Ensino integral pode diminuir defasagem educacional de pretos e pardos

Crianças pobres têm acesso a 7.142 horas de aprendizagem a menos do que as ricas

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São Paulo

Uma educação verdadeiramente integral vai além de deixar os alunos por oito horas na escola. Investir no desenvolvimento real das crianças implica repensar o ensino tradicional, incentivar a participação em projetos sociais, dar acesso às produções culturais e fomentar a criatividade.

Essa foi uma das conclusões do seminário Novas dinâmicas globais: o papel da arte, cultura e educação para os desafios no mundo do trabalho, realizado em 28 de agosto pela Folha e pela Fundação Itaú.

O diagnóstico dos debatedores é de que, sem mudanças, a educação brasileira não ajudará a diminuir a desigualdade. O economista Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper e colunista da Folha, disse que os dados mostram uma desigualdade educacional entre alunos pardos e pretos se comparados aos brancos e entre pardos e pretos.

Imagem mostra o palco do auditório da Folha, onde estavam os participantes da mesa 2 do seminário "Novas dinâmicas globais: o papel da arte, cultura e educação para os desafios no mundo do trabalho"
Mesa 2 do seminário realizado entre a Folha e a Fundação Itaú; da esq. para a dir.: Patrícia Mota Guedes (mediadora), Michael França, Isabela Machado, Cláudia Leitão e Kelly Baptista - Keiny Andrade - 28.ago.2023/Folhapress

Divulgada em julho, a pesquisa se baseou nas notas do Saeb, avaliação federal da educação básica, levando em conta as provas de português e matemática feitas por alunos ao fim dos anos iniciais (1º ao 5º ano) e dos anos finais (6º ao 9º) do ensino fundamental. O recorte compara resultados entre os anos de 2007 e 2017.

Em matemática, os meninos brancos do 5º ano tinham, em 2007, uma vantagem de 9,1 pontos sobre as meninas negras (pretas ou pardas). O hiato aumentou para 13 pontos dez anos depois. No 9º ano, a diferença era de 21,3 pontos em 2007 e foi para 23,4, em 2017.

O hiato entre os pretos e os brancos e pardos também tem crescido. No 9º ano, a média em língua portuguesa alcançada pelos meninos pretos ficava 16,6 pontos abaixo das meninas pardas em 2007. A distância chegou a 20,5 pontos após uma década. Ao comparar com meninas brancas, a diferença passou de 28 para 32,4 pontos. "Essas questões devem nos fazer repensar a educação no país, para que possamos diminuir esses hiatos", disse.

Um levantamento do Itaú Social, mencionado por Patricia Guedes, superintendente do instituto e mediadora da segunda mesa de debates, indica que, ao terminarem o ensino fundamental, no final do 9º ano, crianças de famílias de alta renda receberam 7.142 horas a mais de aprendizagem, se comparadas às mais pobres. O estudo "Cada Hora Importa", de 2021, compilou dados de pesquisas do IBGE e do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).

A pesquisa não considerou apenas as horas em sala de aula. Ao longo de nove anos, os alunos mais ricos tiveram acesso a 1.994 horas na educação infantil (creche e pré-escola), 1.132 horas de atividades extracurriculares, 936 horas de aprendizados em família, 830 horas de estudos na internet e 2.232 horas de atividades culturais durante as férias. Isso representa um déficit de quase oito anos de estudos em uma escola regular (com carga horária de 900 horas por ano), quatro anos em escolas integrais (1.800 horas anuais) e 10 anos de atividades de contraturno (2 horas diárias) para os alunos mais pobres.

Kelly Baptista, diretora-executiva da Fundação 1Bi, instituição fundada em 2018 que usa a tecnologia em prol da educação básica, afirma que muitas vezes discute-se "soft skills" ou "IA" no ensino, quando, na periferia, ninguém sabe o que é ChatGPT. "Na periferia, é outra história. Os jovens com os quais eu convivo não têm noção do que é IA, provavelmente nunca usaram o ChatGPT. Trata-se de um Brasil que discute coisas que as crianças das escolas públicas não têm acesso." Para ela, sem melhorar a educação básica, a diversidade não chegará de fato às empresas.

Michael França afirma que não faz sentido colocar todo o peso na educação. "Às vezes, direcionamos um olhar exagerado à escola, como se ela pudesse subverter toda essa exclusão social."


Assista ao seminário:


A estudante universitária Isabela Machado, 19, integrante da lista de Jovens Transformadores da Ashoka, rede global de empreendedorismo social, defendeu a importância dos projetos sociais. "Os centros da juventude são essenciais. Um aluno que é subvalorizado na sala de aula por não ser bom em matemática pode mostrar o seu potencial, por exemplo, no futebol, onde desenvolverá empatia, colaboração, trabalho em equipe", disse.

Para Cláudia Leitão, ex-secretária de Cultura do Ceará, desenvolver a criatividade é um direito humano e, para que isso aconteça, a criança e o jovem precisam ter acesso à arte. "Só é possível se tornar criativo com acesso a um amplo cardápio de possibilidades, fruição, consumo, bens e serviços culturais. Não temos esse acesso garantido a todos", disse Leitão, que é professora da Universidade Estadual do Ceará.

Uma educação integral, diz ela, deve ligar os saberes. "Arte, cultura e tecnologia estão juntos."

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