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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro e parte da elite foram acostumados a não ver pobres como cidadãos

Jair Bolsonaro em entrevista à Rede Vida - Reprodução
Jair Bolsonaro em entrevista à Rede Vida Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

22/09/2022 15h32

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Jair Bolsonaro tem sido bastante criticado por dizer, nesta quarta (21), que pobres foram acostumados a não aprender uma profissão. E merece, claro. Mas ele externou um pensamento comum a uma parte da elite e da classe média que acredita que resolver o problema dos pobres é inventar profissão para eles.

"Tirar as pessoas da linha da pobreza é um trabalho gigantesco, são pessoas que foram ao longo dos anos acostumadas a não se preocupar, ou o Estado negar uma forma de ela aprender uma profissão", afirmou o presidente em entrevista ao canal Rede Vida.

Eleição após eleição, temos visto candidaturas do PSDB, por exemplo, apontando a criação de escolas técnicas como essa solução. Sem querer desmerecer a sua importância (posso atestá-la, pois fiz o ensino médio em uma e, antes de mim, meu pai também), mas essa mensagem irrita muita gente nas periferias. A impressão é que, ao pobre, o curso técnico, ao rico, a universidade.

Por que o aumento nas vagas em cursos de nível superior público não tem a mesma importância na pauta eleitoral que a criação de ETECs? A resposta talvez compartilhe da mesma percepção que a declaração de Bolsonaro - que diz abertamente o que outros ensaboam para falar.

Para quem é pobre e das periferias, há um orgulho de chegar à universidade, que ainda é vista como uma forma de ampliação dos horizontes e de melhora econômica e social. Pois isso, apesar dos ataques do bolsonarismo à formação de nível superior, apontar que o lugar do pobre também é a universidade tem apelo.

Não à toa, a campanha petista ao governo paulista insiste em falar mais sobre o Haddad ministro da Educação, responsável pela implementação do ProUni e pela expansão da rede federal de universidades, do que do Haddad prefeito de São Paulo, que não conseguiu a reeleição.

Ironicamente, a USP Leste, último grande empreendimento de universidade pública estadual na capital, foi fundada durante o governo do neocamarada Geraldo Alckmin.

A implementação de cotas reduziu a aparência monocromática de universidades públicas estaduais e federais, mas ainda há um longo caminho para a ocupação desses espaços de forma mais democrática. Basta ver a reação violenta de quem teve seus privilégios reduzidos com a medida. E essa ocupação passa, necessariamente, pela abertura de novas vagas.

Mas a declaração de Bolsonaro também precisa ser lida para além dessa análise.

Em sua preconceituosa matriz de interpretação do mundo, o presidente considerou por muitos anos que programas de distribuição de renda eram uma fábrica inútil de produtores de filhos porque é assim que ele e uma parcela do país enxergam os pobres: um grupo interesseiro que, diante da oferta de uns caraminguás, prefere parar de trabalhar e de estudar.

"O Bolsa Família é uma mentira, você não consegue uma pessoa no Nordeste para trabalhar na sua casa. Porque se for trabalhar, perde o Bolsa Família", afirmou em entrevista à Record News, em 2012.

"O cara tem três, quatro, cinco, dez filhos e é problema do Estado, cara. Ele já vai viver de Bolsa Família, não vai fazer nada. Não produz bem, nem serviço. Não produz nada. Não colabora com o PIB, não faz nada. Fez oito filhos, aqueles oito filhos vão ter que creche, escola, depois cota lá na frente. Para ser o que na sociedade? Para não ser nada", disse em entrevista ao documentarista Carlos Juliano Barros, em 2015.

Ah, mas isso é o passado, antes de ele ser presidente - dizem alguns. Então, segura essa:

"Não tem como tirar o Bolsa Família do pessoal, como alguns querem. São 17 milhões de pessoas que não têm como ir mais para o mercado de trabalho. Com todo o respeito, não sabem fazer quase nada", explicou em 27 de outubro do ano passado, em entrevista à TV A Crítica.

"Não sabem fazer quase nada." Essa ideia de que pobre precisa ser tutelado está no DNA do bolsonarismo e de uma parcela da elite.

Pela intenção de voto de quem ganha até dois salários mínimos até aqui, creio que eles discordam do presidente.