Jorge Coli

Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.

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Jorge Coli
Descrição de chapéu Interior de São Paulo

Ataques a escolas são sintoma de nazifascismo incubado

Projeto de barbárie foi contido por voto e instituições no ano passado, mas continua ameaçando a civilização no país

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Circula na internet um vídeo mostrando um aluno adolescente que agride seu professor. O aluno puxa a cadeira, por pouco o professor não cai. Vira a mesa no chão e derruba o laptop do professor. O professor é grisalho e de barba branca. À volta, outros alunos admiram a proeza: uma das meninas, em particular, se dobra de rir.

O caso ocorreu na Escola Estadual Professor Carlos Alberto de Oliveira, no centro da cidade de Assis, no estado de São Paulo. Os indicadores assinalam que, no seu conjunto, os estudantes dessa escola provêm de famílias acima da média nacional do Inse (Indicador de Nível Socioeconômico das Escolas de Educação Básica), a maioria deles com pais ou responsáveis que completaram o ensino médio ou o superior. Quer dizer: fazem parte de uma boa classe média, em uma boa cidade de uns 100 mil habitantes.

Policiais em frente a escola estadual na Mooca, em São Paulo - Danilo Verpa - 20.abr.23/Folhapress

Não se trata, portanto, de periferia perigosa, em que a violência é o pão cotidiano. Ela surge de um meio educado, não de um ambiente miserável, em que tudo falta.

De imediato, aquele vídeo indica que o espetáculo dado pelo aluno não é o de uma pulsão agressiva ou descontrolada, mas de um ato calculado. Ele gira à volta do professor como se aquilo fosse um teatro; o aluno tem um público, que participa e pactua com ele. Registrado pelo celular, esse espetáculo se transforma em filme e, na internet, o público se amplia de modo desmedido. A crueldade local, que se quer comédia, circula e termina publicamente condenada.

No caso de Assis, a violência afirma uma convicção de superioridade, demonstrando dominação sobre o outro, do aluno sobre o mestre. Violência e violar são palavras de mesma etimologia. Violar é estuprar, é invadir aquilo que é próprio ao outro, é submetê-lo. As adrenalinas e as endorfinas do ato violento, acompanhadas pela excitação de se exibir como um herói em um meio que valoriza a agressividade enquanto sinal de força e poderio, decerto ofereceram àquele adolescente uma embriaguez intoxicante de prazer.

Os incidentes violentos em escolas têm aumentado. Crianças foram atacadas em Santa Catarina, em Goiás, no Ceará, e uma professora foi assassinada.

O balanço apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a respeito da segurança nas escolas, lista números aterradores de acontecimentos em ambiente escolar em dez dias apenas: 1.595 boletins de ocorrência, 694 intimações de adolescentes, 225 prisões ou menores e crianças apreendidos, 1.224 casos em investigação por todo o país, 756 perfis removidos ou suspensos de plataformas como Twitter e TikTok, 7.473 denúncias recebidas no canal exclusivo do ministério, o Escola Segura. O ministro classificou a situação como uma epidemia de violência.

É uma situação que afeta a rotina dos estabelecimentos, obrigados a reforçar controle e segurança, intensificando o medo, com os espíritos ainda mais excitados pela maldade dos alarmes falsos. Um levantamento da Folha constatou que, nos últimos 30 dias, houve pelo menos 102 projetos de lei nas Assembleias Legislativas dos 26 estados e na Câmara Legislativa do Distrito Federal, relacionados à segurança das escolas: fala-se em um "big brother" escolar.

São abomináveis sintomas de uma sociedade que adoeceu graças a um nazifascismo larvar.

A classe média, em sua maioria, vestiu a camisa das violências intolerantes e seguras de si na sua superioridade. Quando digo superioridade, não significa, está claro, que ela seja de fato superior. Ao contrário, a vulnerabilidade da classe média reside no medo de perder o que possui.

Por essa razão, ela busca, para si mesma e para os outros, os sinais exteriores de sua própria relevância, que vão de roupas e acessórios de marca, dos carros que favorecem a vaidade rasa, ao desprezo expresso em relação aos inferiores —entre eles os professores, com seus salários baixos— ou aos que ela sente como tais, desprezo que atinge seu paroxismo na violência desencadeada. São atitudes próprias a uma classe média arrogante que carece de qualquer projeto civilizatório.

O "big brother" proposto pelos deputados é paliativo de urgência que mal arranha a superfície de uma corrosão infinitamente mais profunda. Não corrige nada, porque o mal está na perda da consciência civilizatória, da convicção que o conhecimento é a base da civilização.

Ao contrário disso, o conhecimento levanta-se como um entrave às afirmações brutais, às escolhas truculentas, aos negacionismos estúpidos, que alimentam o nazifascismo velado. O conhecimento se opõe à falência da civilização. Não é por acaso que as escolas tenham sido alvo de tantas agressões.

Até o ano passado, o Brasil foi dominado por um nazifascismo que se aboletou no poder, franco, direto, exposto, que não disfarçava seu projeto de barbárie. Por pouco ele não se prolongou; se dependesse do interior do estado de São Paulo, se dependesse, por exemplo, da cidade de Assis, estaria ainda no comando federal.

O nazifascismo foi contido pelo voto e pelas instituições, mas isso não quer dizer que nossa sociedade tenha sido saneada da peste. Ela continua incubada, manifestando-se por erupções como essas que só podemos constatar com angústia e tristeza. Enquanto a cultura da truculência brutal continuar presente, a civilização está ameaçada em nosso país.

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