Rio Bairros Bairros

Atenção ao emocional: aspectos psicológicos ganham destaque no planejamento das escolas para a volta ao regime presencial

Aulas com foco em habilidades socioemocionais ganham horas na grade e colégios continuarão a ter ensino remoto
Pequena aluna do Santo Agostinho reza: uma das preocupações das escolas é tranquilizar os estudantes na volta às salas de aula Foto: Divulgação / Divulgação
Pequena aluna do Santo Agostinho reza: uma das preocupações das escolas é tranquilizar os estudantes na volta às salas de aula Foto: Divulgação / Divulgação

RIO - A pandemia e o confinamento fizeram as escolas iniciarem uma revisão quase total de seus sistemas. E não só porque de repente se viram mergulhadas no universo das aulas on-line ou porque agora enfrentam o desafio de se adaptar às regras impostas pela pandemia de Covid-19 para funcionar com segurança. Nem porque ainda não há certeza de quando as aulas presenciais serão retomadas ou como será distribuído o conteúdo pedagógico previsto para este ano escolar. O mais difícil será ajudar os alunos na readaptação à rotina escolar.

O pilar socioemocional no ensino acadêmico, que já vinha ganhando destaque entre pedagogos e está entre as competências básicas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), agora ganha ainda mais relevância. Muitos estudantes não se adaptaram ao sistema remoto, por diferentes motivos: não têm ambiente favorável para estudar em casa, sentem falta dos amigos, ressentem-se de problemas de convivência na família, não conseguem se concentrar por temerem o contágio pelo novo coronavírus, desenvolveram angústia ou ansiedade com as indefinições do momento, ainda elaboram a perda de parentes. Num cenário tão complexo, o suporte da instituição de ensino se faz mais necessário.

— Primeiro teremos que harmonizar o coração e a mente deles. Aí, o conteúdo virá junto — diz José Wagner Rodrigues da Cruz, diretor do Colégio Marista São José.

José Wagner Rodrigues da Cruz, diretor do Colégio Marista São José. Foto: ROBERTO MOREYRA / Roberto Moreyra
José Wagner Rodrigues da Cruz, diretor do Colégio Marista São José. Foto: ROBERTO MOREYRA / Roberto Moreyra

A insegurança assombra muitos estudantes, observa a supervisora psicológica do Pensi, Ana Coquito:

— Vemos que muitos têm a sensação de não estarem aprendendo. Mas, quando conversamos, percebemos que aprenderam um monte de coisas. Queremos pensar coletivamente para tentar entender como estamos crescendo agora. E se não tivermos crescido, tudo bem também. É um momento muito difícil mesmo.

Leia mais : Depressão aumenta entre crianças e adolescentes durante a pandemia

Para o retorno ao modelo presencial, inicialmente previsto para julho e agora sem data, segundo a Secretaria municipal de Educação, as escolas já se preparam para um momento de avaliação e diagnóstico do aluno pós-quarentena.

— A criança pequena voltará para a escola depois de três meses do lado dos pais dentro de casa. Precisaremos de uma adaptação na ponta dos dedos — diz Vinicius Canedo, diretor-executivo do Mopi, onde a disciplina Qualidade de Vida ganhou mais espaço na grade curricular como consequência da pandemia.

Diretora do Colégio e Curso De A a Z, Marina Stefano Foto: ROBERTO MOREYRA / Roberto Moreyra
Diretora do Colégio e Curso De A a Z, Marina Stefano Foto: ROBERTO MOREYRA / Roberto Moreyra

No Eleva, foi criado em 2015 o programa LIV (Laboratório de Inteligência de Vida), que já é oferecido em centenas de escolas no país e trata das habilidades socioemocionais em todas as idades. Desde o início da quarentena, o projeto teve conteúdos específicos para ajudar as famílias a se adaptarem à realidade imposta pela pandemia. Na semana passada, foi lançado o LIV Aproxima: Guia de Acolhimento na Volta à Escola, prevendo etapas para a retomada.

— Esse material estará aberto para qualquer escola usar. Planejamos, por exemplo, três tempos, acolhimento, elaboração e ancorada, que podem se sobrepor cronologicamente. Na elaboração, faremos escutas individuais. Em seguida, trabalharemos também o luto dos alunos — explica Joana London, psicóloga e gerente pedagógica do LIV.

