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Avanço da desigualdade social

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Por Antonio Baptista Gonçalves
Atualização:
Antonio Baptista Gonçalves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

2020 é o ano que constará nos livros de história pela disseminação de uma pandemia mundial com consequências sanitárias, sociais e econômicas para os países envolvidos. O COVID-19 desvelou as deficiências dos países inapelavelmente. No Brasil, a pandemia mostrou não apenas a incapacidade do Governo Federal e dos Governos Estaduais em cuidar do isolamento das pessoas de maneira eficaz, como também, acentuou as desigualdades sociais da população.

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O Brasil é um país com desigualdades econômicas marcantes, mesmo antes da pandemia do COVID-19, pois, 28% da renda total do país está centralizada em 1% da população, o que o coloca apenas abaixo do Catar como maior concentração de renda entre os países.

A desigualdade econômica no Brasil é uma realidade. Segundo o censo demográfico do IBGE de 2010 existiam 6.329 favelas em 323 municípios. Somados a isso, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS - somente 54,1% dos brasileiros têm rede de esgoto e apenas 49,1% do esgoto é tratado. 31 milhões de pessoas não tem acesso a uma rede geral de distribuição de água e para 11,5 milhões de brasileiros a superlotação com três pessoas por dormitório é uma realidade. Somente no Rio de Janeiro, segundo o IBGE, 22,03% de sua população vive nas comunidades. Segundo o Instituto Pereira Passos, em 2018, o Rio tinha 162 bairros e em 139 deles existiam comunidades e, em termos de áreas, as comunidades ocupam cerca de 330 mil metros quadrados. Pelo Censo 2010, 1.393.314 pessoas moravam nas 763 favelas cariocas.

Problemas que se avolumam ao longo de décadas, com pessoas sem moradia, com renda insuficiente e que se veem obrigadas a irem para as regiões periféricas das cidades para sobreviverem, sem condições sanitárias mínimas, falta de água ou esgoto, enquanto isso o Governo Federal falha sistematicamente em cumprir os preceitos constitucionais de garantir e efetivar o conjunto de direitos tidos como fundamentais, como saúde, educação, propriedade, segurança, dentre outros.

O que já era ruim, com a pandemia piorou, porque a desigualdade se acentuou e aprofundou, em especial, em decorrência dos problemas econômicos derivados do isolamento social. Muitas pessoas ficaram sem emprego ou tiveram seus contratos suspensos. A população desocupada no Brasil, segundo dados da Pnad COVID-19 do IBGE, que era de 10,1 milhões em maio, passou para 12,3 milhões em junho, em agosto atingiu 12,9 milhões, e ao final do terceiro trimestre de 2020 tivemos 14,1 milhões de desempregados no Brasil, uma taxa de desocupação de 13,1%. Um aumento de 35,9% de pessoas desempregadas ao longo da pandemia. E, por fim, 15,3 milhões de pessoas não procuraram trabalho por causa da pandemia ou por falta de trabalho na localidade em setembro.

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O desemprego e os problemas econômicos já eram uma realidade para muitos brasileiros, porém, através da informalidade, muitos ainda sobreviviam como trabalhadores autônomos. Com a pandemia e o isolamento social a crise foi inevitável e atingiu frontalmente aqueles que possuem menos condições econômicas. Segundo o instituto Locomotiva Data Favela para 60% dos moradores das comunidades não havia recursos para mais de uma semana. Portanto, muitos se colocaram em risco para tentar alcançar algum sustento para si e sua família e voltaram a trabalhar na informalidade.

A pandemia não atingiu apenas os que possuem menor renda, como também os que têm menor capacitação profissional ou condições para se colocarem no mercado de trabalho, seja por falta de experiência, educação ou oportunidade, além é claro, dos problemas sanitários que acresceram a falta de oferta e corte de custos. Assim, a desigualdade social se aprofundou, os jovens que já enfrentavam problemas de realocação profissional se viram obrigados a aceitar subempregos ou trabalharem em condições vulneráveis para não ocuparem a massa do desemprego.

Segundo o iDados, a situação entre os jovens - até 24 anos - é claudicante, porque para 77,4% a realidade é um emprego de baixa qualidade, em situação vulnerável, o que equivale a 7,7 milhões de pessoas. Os critérios foram: salário, estabilidade, rede de proteção e condições de trabalho. E, para 90% deles, a renda é inferior a seis vezes a cesta básica e 75% têm menos de 36 meses de trabalho. Em tempos de pandemia, pela falta de tempo de serviço ou experiência, tendem a ser os primeiros a serem demitidos.

