Brasil Educação

Ataques a tiros evidenciam falhas na formação emocional de jovens, dizem educadoras

Repetição de atentados em escolas, como o que aconteceu em Suzano (SP), mostra que, embora o Brasil tenha leis que estimulam educação socioemocional dos estudantes, medidas não saem do papel
Escola Professor Raul Brasil, em Suzano, onde ocorreu atentado Foto: Reprodução Facebook
Escola Professor Raul Brasil, em Suzano, onde ocorreu atentado Foto: Reprodução Facebook

RIO - Desde 2011, o Brasil já registrou pelo menos três ataques emblemáticos a escolas. O mais recente aconteceu na manhã desta quarta-feira em Suzano, no interior de São Paulo. Embora ainda não se saiba a motivação dos dois ex-alunos que mataram sete estudantes e uma funcionária, suicidando-se em seguida, especialistas apontam que a escolha da escola como cenário para o crime já é um indicativo da relação ruim desses atiradores com o ambiente escolar.

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De acordo com educadores, ainda que o Brasil tenha algumas leis e documentos que estimulem uma formação que se preocupe com o socioemocional dos estudantes, não há medidas concretas implementadas nas escolas do país nesse sentido, o que pode explicar a frequência desses casos no noticiário nos últimos anos.

— Esses jovens poderiam ter ido a qualquer outro lugar com mais gente. Isso leva a pensar que o significado da escola era muito ruim para eles. Estudos demonstram que o clima escolar é uma percepção subjetiva, e ele pode ser extremamente hostil para alguns alunos — analisa Telma Vinha, professora da Unicamp que coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral  (Gepem), especializado em estudos sobre clima escolar e desafios de convivência

A educadora argumenta que a ocorrência de novos casos de violência demonstra que o problema não foi atacado em sua essência. Segundo ela, as escolas brasileiras estão sempre apagando os incêndios, mas sem a implementação de projetos que revertam de fato o quadro.

—  A Lei de Diretrizes e Bases da educação diz que a escola deve promover uma cultura de paz, também temos uma lei antibullying muito boa, mas as escolas estão muito longe de conseguir criar um ambiente onde o clima seja positivo, trabalhando a convivência de maneira preventiva — diz Vinha.

A professora da Unicamp também critica a falta de uma política de formação para preparar os profissionais da escola a lidarem com aspectos socioemocionais e criarem um clima positivo.

— Se não fizermos isso, sempre teremos pessoas que sofrem na escola. As escolas atuam como bombeiro, depois que ocorre fazem alguma coisa, mas não é por má vontade delas. — critica Vinha. — Na Espanha, por exemplo, desde 2005 as escolas são obrigadas a fazer um plano de convivência.

A psicóloga Renata Bento, especialista em criança, adulto, adolescente e família, diz que a escolha do lugar pelos atiradores não foi por acaso. Segundo ela, o fato de organizarem um ataque a sua antiga escola pode significar que eles passaram por situações de opressão ali, e o fato de conhecerem bem o local também contribui.

— Ainda não temos informações sobre o histórico dos atiradores, mas esse ataque pode ser uma espécie de vingança. Eles poderiam viver em uma posição vulnerável naquele local e essa foi uma forma de retornarem mais potentes — disse Renata. Ela credita que o ataque pode ter sido motivado por bullying e problemas de autoestima, assim como casos recentes.

Em uma publicação no Twitter, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, manifestou seus sentimentos às famílias das vítimas e repudiou a violência cometida. Vélez disse ainda que vai acompanhar de perto a apuração dos fatos.

A pesquisadora da Unesp Luciene Tognetta, que também coordena o Gepem, diz que as políticas públicas desenvolvidas nesse sentido chegam quase sempre tarde demais.

— Essa prevalência só nos mostra quão atrasada chega a Base Curricular. O quanto uma política em relação a isso deveria ter começado há muito tempo. Temos uma Base que diz que as escolas devem proporcionar aprendizagem de habilidades socioemocionais, mas não sabemos como fazer isso — afirma.

Ela destaca a necessidade de pensar currículos que levem em conta a preparação do aspecto emocional dos estudantes.

— Esses casos têm acontecido devido ao fato de as escolas não saberem lidar com a convivência. Precisamos fazer uma organização de currículo que possa dar conta desses conteúdos socioemocionais. Ninguém está falando que não vai ter aula de matemática, mas além dela, vamos trabalhar essas questões.

Apoio pós-trauma

Tognetta afirma que, após uma tragédia como a de Suzano, o assunto não pode virar um tabu nas escolas que passam por episódios assim.

Instituições públicas e privadas estão igualmente suscetíveis a esses casos, em sua avaliação, mas as escolas particulares costumam ter uma rede de apoio mais sólida devido ao maior número de recursos.

— A escola vai ter que lidar com esse sofrimento, e lidar não significa escondê-lo. É necessário abrir espaço para reconhecer sentimentos, discutir o que aconteceu e por que aconteceu. É preciso fazer as crianças serem ouvidas. A "posvenção" é tão necessária quanto a prevenção.

As pesquisadoras afirmam que a necessidade de uma atitude por parte das escolas após esse tipo de atentado não pode ser confundida com aumento da repressão e do policiamento — medidas que funcionam a curto prazo, mas que não são boas para formação.

—  O que não deve ser feito é usar políticas de fiscalização de rigor, como implementar detectores de metais, aumentar a presença da polícia. Deve-se criar uma escola mais democratizante, um ambiente mais acolhedor —  explica Telma Vinha. — Não devemos pensar em soluções a curto prazo, que atendam o clamor popular. É preciso construir uma escola que forme pessoas mais seguras, autônomoas, do que implementar ações de controle e repressão.

As especialistas alertam para a possibilidade de que o acesso facilitado às armas — uma das metas do atual governo — facilite a ocorrência de casos como esse.

Mesmo que a intenção de agredir outra pessoa não dependa do acesso a armamento, as consequências são muito mais graves quando os agressores conseguem armas de fogo.

— Há pesquisas que mostram que, quando a arma é liberada, isso acaba promovendo a violência a longo prazo. Nós, educadores, somos radicalmente contra a ampliação do acesso. Se esses jovens não tivessem acesso à arma, a agressão poderia ocorrer do mesmo jeito, mas a letalidade do ato seria muito menor — destaca Vinha. — Existe uma tendência do governo de trazer para o individual algo que deveria ser política de Estado, como a segurança.