Brasil Educação

Avaliações de larga escala e vestibulares prejudicam capacidade de trabalhar em equipe, dizem educadores

Dados do Pisa mostram que estudantes brasileiros não conseguem atuar de forma colaborativa
Cerca de 21,2% dos estudantes brasileiros sequer têm habilidade de trabalhar em equipe Foto: Marco Saroldi / Shutterstock
Cerca de 21,2% dos estudantes brasileiros sequer têm habilidade de trabalhar em equipe Foto: Marco Saroldi / Shutterstock

RIO- Ouvir a opinião do outro, trabalhar em equipe e compartilhar conhecimento são habilidades desejáveis não só no mercado de trabalho, mas no exercício da cidadania e nas relações interpessoais. No entanto, valores como este não são bem desenvolvidos nas escolas do Brasil, indica um relatório divulgado ontem com dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês). Os estudantes brasileiros estão entre os piores, em meio a 52 países ou economias com dados disponíveis, em resolver problemas de maneira colaborativa. De acordo com especialistas, há razões claras para essa posição. Por um lado, o foco em avaliações de larga escala afetou o que é prioridade nas escolas do país. Por outro, o modelo de acesso ao ensino superior e a infinidade de provas desestimulam estudantes a trabalhar coletivamente.

Proficiência em resolução de problemas
de forma colaborativa*
Percentual de estudantes em diferentes níveis:
Média dos países da OCDE
Brasil
nível 1
nível 2
nível 3
nível 4
Abaixo do
nível 1
43,00%
36,20%
27,70%
27,80%
22,40%
21,20%
7,50%
7,90%
5,7%
0,60%
*Estudantes abaixo do nível 2 são considerados com baixo desempenho
Notas dos países da OECD
500
é a média
dos países
da OCDE
Fonte: OECD, PISA 2015
Proficiência em resolução
de problemas de forma
colaborativa*
Percentual de estudantes
em diferentes níveis:
Brasil
Média dos países da OCDE
21,20%
Abaixo do
nível 1
5,7%
43,00%
nível 1
22,40%
27,70%
nível 2
36,20%
7,50%
nível 3
27,80%
0,60%
nível 4
7,90%
*Estudantes abaixo do nível 2 são
considerados com baixo desempenho
Notas dos países da OECD
500
é a média dos
países da OCDE
Fonte: OECD, PISA 2015

A média de 412 pontos obtida pelos brasileiros no Pisa nesta competência ganha somente da Tunísia, que registrou 382 pontos, e fica bem distante da média de 500 pontos dos 32 países da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsável pelo estudo. Outras nações da América do Sul, como o Chile e o Uruguai também tiveram nota superior, com 457 e 443, respectivamente. Cerca de 125 mil jovens de 15 anos de idade nos 52 países analisados participaram de avaliação sobre resolução de problemas de maneira colaborativa.

PRIORIZAÇÃO DE CONTEÚDOS

O Pisa avalia a cada três anos o desempenho de alunos de 15 anos nas disciplinas de matemática, ciências e leitura. E coleta dados paralelos em relação a esses estudantes. A última avaliação foi divulgada no ano passado. Em um desdobramento para analisar a competência relativa à resolução de problemas de maneira colaborativa, o exame aplicou questões interativas e de múltipla escolha, nas quais os outros agentes envolvidos na resolução da tarefa eram simulados em computadores. O aluno foi avaliado a partir de suas interações e respostas em relação a esses agentes.

Para especialistas, a partir da criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) na década de 1990, que foi reestruturado posteriormente e passou a ser composto pela Prova Brasil, a Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), as escolas brasileiras concentraram os esforços nessas avaliações, que privilegiam o desempenho individual, e se esqueceram do resto.

— As avaliações de larga escala fizeram com que as escolas no Brasil ficassem muito dedicadas apenas a uma busca pelos conteúdos. Orientar todo o trabalho pedagógico só para essas provas acaba gerando uma educação medíocre. As escolas brasileiras se esquecem de trabalhar valores, preparar para cidadania — analisa Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. — Esse fator associado a uma sociedade permissiva em relação à discriminação, com escalada de movimentos como o Escola sem Partido, levam cada vez mais pessoas com dificuldade de trabalhar em equipe e aceitar opinião do outro.

A análise mais detalhada da proficiência dos estudantes em relação ao trabalho em equipe evidencia um cenário ainda mais complicado para o Brasil. Cerca de 64% dos estudantes brasileiros têm desempenho baixo quando o assunto é resolver problemas de maneira colaborativa. A avaliação classificou o percentual de alunos em cinco níveis: abaixo de 1, nível 1, nível 2, nível 3 e nível 4. Nesta escala, considerou os estudantes em patamares inferiores ao nível 2 como aqueles que têm desempenho baixo.

Cerca de 21,2% dos alunos brasileiros avaliados no Pisa — um em cada cinco estudantes — foram localizados no patamar abaixo do nível 1, o que significa que sequer têm essa habilidade. Cerca de 43% ficaram no nível 1, ou seja, “se concentram em seu papel individual dentro do grupo, mas com ajuda dos colegas podem ajudar a encontrar solução para um problema simples”. Somente 0,6% desses jovens estão no nível mais alto, quando são capazes de resolver problemas de alta complexidade em colaboração, asseguram que os membros da equipe atuem de acordo com seus papéis, tomam iniciativa e resolvem conflitos. Cingapura tem a maior proporção de estudantes no melhor grau: 21,4%.

A educadora Mônica Gardelli, superintendente do Cenpec, diz que trabalho em equipe não atrai no atual modelo educacional:

— Preparamos alunos para sistemas de avaliação eliminatórios e individuais. Há um espírito de que eles têm que se preparar para isso. Aprender a trabalhar em equipe não faz sentido, porque pensam que no fim terão que se virar sozinhos, já que os vestibulares giram em torno disso.

Uma oportunidade de eliminar o déficit de desenvolvimento de habilidades socioemocionais no país é a Base Nacional Comum Curricular, que traçará diretrizes paras os currículos das escolas brasileiras. Na versão mais recente do documento relativo ao ensino fundamental, a colaboração entre colegas e entre estudantes e professores aparece como uma das habilidades a serem desenvolvidas desde o primeiro segmento. Nesse sentido, observar o que acontece em outros países pode ajudar.

— Os países com bom desempenho nessa habilidade têm estruturas de aula que promovem maior interação durante aprendizado das disciplinas comuns. Aulas nas quais há incentivo para a colaboração entre pares têm impactos positivos sobre essa competência — afirmou o diretor de Educação da OCDE, Andreas Schleicher, acrescentando ainda que o Brasil precisa melhorar em áreas essenciais. — Um dos pré-requisitos é melhorar o desempenho nas disciplinas básicas como leitura. Colaboração também é fruto de informação.