Por Raquel Miura, RFI


Testagem para HIV — Foto: Divulgação/Prefeitura de Piracicaba

O médico Alexandre Naime Barbosa, chefe do departamento de Infectologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista), acompanha pacientes com HIV desde a descoberta da Aids no início dos anos 1980. Pela experiência que nessa área, o especialista não tem dúvidas ao dizer que, mesmo sem um imunizante ou uma cura para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, há muito o que comemorar nesses anos diante dos avanços no tratamento.

“A ciência conseguiu dar uma resposta importantíssima. Cerca de 20, de 15 anos atrás um paciente chegava ao meu consultório com o teste positivo tinha uma expectativa de vida de seis meses, um ano, no máximo dois anos. E hoje em dia as medicações são extremamente potentes e extremamente fáceis de tomar, amigáveis, sem efeito colateral. A expectativa de vida projetada para uma pessoa vivendo com HIV, que faz a terapia corretamente, é basicamente a mesma expectativa de uma pessoa vivendo sem HIV na mesma faixa etária. Fora que uma pessoa que faz o tratamento corretamente atinge o que a gente chama de carga viral indetectável, e não transmite o vírus”.

“Agora uma solução definitiva para transformar essas pessoas que estão em tratamento em pessoas curadas não parece estar no horizonte muito próximo. O HIV é um vírus muito complexo, que tem mecanismos de evasão ao sistema imunológico. E caso a pessoa não use a medicação corretamente, o vírus consegue adquirir uma série de mutações que fazem com que o tratamento não funcione. Não há uma perspectiva de solução definitiva do problema no curto ou médio prazo”, reitera.

Consultor para HIV da Sociedade Brasileira de Infectologia, Barbosa, no entanto, aponta para pesquisas muito promissoras e acredita que, em breve, uma nova geração de remédios estará ao alcance de portadores do vírus, facilitando ainda mais o dia a dia dessas pessoas.

“Estamos agora caminhando para medicações de longa duração, medicações injetáveis que têm duração de quatro a oito semanas. Então, no futuro, o indivíduo em vez de tomar comprimidos todos os dias, vai poder optar. Haverá uma injeção que seja mensal ou a cada dois meses. E num futuro um pouco mais longo, teremos implantes, como existem os implantes de anticoncepcional, pequenas estruturas metálicas debaixo da pele que deixam a medicação disponível ali por anos.”

Esse arsenal que combate o vírus e provoca menos efeitos nos pacientes é a evolução do conhecido coquetel anti-HIV. “Ele tinha esse nome porque era uma combinação de 10, 15 drogas. Eu tive pacientes que tomavam 22 comprimidos por dia. Eles se queixavam, e se queixavam com toda razão, que nem conseguiam almoçar e jantar tamanha a quantidade de comprimidos. E havia efeitos colaterais muito graves. Hoje em dia praticamente eventos adversos que não são dignos de nota, e a imensa maioria dos pacientes faz uso de medicação uma vez ao dia, dois comprimidos uma vez ao dia, extremamente fácil de tomar”, afirma.

O infectologista diz que apesar de algumas ingerências políticas, o Departamento Nacional de DST/AIDS (Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS) continua funcionando de forma bastante assertiva para liberar a esses pacientes as estratégias medicamentosas mais importantes.

"Na verdade aqui no Brasil as medicações somente são disponíveis pelo SUS. Mesmo pacientes com alto poder aquisitivo e que fazem acompanhamento no consultório particular retiram os medicamentos no SUS”, completa.

Alerta sobre aumento de casos entre os jovens

Se há muito o que comemorar diante de medicamentos mais potentes contra o vírus e menos agressivos ao organismo, há também um sinal de alerta diante do aumento no número de casos entre os mais jovens. “Se nós observamos o número absoluto e a quantidade de casos novos de HIV, veremos que tanto em números absolutos quanto relativos, por 100 mil habitantes, está havendo no Brasil e no mundo uma queda contínua de casos. Mas se a gente olhar a categoria por faixa etária, nós percebemos que nas faixas etárias entre 13 e 25 anos, principalmente, não existe queda, mas ao contrário, aumento no número de casos novos, tanto em números absolutos quanto relativos nessas populações mais jovens”, diz.

O especialista cita dois fatores principais para entender o comportamento de jovens que não viram a morte de ídolos como Renato Russo, Cazuza e Fred Mercury.

“Primeiro que, hoje em dia, e ainda bem que seja assim, o HIV Aids não é considerado mais uma sentença de morte. E é realmente uma doença crônica tratável, mas não se pode banalizar essa informação e simplesmente ter um raciocínio muito simplista de que ‘ah, se eu pegar infecção pelo HIV, eu vou lá e me trato, e tá tudo bem’, como muitos jovens fazem. E um segundo ponto tem relação com uma característica da juventude chamada de onipotência. O jovem se julga acima de qualquer risco. Andar em alta velocidade com automóveis, ingestão de álcool e outras drogas. E isso também tem a ver com sexo. Ele acha que nunca vai acontecer com ele”, ressalta o infectologista.

Prevenção e proteção

Embora ressalte que os remédios são revolucionários e que é preciso quebrar preconceitos, Barbosa diz que a prevenção é crucial, pois um teste positivo para o HIV vai significar ações especiais para o resto da vida. “É uma condição de saúde que demanda cuidados. E cuidados que, como eu disse, a curto e médio prazo vão ser para a vida toda. O indivíduo vai ter que tomar medicações todos os dias, vai ter que fazer exames de sangue pelo menos duas vezes ao ano. Tudo isso podia ser evitado se houvesse medidas de prevenção muito simples, como o uso do preservativo”, aponta.

Barbosa defende o amplo diálogo com os jovens porque, mesmo numa situação em que não se use preservativo, é possível adotar procedimentos para se proteger do vírus.

“Hoje em dia você pode optar, por exemplo, por fazer a profilaxia pré-exposição. Se você não tem HIV e costuma ter relação sexual sem preservativo, você adota essa profilaxia, que é um comprimido por dia. Ou então outra modalidade é a profilaxia pós-exposição. Se eu uso bem o preservativo, mas eventualmente em um momento eu acabei não usando em uma relação sexual, eu tenho até 72 horas para procurar um serviço de saúde. Lá eu vou receber o mesmo esquema que a gente usa nos pacientes: dois comprimidos por dia por 28 dias em até 72 horas após a exposição”, finaliza.

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