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Brasil completa 1 ano de reabertura de escolas com diagnóstico precário

Cenário sobre queda de aprendizado e saúde mental de alunos é parcial; Folha lança documentário sobre educação na pandemia

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Brasília

O Brasil completa neste mês um ano do início da reabertura das escolas públicas com um diagnóstico ainda prejudicado da educação. O país foi um dos recordistas em tempo de unidades de ensino fechadas na pandemia de Covid-19.

Alguns estudos indicaram prejuízos no aprendizado, na manutenção das matrículas e na saúde emocional de alunos e professores. Mas ainda é parcial o cenário dos desafios, o que dificulta a tomada de decisões, segundo especialistas.

O período sem aulas presenciais, iniciado em março de 2020, foi marcado pela resposta desigual na oferta do ensino remoto. Isso foi reflexo da falta de coordenação do MEC (Ministério da Educação) do governo Jair Bolsonaro (PL) e da ausência de apoio federal a prefeituras e estados.

Centro de Ensino Fundamental Queima Lençol, na zona rural da Fercal, região do Distrito Federal - Pedro Ladeira/Folhapress

O MEC —que foi procurado, mas não respondeu— também não criou um plano de monitoramento de aprendizado dentro da pandemia. A decisão foi manter a aplicação, já prevista, da avaliação da educação básica, o Saeb, só no fim de 2021.

No entanto, o governo não conseguiu uma participação ampla dos alunos, o que pode resultar em uma divulgação esvaziada, segundo relatos feitos à Folha por técnicos do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Poucos estados atingiram o percentual mínimo de presença nas provas para que, segundo as regras atuais, haja divulgação e cálculo do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

A expectativa de divulgação é para setembro, mas, até agora, há indefinição sobre possíveis mudanças nas regras de participação mínima (hoje em 80%) e até mesmo se teremos divulgação do Ideb por escola.

Só com essa divulgação o país terá informações oficiais sobre abandono de alunos, por exemplo. O Inep não respondeu à reportagem.

A última edição com dados disponíveis é a de 2019 —em 2020, a avaliação não foi aplicada.

Outra decisão federal que atravancou um diagnóstico mais seguro foi a decisão do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de não divulgar resultados para o tema da educação relacionados à PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2020 e 2021. O motivo, segundo o órgão divulgou em julho, foi a dificuldade de coleta.

Levantamento da Folha com as secretarias estaduais de Educação mostra que somente dez estados realizaram avaliações de larga escala. Das 27 unidades da Federação, seis não responderam.

Os 38 milhões de alunos de escolas públicas enfrentaram 287 dias de escolas fechadas entre 2020 e 2021, segundo o Inep. A média equivale a quase um ano letivo e meio.

O ensino remoto esbarrou em problemas estruturais, como a falta de conectividade. Com a escola fechada, a rotina da estudante Ana Júlia, 12, e sua mãe, a monitora Juliane Ferreira, 32, passou a incluir a subida de um morro à beira da estrada, na zona rural de Brasília.

Só lá no alto é que havia sinal de internet para acessar a plataforma da secretaria de Educação.

O dia a dia da família Ferreira, assim como a de outros estudantes e educadores da capital federal, integram o documentário "Desconectados", longa-metragem que a Folha lança neste mês. A pré-estreia será no Espaço Itaú de Cinema nos dias 22, em São Paulo, e 24, em Brasília.

O documentário tem parceria com o Instituto República e retrata o percurso entre o fechamento e o retorno à escola. Na tela, as adversidades enfrentadas por alunos, o drama do abandono, consequências emocionais e a persistência de pais e educadores. Uma realidade cujos efeitos ainda se prenunciam.

​A diretora da escola Queima Lençol, localizada na zona rural de Brasília (DF), Lindonor Maria da Paz, avaliava já no ano passado que a recuperação será longa. "É um trabalho mesmo de formiguinha, todo dia", diz ela.

