Descrição de chapéu enem

'Atravessa a Vida' contrasta medo e esperança de estudantes que prestam o Enem, diz diretor

O documentário que acompanha a preparação de alunos de uma escola pública foi debatido nesta quarta-feira (27)

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São Paulo

Diretora comprometida, professores empáticos, discussões que estimulam o pensamento crítico e amparo emocional são alguns dos pilares expostos no documentário “Atravessa a Vida”, de João Jardim, que mostra o diferencial da escola estadual Dr. Milton Dortas em comparação com outros exemplos do ensino público no país.

Localizada no município de Simão Dias, no interior de Sergipe, a escola já foi palco para reportagem da Folha quando, em 2016, teve o melhor resultado no Enem, considerando outros centros educacionais do país que reúnem alunos de baixa renda.

Na filmografia de João Jardim, a temática de educação já havia sido retratada em “Pro Dia Nascer Feliz” (2005), que contrasta as realidades de alunos em escolas públicas e particulares.

“Agora a ideia era fazer um filme sobre esse momento de sair da escola, a preparação para o Enem e o que viria depois. O que o adolescente vive naquele momento em que ele vai se separar daquelas pessoas que o protegeram por vários anos”, diz Jardim em debate realizado pela Folha nesta quarta-feira (27).

O foco do documentário não é mostrar o colégio apenas como um centro de excelência, mas acompanhar o caminho – cheio de percalços – de alunos do terceiro ano que irão enfrentar o exame. Durante três meses, a equipe de Jardim registrou a rotina dos estudantes dentro e fora da sala de aula, as dinâmicas realizadas pelos docentes e o esforço e cansaço da diretora que tenta estruturar a grade curricular, fiscalizar professores, auxiliar alunos e administrar uma interminável reforma no local, tudo ao mesmo tempo.

O repórter Paulo Saldaña, que fez a mediação da discussão e teve a oportunidade de conhecer a diretora da escola, Daniela Santos Silva, indagou os debatedores sobre o papel fundamental deste profissional para integrar a escola.

“Quando a gente coloca professores 40 horas numa única escola, em tempo integral, as chances dessa interação mais empática acontecer entre eles e os alunos, é muito maior”, afirma Claudia Costin, colunista da Folha e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV.

Para ela, é importante que a escola tenha uma cultura de colaboração e espírito de equipe. “Eu acredito em política educacional como política pública, o que quer dizer pensar as escolas em rede. Assim, você pensa na formação de diretores que têm esse perfil, que vão olhar como a Daniela para a gestão da escola.”

Durante o documentário, João Jardim capta aulas de filosofia, história e português em que os professores levantam debates sobre temas como pena de morte e ditadura, mas também indagações sobre futuro, carreiras e suicídio de jovens. Ele conta que, no início, os alunos não ficavam à vontade com a câmera, mas com o convívio conseguiram desenvolver uma relação de cumplicidade e se expressar mais.

A interação dos jovens com a câmera não ficou restrita apenas às opiniões nos debates, mas também ao desabafo de angústias, traumas e, principalmente, o medo da transição para outra etapa da vida.

“O que a gente fez ali foi tentar jogar uma luz sobre esses dois aspectos, tem um monte de medo, mas um monte de potência e esperança. Essa angústia do Enem é algo que a gente vive até o fim da vida: o quanto eu tenho de potência para dar conta dos desafios”, destaca o cineasta.

Costin argumenta que no Brasil existe uma infantilização dos adolescentes. Comparando com um modelo de ensino da Finlândia, ela defende que é preciso lidar com os problemas de comportamento diretamente com os jovens e não com os pais. “Lógico que não é fácil, mas por outro lado, se a gente consegue ser persistente, o jovem começa a se comportar de uma maneira mais madura e arca com as consequências das suas atitudes equivocadas”.

Saldaña também questionou sobre a forma como o documentário aborda o ambiente escolar como um espaço importante para tecer vivências fora da sala de aula.

"Existem conteúdos básicos que são muito importantes. Mas, no geral, considerando que são muitos dias no ano, aquelas relações humanas ali dentro, a maneira como eles se relacionam com as outras pessoas, o que sentem e pensam é o que tem de mais interessante”, diz o diretor.

Costin também defendeu a importância do ensino presencial acima de propostas de ensino doméstico ou a distância. Para ela, a escola é a introdução organizada para a vida em sociedade. "Nada substitui a interação que a gente vive na escola, por mais incompleta e precária que seja. Nada substitui a hora do recreio, a interação entre professores e alunos em contextos informais."

Os debatedores concordaram que a questão social interfere consideravelmente nas inseguranças desses jovens. Além do Enem, programas federais como Sisu, ProUni e FIES possibilitaram a entrada de alunos de baixa renda no ensino superior público e privado, mas a pandemia prejudicou a preparação de muitos estudantes para o exame, realizado este mês.

Na visão de Costin, a desigualdade educacional no Brasil vai aumentar brutalmente. “Ainda vamos ter que dar alguns passos para trás para trazer de volta essa moçada que o Enem provavelmente excluiu com essa altíssima abstenção.”

O filme está em cartaz nos cinemas do país. Em fevereiro, entra para o catálogo do Globoplay e em outros serviços de vídeos on demand, como Vivo, Now e Tamanduá TV. O documentário também será exibido na GloboNews no dia 7 de fevereiro.

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