Centro de Educação Infantil (CEI) parceiro da Prefeitura de São Paulo na Zona Norte de SP. — Foto: Reprodução/TV Globo
Auditoria por amostragem feita pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) de São Paulo entre abril de 2020 e fevereiro de 2021 em creches da cidade apontou sérios problemas de infraestrutura nas unidades conveniadas com a prefeitura, principalmente no que diz respeito ao atendimento de alunos com algum tipo de deficiência.
Segundo os auditores, 72% dos Centros de Educação Infantil (CEIs) conveniados com o município não dispõem de edificações acessíveis para o atendimento de alunos com algum tipo de redução de mobilidade e 88,5% nem sequer têm sanitários para pessoas com deficiência em suas dependências.
Nas chamadas CEIs diretas, administradas pela própria Prefeitura de São Paulo, 32% delas não têm acessibilidade e outras 46,2% não contam com sanitários adaptados.
O relatório afirma que a cidade tinha, até fevereiro, pelos menos 1.286 bebês (zero a três anos) e crianças (4 a 6 anos) que deveriam ser acompanhadas pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE), sendo 346 alunos na rede direta e 940 na conveniada.
Porém, os auditores apuraram que há carência de profissionais com formação específica para a inclusão de crianças com deficiência em 67% de todas as escolas de educação infantil da cidade, além de “falta de Professores de Atendimento Educacional Especializado (PAEEs) lotados nos CEIs para atuar de forma colaborativa com os demais colegas no trabalho de inclusão”.
Procurada pelo G1, a Secretaria Municipal da Educação (SME) disse, por meio de nota, que “os professores da rede possuem formações pedagógicas através dos Centros de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAIs)" e que os “CEIs parceiros contam com Atendimento Educacional Especializado (AEE) no formato itinerante e realizado pelo Professor de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (PAAI)”.
“As atividades nos CEIs são voltadas para o cuidar e o educar, ampliando as situações de aprendizagem das crianças desde bebês, respeitada cada faixa etária. Essas ações são voltadas para todos os bebês e as crianças. A avaliação da educação infantil é tão importante que é parte do projeto da SME e da prefeitura com vistas a qualificar, cada vez mais, as políticas públicas educacionais voltadas à infância. Está em planejamento uma nova aplicação”, disse a nota (veja a íntegra abaixo).
Creche conveniada com a Prefeitura de São Paulo na capital paulista. — Foto: Divulgação/SME
Sem espaços abertos
A realização de convênios com entidades privadas para gerir as creches na cidade de São Paulo foi a solução encontrada pela gestão municipal para zerar a fila de procura por vagas de creches no últimos anos, até que novas unidades próprias fossem erguidas na cidade.
Atualmente, a capital paulista possui 2.148 CEIs conveniadas e geridas por ONGs e organizações sociais, contra 362 de administração direta da prefeitura.
Por causa da pandemia, a auditoria do TCM foi feita por meio de questionário enviado aos gestores das próprias CEIs, que foram sorteadas aleatoriamente entre as diretorias regionais de ensino da cidade.
O questionário foi aplicado em 39 unidades educacionais do município, sendo 26 administradas por entidades parceiras e as outras de gestão direta da prefeitura.
Após a consolidação das respostas, os auditores do TCM apuraram também que quase 58% das CEIs da rede parceira sorteadas não dispõem de nenhum ambiente interno de recreação para as crianças, enquanto outras 30,8% não têm áreas externas descobertas ou arbóreas para propiciar contato dos bebês e crianças com a natureza, "contrariando os Padrões Básicos de Qualidade da Educação Infantil Paulistana".
O levantamento também constatou que 84,6% da amostra – tanto CEIs diretas quanto parceiros – não dispõem de salas de recreação ou de vídeo para as crianças, enquanto em 92% das creches parceiras as plantas arquitetônicas ou croquis apresentados à SME na confecção do contrato de parceria não representam os imóveis adequadamente.
"As plantas arquitetônicas ou croquis dos 26 CEIs parceiros da amostra não representam o imóvel de forma adequada, porquanto ilegíveis e vagas – a apresentação das salas ocupadas pelas crianças é simplificada, sem identificação dos demais ambientes e de suas dimensões", disseram os auditores.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), no Memorial da América Latina. — Foto: ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
O que diz a gestão municipal
Por meio de nota, a secretaria da Educação afirmou que “todas as unidades de ensino passam por vistorias antes da implantação e durante o ano letivo, e seguem orientação normativa que estabelece padrões de qualidade”.
De acordo com a pasta, só neste ano, cerca de 44 CEIs tiveram a administração substituída em função de fiscalização das Diretorias Regionais de Educação (DREs).
“Os imóveis são locados para atendimento pelas parceiras em razão de dificuldade de localização de terrenos para construção. (...) Dada a universalização do acesso à educação infantil, a SME realizou no ano de 2019 uma primeira ação de avaliação externa para observar contextos de aprendizagem. Fazem parte desse projeto a qualificação dos espaços, novas obras, busca de novos prédios, ampliação da formação dos professores e implementação curricular”, declarou o órgão.
Apesar da fiscalização feita pela prefeitura, o documento do TCM afirma que os relatórios elaborados pelos técnicos das DREs “não demonstram a existência de padrão nas vistorias prévias realizadas nos imóveis utilizados pelos CEIs parceiros, porquanto não foram encontrados em vários desses documentos elementos que revelem objetivamente se o imóvel reúne condições para instalação” da creche.
A SME disse que já prestou esclarecimentos ao TCM e permanece à disposição do tribunal para esclarecimentos de todos os itens do relatório.
