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Política Eleições 2018

Bolsonaro quer ensino a distância na área rural, que tem piores indicadores educacionais

Especialistas alertam que modalidade pode agravar desigualdade sofrida por estudantes do campo
O candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonário Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
O candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonário Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

BRASÍLIA - Além de defender a educação a distância no ensino fundamental, medida criticada por especialistas da área, o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) quer direcionar a modalidade para a zona rural do país, exatamente onde estão os alunos com os piores indicadores de aprendizagem. A intenção está no plano de governo que o atual líder nas pesquisas registrou no Tribunal Superior Eleitoral ( TSE ), e já foi mencionada por ele em entrevistas.

O documento é categórico ao dizer que a educação a distância "deve ser considerada como alternativa para as áreas rurais, onde as grandes distâncias dificultam ou impedem aulas presenciais". Especialistas alertam, porém, que a medida tende a gerar mais atraso e desigualdade para os alunos do campo, ao ser colocada expressamente no programa de governo como substituta da sala de aula tradicional.

A defasagem dos estudantes da zona rural é gritante. Dado tabulados pelo GLOBO a partir dos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2017 mostram que o nível "insuficiente" de conhecimento em língua portuguesa, no 5º ano do fundamental, abrange 62,7% dos alunos do campo, ante 40,8% na cidade. Já com o melhor desempenho, classificado como "adequado", estão 10,6% dos estudantes da zona urbana e apenas 4,6% dos que aprendem em área rural.

Em matemática, o mesmo abismo se repete nos anos iniciais do fundamental. O nível de aprendizado "insuficiente" no campo abrange 55,9% dos alunos do 5º ano, contra 34,7% na área urbana. Com conhecimento "adequado" são 13,3% dos estudantes das cidades, contra somente 6,26% da zona rural nessa etapa escolar.

No fim do ensino fundamental, ao 9º ano, as disparidades diminuem, mas continuam evidenciando uma desvantagem dos alunos de zonas rurais. Nesse grupo, 78,8% não têm conhecimento suficiente em português e 80,2% em matemática; nas cidades, são 64,6% e 68,2% respectivamente.

Os dados se referem à rede pública de ensino. Os níveis de aprendizado (insuficiente, básico e adequado) seguem metodologia do Ministério da Educação (MEC) a partir das notas obtidas pelos alunos no Saeb, que avalia o conhecimento em língua portuguesa e matemática. As provas são aplicadas a alunos do 5º e 9º anos do fundamental e do 3º ano do ensino médio.

Para Lúcia Dellagnelo, diretora-presidente do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb), a educação a distância na zona rural vai piorar dois problemas existentes: o nível de aprendizado dos alunos, já defasado, e o isolamento a que são submetidos pela questão geográfica.

— Essa proposta pode agravar as desigualdades e promover um isolamento ainda maior da criança e do adolescente da zona rural, que vão para a escola também para socializar, conviver com os pares, adquirir outras habilidades — afirma Lúcia, que é mestre e doutora em educação pela Universidade de Harvard (EUA).

Priscila Cruz, presidente-executiva do movimento Todos pela Educação, diz ser contrária a educação a distância em qualquer fase do ensino básico e aponta dificuldades de infraestrutura, como conexão à internet, no caso particular da zona rural. Segundo ela, a modalidade vai na contramão do que está dando certo, que é a jornada de tempo integral na escola, com resultados reconhecidos em estados como Pernambuco e Ceará.

— Há atividades que podem ser feitas a distância, de forma complementar, mas nunca como substituição à escola, como aparece nas falas do candidato — afirma a especialista.

Stavros Xanthophoylos, consultor para a área educacional da campanha de Bolsonaro, rechaça as críticas em relação à educação a distância no ensino fundamental em zonas rurais. Ele disse que o termo é mal interpretado e, embora esteja explicitamente no programa de governo como alternativa a aulas presenciais, não significa "eliminar as escolas", mas sim incluir alunos que estão fora delas em locais distantes.

— Onde não há o espaço da escola, estarei fazendo a integração pelo meio virtual. Onde há, vamos fortalecer com o uso da tecnologia — diz Xanthopoylos.

Segundo ele, a modalidade a distância na educação básica já ocorre há bastante tempo no Brasil em áreas remotas por meio de vídeo-aulas, dando como exemplo o Piauí. Xanthopoylos afirmou não ter detalhes de como seria implantada a modalidade na zona rural, destacando que é preciso ter acesso a dados de infraestrutura do país:

— Não dá para dimensionar de forma imediata, porque há limitações de antena, de comunicação. Claro que tudo tem que ser estudado e não será de imediato, até porque precisamos de conectividade.