Aluna do Mopi assiste à aula on-line Foto: Divulgação / Divulgação
Aluna do Mopi assiste à aula on-line Foto: Divulgação / Divulgação

Os desafios da volta às aulas pós-pandemia serão tema de um webinar que será realizado quarta-feira,  dia 30, às 16h, pela plataforma Zoom. Entre os debatedores estarão Ana Ramos, diretora do Colégio Cruzeiro, do Rio. A mediadora será a doutora em Educação Karla Righetto. Inscrições até esta terça-feira, pelo link https://forms.gle/jrjGR2WHT7a5dC8J8 .

Ensino remoto mesmo depois do retorno ao colégio

Se estão totalmente no modelo on-line agora, a mudança para as aulas presenciais não será brusca em muitas instituições. Além de o ensino híbrido (que une conteúdos presenciais e on-line) já ser visto como o novo normal na educação, diversas escolas decidiram que os alunos que não quiserem voltar ao modelo presencial assim que ele for retomado poderão seguir acompanhando as aulas de casa. Há preocupação com pais que temem a contaminação dos filhos e com alunos portadores de doenças crônicas que os colocam no grupo de risco para a Covid-19.

— Teremos as aulas presenciais com transmissão ao vivo, para os alunos que estarão em casa — anuncia Marina Stefano, diretora das unidades Barra e Recreio do Colégio e Curso de A a Z. — E continuaremos com tudo o que está acontecendo agora, como a monitoria, as provas e os simulados on-line e as lives.

A professora Aline Goulart, 4º e 5º ano, Matemática e Geografia interage com alunos do colégio Miraflores Foto: Divulgação/Miraflores / Divulgação/Miraflores
A professora Aline Goulart, 4º e 5º ano, Matemática e Geografia interage com alunos do colégio Miraflores Foto: Divulgação/Miraflores / Divulgação/Miraflores

No Marista São José, a transição para o modelo híbrido estava sendo estudada, e, com a quarentena, veio para ficar.

— Já era nosso desejo ter o ensino à distância bem trabalhado. Os professores puderam botar em prática o que já estavam treinando há dois anos e meio. Agora vamos precisar mudar as ferramentas para os alunos seguirem motivados e não se cansarem do modelo — aponta o diretor José Wagner Rodrigues da Cruz.

Outras medidas comuns entre as escolas serão os diferentes horários de entrada, saída e recreio, para evitar aglomerações, e a divisão das turmas em grupos, que vão se alternar nas aulas presenciais. As escolas correm para disponibilizar equipamentos com internet, câmeras e microfones nas salas de aula.

— Estamos pensando em nos basear na técnica 10-4, que surgiu em Israel, em que o aluno fica quatro dias na escola e dez em casa. Assim há mais tempo para os sintomas da Covid-19 se manifestarem e ele não voltar, caso se contamine. Uma turma de 25 alunos, por exemplo, será dividida em três grupos — planeja Vinicius Canedo, do Mopi.

Atenção especial aos muito pequenos e aos vestibulandos

Durante a quarentena, a preocupação maior tem sido com os pequenos do ensino infantil e com os jovens do 3º ano do ensino médio. As crianças menores dependem dos pais para as ajudarem no modelo on-line, inclusive a manter a atenção na aula. E os mais velhos, em ano de vestibular, quando sempre há mais cobrança por resultados, ainda têm de conviver com as indefinições que cercam o Enem, como a nova data e a decisão de fazer a prova on-line ou na modalidade presencial.

— Para os pequenos, precisamos mostrar que a escola não sumiu, que a sua professora estava ali, pensando nele e falando com ele — pontua Márcia Figueiredo, psicóloga e psicopedagoga do Colégio Miraflores, que atende alunos de até 11 anos.

Ricardo, de 3 anos, aluno do maternal 2, inicialmente teve essa impressão.

— Houve um momento nas aulas gravadas em que ele entendeu que as professoras não estavam de fato com ele e perdeu o interesse. Até que elas começaram a ligar, a comentar sobre os trabalhinhos. Isso o animou — recorda a mãe de Ricardo, a designer de interiores Sylvia Graça Mello.

Aluno Ricardo, de 3 anos, assiste à aula de cultura popular no colégio Miraflores Foto: Divulgação / Divulgação
Aluno Ricardo, de 3 anos, assiste à aula de cultura popular no colégio Miraflores Foto: Divulgação / Divulgação

O acompanhamento da família nesta faixa está sendo essencial. Bruna Bahiense, diretora acadêmica da educação infantil no Colégio Bahiense, aponta uma atenção maior para a alfabetização:

— Os pais estavam angustiados, é um ano muito importante. Quando viram que as crianças estavam evoluindo, ficaram mais tranquilos. Pais muito ansiosos podem afetar na educação também.

