Antônio Gois
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Antônio Gois

Um espaço para debater educação

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Antônio Gois

Jornalista de educação desde 1996. Autor dos livros 'O Ponto a Que Chegamos'; 'Quatro Décadas de Gestão Educacional no Brasil' e 'Líderes na Escola'.


Os primeiros números do Censo do IBGE indicaram uma desaceleração do crescimento populacional maior do que previsto. Mesmo considerando que a coleta de dados pode ter sido prejudicada, o país já se encaminhava para o fim do bônus demográfico, período em que a estrutura etária é mais favorável ao crescimento econômico, por causa da diminuição do número de crianças num momento — provisório — em que a população idosa inativa ainda não é tão grande. Um editorial do Globo na semana passada lamentou, com razão, que não soubemos aproveitar plenamente esta janela, elevando a produtividade do trabalhador e investindo melhor no ensino. Mas, ao menos no caso da educação, ainda há tempo para aproveitar o bônus.

No século passado, as altas taxas de fecundidade — ao redor de 6 filhos por mulher nos anos 40 a 70 — dificultaram enormemente a tarefa de atender a demanda exponencial por vagas. Foi um período marcado por soluções precárias, como a organização das escolas em três (às vezes quatro!) turnos.

O atraso escolar já cobrava seu preço, pois um dos benefícios que países ricos colheram antes do Brasil foi justamente terem vivenciado primeiro sua transição demográfica. A expansão das matrículas, ao mesmo tempo em que facilitou a qualificação e o ingresso feminino no mercado de trabalho, também contribuiu para uma queda mais rápida da fecundidade. Isso permitiu que o investimento público e privado por criança fosse maior. No livro “A Jornada da Humanidade”, o economista Oded Galor destaca este como um dos principais fatores que permitiram a algumas sociedades escaparem antes da armadilha malthusiana da pobreza.

Continuamos pagando o preço deste atraso, mas os ventos demográficos mudaram. Entre 2002 e 2022, o número de nascimentos registrados no país caiu de 3,4 para 2,7 milhões. Isso (junto com a queda nas taxas de repetência) se refletiu na diminuição das matrículas no primeiro ciclo do ensino fundamental. Eram 19 milhões em 2003 (em quatro séries), e são 14,6 hoje (em cinco anos letivos). Sergei Soares (Ipea) e co-autores, no artigo “Fim de uma era ou e agora, Maria”, estimam que 18% do aumento do investimento público por aluno entre 2000 e 2015 é explicado pela redução da fecundidade. Os outros dois fatores principais foram, pela ordem, o crescimento do PIB e a decisão política de alocar mais recursos no setor.

Há quem diga que esse aumento foi inútil. É uma meia verdade. De fato, há indicadores em que o resultado foi pífio, caso dos níveis de aprendizagem no ensino médio. Mas registramos ganhos de aprendizagem não desprezíveis nos anos iniciais do fundamental, e não podemos descartar o impacto em variáveis além da escola, como os comprovados efeitos positivos da expansão da matrícula e em indicadores como taxas de homicídio de jovens, gravidez precoce não planejada, diminuição da mortalidade infantil, melhoria da renda e empregabilidade, entre outros. Em resumo, foi insatisfatório, mas não em vão.

A queda nos nascimentos continuará jogando a favor da educação, facilitando a melhoria de salários, diminuição de sobrecargas de trabalho, ampliação do ensino integral, entre outros pontos. Mas isso, claro, só se sustenta se o setor educacional for capaz de resistir à pressão por retirada de orçamento e, ao mesmo tempo, melhorar a gestão dos recursos disponíveis.

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