Por Beatriz Castro, TV Globo


O que pode estar acontecendo com a saúde mental dos estudantes brasileiros?

O que pode estar acontecendo com a saúde mental dos estudantes brasileiros?

Áudio inédito obtido pelo Fantástico mostra a chamada feita pela assistente de gestão da Escola de Referência em Ensino Médio (Erem) Ageu Magalhães para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) pedindo socorro e relatando crise de ansiedade coletiva (veja vídeo acima).

“Eu estou com dez alunos com crise nervosa, crise de ansiedade, não sei como lhe dizer. E assim, tá incontrolável”, diz a mulher.

A chamada foi feita na tarde do dia 8 de abril. Ao todo, 26 alunos foram atendidos pelo Samu. No mesmo dia, uma mensagem enviada pela diretora do colégio aos pais circulou entre grupos de conversa da escola contando o que aconteceu.

Alunos tiveram crise coletiva de ansiedade em escola estadual no Recife — Foto: Reprodução/WhatsApp

“Quando cheguei de uma reunião, às 14h, a sala dos professores estava com seis estudantes passando mal. Mais alguns no refeitório, outros embaixo da rampa. E o pessoal da gestão, da coordenação, professores, dando esse apoio aos meninos”, disse a diretora no áudio.

Na mensagem, ela continuou contando que, quanto mais o tempo passava, a situação ficava pior. “O tempo ia passando e chegando mais meninos. E aí, chegou um momento que eu disse: gente, não tem condições de a gente continuar. Nós precisamos chamar o Samu”, declarou.

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Era dia de prova para alunos do Ensino Médio. Quem estava lá, relatou não esquecer. “O que eu vi foi muitas pessoas passando mal, desmaiando. Eu fiquei bastante nervosa. Inclusive foram até pessoas da minha sala”, afirmou uma aluna, acrescentando que três estudantes passaram mal dentro da sala em que estuda.

Segundo ela, a situação era ainda pior no pátio da unidade de ensino. “Enquanto a gente passa no pátio, várias pessoas se batendo, se tremendo, chorando, outras pessoas também estavam passando, gritando, pedindo socorro, ajuda”, descreveu.

Aluna disse que viu muitas pessoas passando mal e desmaiando — Foto: Reprodução/TV Globo

A jovem afirmou que estava no meio da prova quando chamaram e disseram que não tinha condições de continuar com a avaliação. “Aí, rapidamente a gente pegou as coisas e se retirou da escola”, disse a estudante.

Não foi fácil presenciar tudo isso. A mãe da aluna que testemunhou a crise de ansiedade dos colegas disse como a filha estava quando a encontrou. “Eu comecei a acalmar ela, porque ela estava se tremendo muito, muito alterada”, relembrou.

Uma vizinha da escola contou que viu, nos arredores do colégio, o clima de tensão. “Vários alunos saindo desacompanhados, em grupos, com bastante cara de desespero, de assustados, andando pelas calçadas”, afirmou.

Ela também contou que foi possível presenciar uma aluna desmaiada sendo carregada por um grupo de oito alunos. “Outros pegando nos braços, ela completamente desfalecida. Pararam no estacionamento até que veio outro aluno correndo para ajudar a levar de volta para a escola”, recordou.

Primeira ocorrência o tipo

Vídeo mostra atendimento a estudantes que tiveram crise de ansiedade em escola no Recife

Vídeo mostra atendimento a estudantes que tiveram crise de ansiedade em escola no Recife

Foi a primeira vez que as equipes do Samu foram chamadas pra atender esse tipo de urgência no Recife. Ao todo, 16 profissionais, em seis ambulâncias e duas motocicletas prestaram socorro aos estudantes. A ação durou em média uma hora.

O coordenador geral do Samu Recife, Leonardo Gomes, afirmou que a informação inicial recebida pelo Samu era de que eram apenas dez pessoas passando mal. Quando chegou lá, a equipe constatou que alguns estavam, de fato, desmaiados.

“Alguns com a pressão muito baixa, o ritmo cardíaco muito acelerado, porém não havia ninguém grave, ou seja, a gente não pode confirmar que se tratava de uma alteração psicológica de fato das crianças, mas naquele momento elas estavam precisando de atendimento médico e assim foi feito”, garantiu Leonardo Gomes.

O coordenador geral do Samu Recife, Leonardo Gomes — Foto: Reprodução/TV Globo

E diante da quantidade de adolescentes, o Samu ativou o protocolo de atendimento de múltipla vítimas. Os estudantes tiveram que ser atendidos no local mesmo, mas ninguém precisou ir para um hospital.

“A cena, na verdade, é uma cena como um grande acidente, como quando a gente tem como a queda de um avião, a queda de uma arquibancada, de um edifício, de um desmoronamento. Havia uma cena de atendimento sim de múltiplas vítimas”, detalhou.

Efeito dominó

Neuza Pontes disse que tudo começou com uma estudante — Foto: Reprodução/TV Globo

A crise coletiva de ansiedade surgiu em período de provas, as primeiras desde o retorno das atividades presenciais na rede estadual em meio à pandemia da Covid-19, conforme apurado pela TV Globo na unidade de ensino.

A gerente regional de educação da Secretaria de Educação de Pernambuco, Neuza Pontes, disse que tudo começou com uma estudante.

“Começou com uma situação de uma estudante, de apresentar angústia, ansiedade, medo e que acabou gerando um efeito dominó junto a outros colegas”, observou.

Ela disse que, quando outros alunos foram demonstrando os sintomas, a equipe da escola precisou dar atenção a todos. “Quando a gente fala de equipe, a gente fala da gestão, coordenação, dos próprios professores e então os outros estudantes foram sendo liberados”, disse Neuza Pontes.

Durante a semana, teve gente que duvidou dessa ansiedade coletiva, mas a gestora afirmou que isso foi descartado.

“Foi descartada pela própria equipe médica do Samu fingimento, uso de drogas, ou de bebidas, todas essas situações, intoxicação alimentar, tudo isso foi descartado. Existe um laudo, né? O médico que descarta relaciona os efeitos apresentados. A sudorese, batimento cardíaco, são relacionadas a uma crise de ansiedade”, ressaltou Neuza Pontes.

Pandemia ampliou problema

Carolina Campos acredita que a pandemia ampliou um problema que a gente já vinha vivenciando — Foto: Reprodução/TV Globo

Para a diretora executiva da consultoria de inteligência educacional Vozes da Educação, Carolina Campos, a pandemia ampliou um problema que a gente já vinha vivenciando antes.

“Então ansiedade, depressão, burnout, síndrome do pânico, aquela coisa de se cortar. Tudo isso já eram situações que vinham antes da pandemia nas adolescências. Mas agora com a pandemia isso aumentou de uma forma exponencial”, observou.

Ela acrescentou que o jovem tem algo que se chama de contágio emocional. “Quando um jovem vivencia isso, ele consegue contaminar o ambiente de uma forma muito rápida. Por isso, acontece esse tipo de situação que aconteceu no Recife”, destacou.

O professor de psiquiatria da infância e adolescência da Universidade de São Paulo (USP), Guilherme Polanczyk, ressaltou que os adolescentes têm nos amigos figuras de identificação. É um processo normal da adolescência passar a seguir os mesmos padrões e comportamentos.

“Mas é claro que não é em qualquer adolescente que isso vai acontecer, são adolescentes que muito provavelmente tem uma suscetibilidade prévia, uma fragilidade, do ponto de vista emocional, devem estar abalados, devem ter amigos próximos também abalados e eventualmente esse sofrimento pode se potencializar e os comportamentos se repetirem”.

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