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Opinião|Banalização da aprendizagem

É preciso resgatar a aprendizagem profissional, para assegurar a todos os jovens transição definitiva para o mercado de trabalho.

Atualização:

Os jovens, que constituem a parcela da população mais vulnerável ao desemprego, ostentam taxas de desocupação duas a três vezes maiores que a dos demais grupos. A persistência e a gravidade da sua vulnerabilidade têm levado à formulação de políticas para enfrentá-la, mas, infelizmente, até agora, todas sem sucesso. O presente texto examina a atual política, o Programa Jovem Aprendiz, e as modificações recentes introduzidas pelo governo.

Quando criada, nos anos 1940, a aprendizagem era entendida como processo de ensino profissional, para garantir trabalho qualificado à nascente indústria brasileira. Era oferecida como parte do grau educacional correspondente ao atual ensino médio, para formar trabalhadores em ocupações complexas, acoplando a aquisição de conhecimento geral ao conhecimento técnico, complementado nas empresas, por meio do contrato de trabalho de aprendiz. Juntamente com os cursos de aprendizagem, a lei estabeleceu a cota de aprendizes.

A lei nunca definiu as ocupações nas quais se aplicaria a cota de aprendizes, apenas indicava que seriam aquelas para as quais o conhecimento envolvido deveria ser adquirido por meio de “formação metódica”, sem especificar a duração. Essa flexibilidade buscou refletir a dinâmica do mercado de trabalho e as contínuas mudanças no perfil das ocupações. Contudo, a intenção original foi distorcida quando, em 2005, se estenderam a cota e a aprendizagem a várias ocupações existentes na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) que não pressupõem formação metódica. Aquela alteração distanciou a aprendizagem profissional de seu caráter educacional de formação profissional e a converteu numa política meramente assistencialista.

O objetivo anunciado na ocasião da mudança era combater o desemprego dos jovens. Embora meritório, o meio escolhido para alcançá-lo revelou-se inadequado. Tentou-se resolver autoritariamente um problema amplo, estrutural e complexo, banalizando o conceito de aprendizagem profissional. A cota de aprendizes, até então um mecanismo para garantir a oferta de trabalhadores qualificados, se transformou em obrigação de contratar jovens em geral, independentemente da natureza e do nível de qualificação necessário.

A vaga para aprendiz, em si, não era o objetivo prescrito na legislação original da aprendizagem profissional. Seu propósito era viabilizar as condições para que os jovens pudessem adquirir competências, aumentando a probabilidade de inserção e permanência no mercado de trabalho.

A Medida Provisória n.º 1.116 e o Decreto n.º 11.061, de 4/5/2022, procuram resgatar o conceito original da aprendizagem e do aprendiz, vinculando-os ao ensino médio. Ao mesmo tempo, incentivam, com a contagem em dobro da respectiva cota, a empresa que efetiva seus aprendizes ou contrata aprendizes com deficiência, ou originários de famílias pobres, ou, ainda, egressos de instituições corretivas. Estendem a duração do contrato de aprendiz para até três anos, assegurando um processo mais completo de aprendizagem. Exigem que a proporção de aprendizes seja igual em todos os setores da empresa, eliminando a concentração nas áreas administrativas que ocorre hoje. Finalmente, a formação de técnicos e de tecnólogos, que tinha sido excluída da aprendizagem, voltou a integrá-la e os alunos dos respectivos cursos podem novamente ser contratados como aprendizes.

As instituições que operam no mercado de aprendizes e que foram beneficiadas com a banalização da aprendizagem são contrárias às medidas. Seu argumento é de que, se implementadas, reduziriam a quantidade de cotas, restringindo as oportunidades dos jovens. Por outro lado, os defensores das medidas argumentam que elas reduziriam o mercado de atuação das entidades envolvidas com a aprendizagem banalizada, e esta seria a verdadeira razão da oposição. Lembram que a banalização da aprendizagem e a obrigatoriedade da cota criaram aproximadamente 1 milhão de vagas para jovens. Como não se preencheu nem metade disso, os fatos não sustentam o argumento das operadoras do mercado de aprendizes.

É preciso abandonar o que já está claro que não funciona. O primeiro passo seria aprovar novas regras. Em seguida, teríamos de conectar o sistema escolar (as escolas do ensino médio e as instituições que se dedicam ao ensino profissionalizante) ao sistema produtivo, rumo a um novo modelo, amplo, massificado e de qualidade, dedicado ao verdadeiro ensino profissional.

A educação é o principal fator de desenvolvimento de uma sociedade e deve ser tratada como prioritária para os jovens. A aprendizagem profissional, uma das vertentes mais importantes da política educacional, foi reduzida a um mero expediente para proporcionar renda temporária a alguns jovens. É preciso resgatá-la, incluindo-a como elemento-chave do sistema educacional, para assegurar a todos os jovens transição definitiva para o mercado de trabalho, libertando-os do ciclo de vulnerabilidade e pobreza.

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PROFESSOR SÊNIOR DA FEA/USP, É COORDENADOR DO SALARIÔMETRO DA FIPE

Opinião por Hélio Zylberstajn