uma lei muito avançada para sua época. Mas basta nós andarmos na rua, obviamente, para sabermos que ainda existe muito a ser feito”, explica o professor de Direito Constitucional da USP Virgilio Afonso da Silva.

“A gente tem uma serie de políticas que deveriam ser a grande obsessão da gestão pública - de todos os ministros da Educação, do presidente da República -, que é acordar e dormir preocupados e fazendo a sua parte para que a educação seja para todos, seja de qualidade, seja o dia inteiro. Para que a gente consiga cumprir esses preceitos constitucionais”, aponta Priscila.

A realidade brasileira, nua e crua, ainda difere muito daquela descrita na Constituição. Mas o Brasil só pode persistir no sonho de alcançá-la porque esse sonho faz parte da lei maior do país.

“A Constituição, ela é um tesouro. Um tesouro para a nossa democracia. Tudo o que a gente precisa para transformar, aqui tem”, opina Risalvo.

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