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Aula com sucata leva professora de SP a ser finalista do Global Teacher Prize

Isabela Palhares

São Paulo

21/02/2019 12h30

Os alunos desconfiaram quando Débora Garofalo propôs que construíssem em sala de aula um carrinho com materiais recicláveis , que iria se mover sozinho, usando apenas uma bexiga de festa. Alguns minutos depois, as crianças de 11 anos comemoravam ao ver o brinquedo, que montaram, se locomovendo. "A partir desse dia, minhas aulas mudaram. A ideia se espalhou e todas as turmas queriam fazer o mesmo", conta a professora, que depois dessa experiência criou o projeto Robótica com Sucata.

O trabalho desenvolvido na Escola Municipal Almirante Ary Parreiras, na Vila Babilônia, zona sul de São Paulo, levou Débora a ser uma das dez finalistas do Global Teacher Prize, considerado a maior premiação de educação do mundo. É o terceiro ano que o Brasil tem um professor concorrendo a US$ 1 milhão (cerca de R$ 3,7 milhões) na final.

O projeto teve início em 2014, quando Débora começou a trabalhar no laboratório de informática da escola. Ela percebeu que os alunos adoravam os minutos em que iam para esse espaço, mas por acreditar que era para jogos de computador. "Para as crianças, era o momento dos joguinhos. E percebi que eles podiam aproveitar melhor esse tempo, descobrindo de fato o que é tecnologia", conta.

Ela diz que queria ensinar robótica para os alunos, mas faltavam recursos. No entanto, a solução para o problema estava no entorno da escola: o entulho e lixo descartado nas ruas pelos moradores do bairro. "Levei os alunos para dar uma volta e pedi para que recolhessem materiais recicláveis. Quando voltamos para a sala, pensamos em como poderíamos usá-los."

Em três anos, Débora e os cerca de 700 alunos de 1.º ao 9.º ano do ensino fundamental recolheram mais 700 quilos de recicláveis e produziram protótipos de aspirador de pó, mão mecânica e até placas para a produção de energia solar. "Apesar de animados com a ideia de construir sozinhos, muitas vezes eles não acreditavam que conseguiriam. Eles diziam que robótica era só para alunos de escola particular."

A professora conta que o maior desafio foi convencer os alunos de que eles tinham capacidade e condições de construir o que quisessem. "É uma região muito carente, sofrem com a pobreza. Entendo esse sentimento porque vim de uma família carente também. Foram meus professores que me fizeram acreditar que eu podia ser o que quisesse e eu queria fazer o mesmo para os meus alunos." A escola fica no distrito do Jabaquara que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem 18,3% dos domicílios em favelas.

Débora conta que a o projeto teve impactos que ela não imaginava, como a redução de lixo descartado irregularmente no bairro. "No começo, cada vez que eu saía com uma turma para a coleta de materiais, voltávamos com 30 a 40 quilos de recicláveis. Agora, quase não achamos mais. Os alunos chamaram a atenção da comunidade para um problema que ocorria há anos e ninguém se dava conta."

O colégio enfrenta ainda bastante dificuldade com a defasagem de aprendizado. Dados da Prova Brasil, avaliação do Ministério da Educação, mostram que só 31% dos alunos do 5.º ano tinham, em 2017, desempenho considerado adequado em Matemática para a série - bem abaixo das médias estadual e nacional, (61% e 42%), respectivamente, no nível adequado.

Trajetória

Formada em Letras e Pedagogia, Débora conta que desde criança sonhava em ser professora. Quando terminou o ensino fundamental, ingressou no antigo magistério, onde confirmou sua opção profissional. "Muitos professores na época me perguntaram se eu tinha certeza de que era esse caminho que queria seguir. Eles falavam que trabalhavam muitas horas e ganhavam muito pouco. Eu sabia que seria difícil, mas ainda assim quis tentar."

O principal apoio para seguir a carreira veio da mãe, que trabalhava como assistente de estacionamento em um clube de elite da cidade e nunca conseguiu concluir o ensino médio. "Minha mãe não teve um estudo formal, mas lia muito e valorizava a educação", diz Débora. "Ela sempre dizia que a única coisa que poderia me deixar e que nunca ninguém iria me tomar era a educação." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.