Descrição de chapéu Economia em debate

Auxílio não deveria estar atrelado à PEC Emergencial, dizem economistas

Nova rodada do benefício deve corrigir problemas de focalização, afirmam especialistas em debate nesta quinta

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São Paulo

O pagamento de um benefício como o auxílio emergencial é necessário e urgente, mas a concessão não pode desconsiderar o equilíbrio das contas públicas e nem deveria estar em discussão junto à PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial.

A avaliação é dos economistas Fernando Veloso, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), e Naercio Menezes, do Insper.

Para Daniel Duque, também pesquisador do Ibre, o auxílio emergencial resultou em um "trilema": atendeu muita gente, pagou um valor alto de benefício e custou muito caro para o governo.

Os três participaram nesta quinta-feira (25) de um seminário online realizado pela Folha e pelo Ibre-FGV, com a mediação do repórter especial Fernando Canzian.

Os economistas concordam quanto à importância do programa para reduzir a pobreza e a desigualdade no ano passado, mas criticam o que chamam de falta de foco do programa.

Eles defendem que, como não houve rigor na seleção de quem tinha ou não direito ao benefício, o programa acabou custando caro e levou o auxílio a famílias que estavam distantes da linha pobreza —e que talvez não precisassem ter sido atendidas pelo programa com o mesmo valor e duração do que aquelas que, de fato, eram vulneráveis.

Uma nova rodada de pagamentos precisará ter regras mais rígidas de elegibilidade, ou seja, atingir um grupo menor de pessoas, mas que realmente necessitem do auxílio.

“Foi muito importante ter o auxílio emergencial, e ele é mais do que necessário para reduzir a pobreza. Só que você gastou um valor substancial com pessoas que estavam acima da linha de pobreza. Acho que o novo auxílio tem que focalizar as pessoas pobres”, disse Naercio Menezes.

O pesquisador considera a existência de diferentes níveis de renda, bem como diferenças regionais, como critérios para classificar o nível de vulnerabilidade de uma família.

“O auxílio exagerou nesse sentido. Ele transferiu para uma parcela grande de pessoas que tinha renda domiciliar de R$ 3.200, muito acima das linhas de pobreza”, afirmou.

Menezes propõe mudanças a partir do programa Bolsa Família que deem mais atenção às crianças em situação de vulnerabilidade. No modelo vigente, o valor desse benefício é baixo (máximo de R$ 200).

“São propostas administrativas, como mudar o valor, a cobertura e a forma de focalização. Acredito que o ideal seria já implementar essas mudanças em caráter permanente mesmo”, disse. Caberia, então, ao governo buscar as formas de financiamento, uma vez que o custo do programa dobraria.

“O auxílio emergencial alcançou principalmente os mais pobres, mas também beneficiou os que não eram”, diz Daniel Duque. Segundo o pesquisador, um terço dos que não eram pobres em 2019 tiveram, em 2020, algum beneficiário do auxílio emergencial na família.

Entre os que já eram pobres, o percentual ficou em 80%. “A pobreza caiu mais onde, em 2019, ela era maior. Ela teria crescido em nível maior sem o auxílio”, diz.

Para Fernando Veloso, era necessário que o governo tivesse previsto a continuidade do pagamento do auxílio. “No mundo ideal já teríamos muitas propostas ainda em 2020. Ele tinha que ter sido prorrogado e já engatilhado com um novo programa social. Não foi feito e sequer discutido."

Além da falta de focalização, Veloso considera crítico o volume de irregularidades no pagamento do auxílio. Segundo balanço do TCU (Tribunal de Contas da União), quase 20% do R$ 293 bilhões gastos com o benefício foram pagos de maneira indevida.

“Um benefício que custou nove vezes o Bolsa Família, que é o principal programa social do país, e tem 20% de irregularidades”, diz.

Veloso propõe a criação de um programa que junte a base do Bolsa Família e os trabalhadores informais. “A pandemia exacerbou o quanto eles estão completamente desprotegidos em momentos de choque”, afirma. Esse programa, segundo ele, garantiria um seguro equivalente a 15% da renda e que não deixaria de ser pago caso o trabalhador passasse para o mercado formal.

Para o economista, o auxílio precisa ser renovado, uma vez que o mercado de trabalho encolheu e a pobreza aumentou. Ele defende, porém, que isso seja feito considerando o impacto fiscal de uma nova rodada de pagamentos.

“A PEC emergencial já tinha que estar discutida. Entrou tanta coisa nesse relatório, que a questão fiscal foi jogada para depois só para aprovar o auxílio. É uma questão delicada”, diz.

Naercio Menezes vê como complicado atrelar o pagamento do auxílio a mudanças fiscais. “É imprescindível resolver essas questões. É necessário acionar os gatilhos, fazer reforma administrativa, diminuir subsídios a grandes grupos”, afirmou. “Mas é temerário fazer isso no afogadilho para aprovar o auxílio emergencial”.

Durante o debate nesta quinta, os pesquisadores destacaram ainda a necessidade de o governo pensar em políticas públicas para educação e que consigam recuperar as perdas para crianças e jovens. “Foi uma calamidade. Sem poder ir à escola, sem interagir com os colegas, falta de aprendizado, problemas com o Enem”, disse Menezes.

O fechamento das escolas durante a maior parte do ano em 2020 acentuou também as desigualdades, pois famílias mais ricas têm mais condições de auxiliar na educação em casa. Para Veloso, durante a pandemia, a discussão de um programa de responsabilidade social acabou se restringindo ao pagamento do auxílio.

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