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'Até agora o bullying não foi levado a sério', dizem educadores

Autoridades suspeitam que adolescente que atirou em colegas em escola de Goiânia era vítima de agressões
Movimentação em frente à escola Goyases, onde aconteceu o ataque Foto: Reprodução
Movimentação em frente à escola Goyases, onde aconteceu o ataque Foto: Reprodução

RIO— A suspeita de que o autor dos disparos que deixaram pelo menos dois mortos em uma escola em Goiânia tenha sido alvo de bullying pelos colegas reacendeu a discussão sobre o tema. No Brasil, segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), divulgados em abril deste ano, 17,5% dos alunos brasileiros na faixa dos 15 anos que participaram da última edição do exame diziam ser alvo de algum tipo de bullying. Embora o número seja alto, especialistas destacam que a questão ainda é relegada a segundo plano tanto pelas escolas, quanto pelo poder público.

— Nessa situação falharam os pais e falhou a escola. E quem vai pagar são as vítimas e o menino que fez os disparos, que também vai ter sua vida destruída. Alguém falhou com ele. Enquanto estivermos fazendo apenas campanhas de "Diga não ao bullying" e as políticas públicas não estiverem voltadas de fato para projetos sistematizados a partir de investigações e não de senso comum, continuaremos vendo casos assim - criticou a pesquisadora da Unesp Luciene Tognetta, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem). — Não temos incentivos a políticas públicas sobre o tema, porque também não temos incentivo a pesquisas na área de ciências humanas no Brasil. É necessário deixar claro que, infelizmente, neste país, temos um atraso terrível em pensar questões de convivência na escola.

Luciene é uma das coordenadoras de um programa de combate ao bullying presente em 11 escolas públicas e particulares no estado de São Paulo. No projeto, desenvolvido pelo Gepem, pesquisadores da Unesp e da Unicamp treinam alunos dessas instituições para atuarem ativamente contra esse tipo de comportamento, formando as chamadas "Equipes de ajuda". Os estudantes aprendem como identificar vítimas e agressores e são instruídos a mediar os conflitos entre eles. A experiência na área, de acordo com Luciene, evidencia outro problema recorrente: a falta de formação dos professores para lidar com os casos.

— Qual o plano mais eficaz para que o bullying não aconteça? O jeito é que os alunos possam ser protagonistas e intervir, mas para isso preciso de professores formados que entendam essa necessidade e informem os estudantes. O bullying é um problema de convivência entre pares que não só muitos professores ignoram, porque estão preocupados com o conteúdo que vai cair no vestibular, como desconhecem, porque nunca tiveram formação sobre isso.

A educadora Andrea Ramal defende que o tema seja colocado no centro do debate educacional e não seja apenas visto como um tópico secundário.

— Até agora o bullying não foi levado a sério. Ele é trabalhado de uma maneira muito isolada nas escolas. Às vezes há um projeto que promove empatia, mas, na maior parte das vezes, as escolas ainda fazem vista grossa, não chamam as famílias para conversar. Quando há um caso desses, as pessoas acordam para o problema, os pais falam com os filhos, as escolas fazem projetos, mas depois de um tempo tudo acaba esquecido.

Os dados do Pisa detalham ainda os tipos de bullying sofridos. De acordo com a estatística,  9,3% do brasileiros relataram que já foram alvo de zombarias dos colegas algumas vezes por mês. Outros 3,2% afirmam que já sofreram alguma agressão física na mesma frequência. Os especialistas orientam que os pais devem estar atentos ao comportamento dos filhos para identificar tanto se eles sofrem quanto se praticam o bullying, para solucionar o problema o quanto antes.

— Os meninos que fazem bullying são crianças que têm comportamento agressivo, podem até ser ex-vítimas e, geralmente, têm pais que reforçam esse comportamento, porque acham legal que o filho comande a turma. Se a criança tem um temperamento forte, se quer fazer as brincadeiras somente do jeito dela, isso pode ser um indício. Quem é a vítima? Um jovem pouco assertivo, que tem comportamento passivo, que não reage quando é incomodado. Pode não querer ir à escola e apresentar queda no rendimento escolar— afirma o psiquiatra infantil Fabio Barbirato, que atendeu algumas vítimas do massacre de Realengo, quando um jovem invadiu uma escola na Zona Oeste do Rio e matou 12 crianças.

CONSEQUÊNCIAS PRECISAM SER TRATADAS

A avaliação internacional também mostrou o impacto das agressões sobre as notas. No caso do Brasil, os estudantes de escolas onde há alta prevalência de bullying tendem a registrar 20 pontos a menos na prova de ciências do Pisa, em comparação com unidades onde o nível de agressão é baixo.

Após o trauma, Barbirato alerta que é importante cuidar das sequelas tanto das vítimas do atentado em Goiânia, quanto do menino que efetuou os disparos:

— A reação ao bullying depende de cada indivíduo, alguns desenvolvem um quadro depressivo, outros um quadro de irritabilidade que culmina em um tiro. O que aconteceu hoje não é diferente do que aconteceu em Columbine. Não é uma perversidade, maldade, porque, quando é perverso, você faz para não ser pego. Foi uma conduta inadequada, impulsiva de alguém que, de alguma forma, estava em uma panela de pressão que explodiu e não teve apoio e suporte de todos os meios envolvidos. São sequelas que precisam ser trabalhadas nas vítimas e no autor.