Mesmo após o retorno presencial, Lindonor teve problemas com falta de transporte e de alimentos. Parte do dia a dia da escola é retratada no longa-metragem.

As dificuldades enfrentadas na pandemia vieram acompanhadas de queda de investimentos. O MEC teve o menor orçamento da educação básica da década em 2020. As reduções também se deram em estados e municípios. No ano passado, 846 cidades não cumpriram o mínimo constitucional de investir 25% das receitas em educação.

Algumas avaliações realizadas recentemente mostraram prejuízo considerável de aprendizado. Os estudantes de ensino médio da rede estadual de São Paulo tiveram em 2021 o menor rendimento em matemática desde 2010.

Outras mensurações partiram de organizações ligadas à educação. Uma avaliação obtida pela Folha, aplicada em 14 redes estaduais, apresenta um grave retrocesso. O Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) calculou o resultado de testes aplicados no fim de 2021 com os resultados do Saeb de 2019.

Os alunos de 5º ano apresentaram uma defasagem equivalente a um ano de escolaridade em matemática, na comparação com 2019. No 9º ano, essa queda foi de pelo menos meio ano na disciplina, segundo o estudo do Iede, em parceria com a empresa Primeira Escolha.

"Os resultados de proficiência não dizem só sobre aprendizagem, mas também sobre outros fatores que influenciaram", diz o diretor fundador do Iede, Ernesto Faria. "O grande choque que a pandemia causa é não termos dados mais precisos para comparar o cenário atual com o passado, especialmente de grupos específicos. Teve choque de participação no Saeb, mas qual grupo não fez? Foram os mais vulneráveis?"

Segundo ele, o Inep deveria "ter um time mobilizado para buscar as respostas possíveis" por meio das avaliações e dados. "Um trabalho que fosse além de soltar médias e microdados."

O movimento Todos pela Educação calculou, com base na PNAD, que houve um aumento, entre 2019 e 2021, de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos de idade que, segundo seus responsáveis, não sabiam ler e escrever.

O retorno presencial ocorreu em agosto de 2021 na maior parte do país, mas de maneira escalonada. A volta às atividades 100% presenciais só ocorreu mais tarde —dos 21 estados que responderam à Folha, em 19 o retorno integral se deu após outubro. Somente Amazonas e Paraná tiveram aulas totalmente presenciais antes de setembro.

O secretário de educação do Paraná, Renato Feder, diz que, apesar das perdas do período, houve ganhos com o incremento tecnológico. A rede teve uma resposta mais robusta no ensino remoto. "Houve benefícios duradouros, a secretaria é outra na área de tecnologia e gestão pedagógica."

As reações após a reabertura também foram desiguais. Apenas 39% dos alunos tinham aulas de reforço após o fim do primeiro semestre, segundo pesquisa Datafolha encomendada pela Fundação Lemann, Itaú Social e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Somente no fim de 2021 o MEC lançou uma plataforma para auxiliar na recuperação. Segundo Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime (que representa os dirigentes municipais de educação), o site começou a ser usado mais sistematicamente pelas prefeituras.

"Ninguém tinha a ilusão que os alunos iam chegar bem na escola, mas foi mais grave do que imaginávamos. Temos enfrentado problemas de ansiedade muito grande, inclusive de professores."

Mais de um terço dos estudantes, segundo a pesquisa Datafolha, estão com dificuldades de controlar suas emoções. Além disso, 18% sentem-se tristes ou deprimidos.

A professora da UNB (Universidade de Brasília) Catarina de Almeida explica que questões como a de aprendizagem e condições de vida dos alunos são interligadas.

"Precisaríamos avaliar como os estudantes estão na perspectiva social, nas de saúde física e psíquica, o nível de vulnerabilidade. E a partir disso saber em qual página do currículo o estudante voltou", diz ela. "Se não sei onde estamos, como vou saber aonde quero e posso chegar?"

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