Para a volta do modelo presencial, há ainda a preocupação com o contato físico entre os menores.

— Vamos apresentar tudo de forma lúdica. Não focando na proibição, mas apresentando o novo cumprimento, e mostrando que o amiguinho também vai se sentir abraçado assim — explica Ana Coquito, do Pensi.

Vinicius Silveira, professor de física do Colégio e Curso de A a Z Foto: Divulgação/Colégio e Curso de A a Z / Divulgação/Colégio e Curso de A a Z
Vinicius Silveira, professor de física do Colégio e Curso de A a Z Foto: Divulgação/Colégio e Curso de A a Z / Divulgação/Colégio e Curso de A a Z

Uma das estratégias do Miraflores na quarentena tem sido manter os horários e dias das aulas de música e educação física como eram no modelo presencial, uma forma de diminuir o impacto na rotina do aluno. Isso também é aplicado para os mais velhos. No Santo Agostinho, atividades como saraus e reuniões com representantes de turma do ensino médio tiveram as datas mantidas. No colégio, está sendo montada uma ampla rede de suporte para quando os alunos voltarem. A equipe multidisciplinar terá psicólogos e psicoterapeutas.

— Preparamos uma versão especial para os alunos da 3ª série do ensino médio, que têm que enfrentar a pandemia em um ano já cheio de particularidades — diz o diretor da unidade, frei Francisco José Ariza.

Nas escolas que contam com o programa LIV, como Pensi e Eleva, os vestibulandos participaram de debates sobre o adiamento do Enem quando ele era ainda uma possibilidade. Um dos objetivos foi trabalhar a empatia em relação aos estudantes que também farão o exame e não têm fácil acesso à internet e a computadores.

Gestores se unem para discutir protocolos sanitários

Quando as aulas voltarem, os cuidados de cada colégio com sanitização e segurança de alunos e funcionários será determinante para a tranquilidade de toda a comunidade escolar.

Equipe faz sanitização no colégio Marista São José Foto: Divulgação/Colégio Marista São José
Equipe faz sanitização no colégio Marista São José Foto: Divulgação/Colégio Marista São José

Além de tomar as medidas recomendadas pelo poder público — como uso de máscaras por todos, instalação de dispensers de álcool em gel, sanitização periódica dos ambientes, treinamento dos profissionais, sinalização para demarcar distanciamento, aferição de temperatura na entrada e ventilação adequada —, um grupo de gestores de diferentes escolas do Rio decidiu se reunir virtualmente para trocar experiências e aprimorar o processo de volta.

— Pela primeira vez, vi um movimento de escolas assim. Este momento é de união, de trocarmos informações e contatos de fornecedores. As reuniões ficam gravadas e são compartilhadas com quem não pôde participar — conta Bruna Bahiense, diretora do Colégio Bahiense.

Porteiro e funcionária do Colégio Bahiense mostram como serão os cuidados contra a Covid-19 na chegada ao colégio Foto: Divulgação/Ariel Subirá / Divulgação/Ariel Subirá
Porteiro e funcionária do Colégio Bahiense mostram como serão os cuidados contra a Covid-19 na chegada ao colégio Foto: Divulgação/Ariel Subirá / Divulgação/Ariel Subirá

A escola realizou uma pesquisa com os responsáveis em que havia três opções de resposta: “Meu filho voltará assim que a escola reabrir”, “Meu filho só retornará quando houver uma vacina disponível para a Covid-19” ou “Aguardarei um tempo para observar o processo de retorno presencial e decidir”. A maioria deles marcou a terceira opção. Na unidade de Jacarepaguá, esta correspondeu a 55,3% das respostas. Outros 36,2% pais ficaram com a primeira; e 8,5%, com a segunda.

O Mopi recorreu a uma consultoria da Rede D’Or para preparar a volta.

— No nosso comitê de retomada, somos pedagogos e gestores, não profissionais da saúde. Para os pais se sentirem seguros, tivemos necessidade de fazer uma aliança com uma empresa do segmento — justifica o diretor Vinicius Canedo.

No Colégio Inovar Veiga de Almeida, os alunos precisarão trocar de roupa ao chegarem à escola, e as compras na cantina serão feitas on-line previamente. A mudança de roupa na entrada é uma opção analisada também pelo Bahiense.

SIGA O GLOBO-BAIRROS NO TWITTER ( OGlobo_Bairros )