A sede do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM). — Foto: Reprodução/TV Globo
Recomendações do TCM
O conselheiro do Tribunal de Contas do Município de SP, Maurício Faria, afirma que a auditoria feita pelo órgão “aponta necessidade de melhorias” e “aprimoramentos” na relação das creches conveniadas com a secretaria da Educação.
“A pesquisa foi feita no período antes do retorno às aulas, num contexto de escolas ainda vazias. Mesmo assim, foi possível captar elementos e dados sobre a falha na atuação de atendimento e capacitação de servidores para atendimento das crianças com necessidades especiais. É preciso olhar com cuidado para esses alunos, porque o desenvolvimento pedagógico deles depende dessa infraestrutura e capacitação adequada de professores e funcionários”, aponta Faria.
No relatório de auditoria, o TCM fez quatro recomendações de melhoria do sistema de ensino infantil das CEIs na cidade. Uma delas é para que a gestão municipal amplie a análise de adequação da quantidade de bebês e crianças às dimensões dos ambientes das creches, “sobretudo quando da avaliação de imóveis ocupados pela rede parceira, não se atendo somente ao tamanho das salas de aula”.
O conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM), Maurício Faria. — Foto: Divulgação/TCM
Para o conselheiro, a situação que mais preocupa e é urgente no relatório dos auditores é a falta de Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) nas creches geridas pela própria prefeitura da cidade.
Segundo os auditores, nenhuma CEI de administração direta da amostra contava com AVCB válido – fato que já tinha sido detectado nas duas edições anteriores da auditoria –, enquanto apenas um, dentre os 26 CEIs parceiras analisadas, não dispunha de AVCB dentro do prazo de validade.
“A Prefeitura de SP precisa urgentemente fazer um plano de regularização desses imóveis porque, embora seja uma formalização que não impede o atendimento das crianças, ele assegura que os prédios têm condições de segurança de receber os alunos, para que os pais também tenham garantias de que os filhos estejam em um ambiente sem riscos”, afirmou.
Remuneração dos funcionários
Além das questões estruturais, as condições de trabalho também foram apontadas pelos auditores como problemas à boa prestação de serviços das CEIs conveniadas em São Paulo.
De acordo com os questionários, os salários de quase metade dos diretores das CEIs diretas da cidade é superior a dez salários mínimos, enquanto os rendimentos de mais de 85% dos diretores das unidades parceiras não ultrapassam cinco salários mínimos.
Entre os professores, os vencimentos de 70,9% dos docentes das creches diretas estão entre três e cinco salários mínimos e outros 23,7% recebem de cinco a dez salários mínimos. Porém, nas CEIs conveniadas, 99,2% dos professores recebem entre um e três salários mínimos.
Funcionários e alunos do Centro de Educação Infantil (CEI) Vera Cruz, na Zona Leste da capital paulista. — Foto: Divulgação/Secom/PMSP
No que diz respeito à carga horária de trabalho, nas CEIs de administração direta há dois turnos de funcionários para atender o período integral de aula das crianças. Os professores trabalham cerca de cinco horas por dia.
Mas nas redes parceiras, 92,3% dos 375 docentes que responderam ao questionário disseram passar oito horas por dia com os bebês e as crianças, enquanto outros 7,7% revelaram passar dez horas diárias em sala de aula, em atendimento de turno único.
“Os impactos dessas diferenças apontadas entre as redes podem afetar a qualidade do serviço prestado, uma vez que os desafios para formação continuada, instrução, lazer e descanso dos docentes, dentre outros, se mostram muito maiores na rede parceira”, afirma o relatório.
Alunos do Centro de Educação Infantil (CEI) Jardim Centenário I, no bairro Vl. Nova Cachoeirinha, Zona Norte de SP. — Foto: Divulgação/Secom/PMSP
Íntegra da nota da Prefeitura de SP
"A Prefeitura de São Paulo, através da Secretaria Municipal de Educação (SME), esclarece que todas as unidades de ensino passam por vistorias antes da implantação e durante o ano letivo e seguem orientação normativa que estabelece padrões de qualidade. Além disso, são acompanhadas pelas Diretorias Regionais de Educação (DREs). Somente neste ano, 44 CEIs tiveram a administração substituída em função de fiscalização das DREs. Os imóveis são locados para atendimento pelas parceiras em razão de dificuldade de localização de terrenos para construção. Importante ressaltar que, preocupada com a qualidade da educação ofertada, dada a universalização do acesso à educação infantil, a SME realizou no ano de 2019 uma primeira ação de avaliação externa para observar contextos de aprendizagem. Com isso, objetivou qualificar os tempos e espaços dos Centros de Educação Infantil e Pré-Escola.
Fazem parte desse projeto a qualificação dos espaços, novas obras, busca de novos prédios, ampliação da formação dos professores e implementação curricular. Adequações nos espaços e mudanças para atendimento das recomendações do TCM estão em estudo. Será providenciada a inclusão das plantas/ croquis em sistema, de forma legível, porém vale esclarecer que todos os CEIs possuem pelo menos uma área externa cadastrada. Os professores da rede possuem formações pedagógicas através dos Centros de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAIs). Os CEIs parceiros contam com Atendimento Educacional Especializado (AEE) no formato itinerante e realizado pelo Professor de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (PAAI). As atividades nos CEIs são voltadas para o cuidar e o educar, ampliando as situações de aprendizagem das crianças desde bebês, respeitada cada faixa etária. Essas ações são voltadas para todos os bebês e as crianças.
A avaliação da educação infantil é tão importante que é parte do projeto da SME e da prefeitura com vistas a qualificar, cada vez mais, as políticas públicas educacionais voltadas à infância. Está em planejamento uma nova aplicação. A SME já prestou esclarecimentos ao TCM e permanece à disposição para quaisquer esclarecimentos".