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José Luiz Portella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro, um impacto nas instituições maior do que o imaginado

Jair Bolsonaro, em evento no Palácio do Planalto, em 10 de junho de 2021 - Adriano Machado/Reuters
Jair Bolsonaro, em evento no Palácio do Planalto, em 10 de junho de 2021 Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

12/11/2021 16h10Atualizada em 12/11/2021 18h02

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Bolsonaro está suscitando dois males que poucos estão observando: o desmonte da estrutura e o aparelhamento do governo.

O desmonte via mudanças em órgãos e por passar por cima de várias estruturas, quando lhe interessa atropelar, de modo que elas ficarão à margem. Ociosas ou reprimidas.

O aparelhamento, por conta de uma legislação insana, que dá direito ao presidente, nomear e interferir abusivamente na máquina. Ele está fazendo tudo o que condenou no PT, que também fez o aparelhamento.

Se compararmos o número de cargos que os presidentes do Brasil e EUA têm à disposição, entendemos o que é patrimonialismo que Raymundo Faoro contemplou, e o que é um Estado malformado, baseado em nossos vícios. Nossa cultura, amplo senso. Temos coisas absurdas como concentrar no presidente da Câmara Federal todo o poder de decidir sobre o encaminhamento de um impeachment. Além da concentração de poder, há um estímulo para que o cargo use tal poder para negociar, aumentando o "toma lá, da cá". Concentramos no presidente da Comissão de Justiça todo o poder para marcar data para audiência de um candidato ao STF, damos ao STF direito de manifestações monocráticas em caos graves e amplos. Fazemos exatamente o oposto do que pregamos. Somos uma sociedade hipócrita. Muito.

Bolsonaro é um esperto, que soube sempre aproveitar dessas falhas da estrutura de Estado, e está se deleitando com as brechas. Coisas que não aparecem para a opinião pública.

Recentemente, o desmonte no INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira, que faz o ENEM, e a festa de nomeações em que Bolsonaro pode aparelhar o Judiciário com a nomeação de desembargadores aos magotes, porque houve um aumento de vagas, chamou a atenção do distinto público, contudo há muito mais ocorrendo no escurinho do governo.

Os ministérios da Saúde, Educação estão eivados de vícios, tanto na estrutura, como na ocupação dos cargos, são os dois ministérios mais relevantes para as políticas públicas. O ministério da Economia sufocou o antigo ministério do Planejamento e suas atribuições, a volta vai ser dolorosa e complexa. O ministério de Ciência e Tecnologia está à deriva, pela inabilidade gerencial de Marcos Pontes. Ministério de Desenvolvimento Regional, totalmente aparelhado.

O todo, dado o grau de erosão, vai produzir um choque a partir de 2023.

Já estão comprados, como diz o mercado financeiro, já estão contratados um imenso desajuste no Orçamento de 2023, fruto do que estamos vendo agora e veremos em 2022.

São dezenas de rubricas, talvez contemple centena, que estão totalmente inadequadas, há excessos e carências, não compensadas.

Teremos um choque de procedimentos, com os atores de um novo governo, que, como tudo indica, vai ocorrer. Bolsonaro não deve ganhar a próxima eleição pelo conjunto da obra e o reflexo no eleitorado que votou nele e se arrependeu. Este choque parece comum e simples, mas não é. Quando a transição foi do PSDB para o PT, houve em pequena escala, não havia o choque de princípios como haverá agora, muito maior e mais radical. Isso atrasará todos os projetos em andamento, mesmo os bons.

Haverá uma adequação partidária complicada, com o quadro que forma-se hoje, com mudanças fortes, crescimento de novos partidos e fim da da polarização PSDB/PT e com arranjos eleitorais malucos como o PL abrigar Bolsonaro e apoiar, de papel passado, Doria em São Paulo. Essas incoerências, fruto da miríade de partidos, que o STF de 2006 deixou proliferar, vão se multiplicar as dezenas, causando necessidade de um arranjo de base de apoio para o novo presidente, que terá que negociar com o Centrão bolsonarista de qualquer forma.

Acrescendo a esse somatório, virão os dois problemas enunciados acima que contribuirão bastante para termos um desarranjo em 2023 grande que empurrará pra 2024 o acerto de projetos de reforma que são imprescindíveis.

Sem contar a questão do Teto de Gastos, que Raul Velloso chamou de ingênua, uma política açodada, equivocada e casuísta, que foi mal esboçada e que solicitava ser desrespeitada pelo erro na constituição. Haverá um tempo, e discussões imensas, sobre uma nova âncora fiscal, que o próprio José Roberto Afonso, um dos pais da Responsabilidade Fiscal, sugere hoje em entrevista. Se ele, preocupado com os gastos públicos prega uma mudança de parâmetros, imagine o que vai acontecer no debate.

Como disse, tempestivamente Afonso, o Brasil se viciou em resolver problemas de gestão com leis e PECs. E, agora, se vê uma "legiferância criativa" na solução da PEC dos Precatórios e outras. É o país do pomar de jabuticabeiras. Muitas leis, com pouco cumprimento, e um imediatismo caboclo imenso.

Este tsunami institucional, que está sendo preparado pelas placas tectônicas de Bolsonaro, creio, não está sendo visto na devida dimensão. E vai causar uma corrosão acima do já imaginado.

Bolsonaro e equipe vão conseguir, pelo caminho perverso, o que anunciaram pela viela do liberalismo, e traíram a causa ( deles). Ele vai erodir o Estado, em grande parte. Pelo atalho da destruição.

Depois, a culpa do não funcionamento do governo, recai sobre o Estado e não sobre quem o deteriorou. Um erro contumaz. Estado e mercado precisam estar articulados devidamente e um necessita do outro, nenhum é independente e suficiente sozinho.

JB vai destruir pelos dois lados, assim como toma medidas liberais inadequadas, ele está criando mais de 1600 cargos em comissão na nova estatal, a NAV. Brasil (estatal criada, prestadora de serviços de navegação) E vai preenchê-los todos, sozinho. E outra vagas em outros lugares.

O impacto de Bolsonaro no país, será muito pior.

La NAV vá.