O Governo Federal tentou auxiliar a população com a concessão de uma renda mínima por três meses no importe de R$600,00. Porém, com a economia estagnada não houve a possibilidade de mantença desses recurso por longo tempo, e, primeiro houve uma redução de R$600,00 para R$300,00 e sua manutenção até o final de dezembro, portanto, será o último mês de uma renda que manteve muitas famílias e que agora irá findar. Com isso, a crise econômica irá avançar e muitos ingressarão em situação depobreza ou migrarão para a pobreza extrema.

Aumento do desemprego, perda da renda e final do auxílio emergencial do Governo Federal, a combinação desses fatores contribuiu para o aumento de pessoas vivendo em situação de pobreza no Brasil. O índice de pobreza, situação de quem recebe até um terço do salário-mínimo (R$348,00) caiu de 18,7% em 2019 para 11% em 2020, porém, a previsão é que o indicador pode chegar a 24% com o final dos benefícios pagos pelo governo, de acordo com o Instituto de Estudos Sociais e Políticos - IESP. Refletimos.

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Ademais, o Brasil tinha 13,7 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza extrema em 2019. De acordo com o IBGE, o contingente representa 6,5% da população brasileira vivendo com menos de U$1,90 por dia (R$151,00 por mês segundo a cotação da pesquisa). As estatísticas apontam que um a cada quatro brasileiros não consegue gerar renda suficiente para garantir a superação da situação econômica a que estão submetidos. Com a crise sanitária os números de 2020 tendem a ser ainda piores.

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Com a desigualdade social crescente e sem uma perspectiva clara de quando teremos a vacina para a população em geral, a sociedade brasileira claudica, agoniza e se vê cada dia mais imersa em dívidas, problemas econômicos, sociais e de moradia. Não há um plano estruturado do Governo Federal para modificar ou minorar o impacto da pandemia na realidade social brasileira. Recentemente as Nações Unidas divulgaram o ranking de desenvolvimento humano e o Brasil caiu cinco posições, ocupando atualmente a 84ª. E quando há a verificação do IDH pela desigualdade de renda o Brasil perderia mais 20 posições com redução de 25%, o que apenas reforça o que já mencionamos acerca da concentração de renda.

A nona economia mundial se mostra incapaz de achatar a curva da disparidade econômica e a realidade é que o vírus mostra que o Brasil não tem um plano para a desigualdade econômica e social. Não se investe na educação corretamente, não se forma um sistema de saúde pública eficaz, mesmo sendo o maior do mundo e a insegurança é visível. A preparação das próximas gerações para o mercado de trabalho é risível e os problemas se avolumam. A única certeza é que após a pandemia sairemos com piores índices de desigualdade, pobreza, pobreza extrema e desemprego. E o que o Governo Federal planeja para reverter ou minorar esse quadro? Até o presente momento apenas silêncio. Há a necessidade premente de se melhorar os investimentos na educação, na saúde e preparar realmente nossas crianças para o futuro, porém além disso, precisamos tratar da desigualdade social brasileira, aumentar o saneamento básico, melhorar as condições de moradia e reduzir a concentração de renda.

A crise sanitária brasileira trará consequências que não serão revertidas em curto espaço de tempo, contudo, os governantes não podem mascarar a realidade de que o dinheiro é mal investido em nosso país, que não se cuida adequadamente da educação, não se investe em uma saúde com qualidade e que a desigualdade somente se acentua e aprofunda. A reflexão de 2020 e os problemas da pandemia é que precisa se investir melhor, o dinheiro existe, afinal, estamos entre as principais economias do mundo, porém, há uma dicotomia entre o que se arrecada e o que se reverte para à população. Nesse diapasão o Brasil gasta equivocadamente, com baixo critério e sem um plano estruturado para a questão da pobreza e da desigualdade.

O país precisa, realmente, de reformas, de otimizar a máquina burocrática e seus gastos públicos e não de modificações pontuais para agradar esta ou aquela parcela da população. O povo brasileiro não mais se sustenta com migalhas, a pobreza se acentua cotidianamente e o Brasil investe na velha fórmula do assistencialismo e de uma pseudo renda mínima, quando o caminho para o crescimento é o gasto em infraestrutura para a abertura de novos postos de trabalho e de um real investimento em crescimento de médio prazo. Já passou da hora do Brasil deixar de exportar apenas produtos primários e commodities e buscar ter condições de fazer mais, a população brasileira agradece.

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*Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP e presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP - subseção de Butantã

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