Educação

Ataques a escolas: as recomendações de educadores a Lula para enfrentar a violência extremista

Em novembro, um adolescente matou quatro pessoas e feriu outras dezenas em duas escolas no Espírito Santo; ele vestia roupa camuflada e deixava à mostra a suástica nazista

Jovem com ligação a grupo neonazista promoveu ataque a escolas do Espírito Santo. Foto: Reprodução
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O ataque armado protagonizado por um adolescente em duas escolas de Aracruz, no Espírito Santo, em novembro, acendeu um novo alerta entre comunidades escolares e educadores: o jovem agiu influenciado pelo extremismo de direita. Durante a ação, que deixou quatro mortos e dezenas de feridos, o adolescente usou uma roupa camuflada com a suástica nazista e duas armas do pai, um policial militar.

Não se trata de um caso isolado. São 16 ataques desde o início dos anos 2000, quatro deles no segundo semestre deste ano. Ao todo, 35 pessoas morreram e 72 foram feridas.

O fenômeno inspirou o grupo de educação do governo de transição a elaborar um alerta, entregue em forma de relatório ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um dos coordenadores do grupo temático, o professor Daniel Cara, liderou um trabalho junto a 11 pesquisadores para sugerir ao novo governo reflexões e ações de enfrentamento.

Em 50 páginas, os educadores contextualizam o cenário de violências às escolas, descrevem os métodos utilizados pelos grupos extremistas para cooptar crianças e adolescentes e, por fim, tecem orientações ao futuro governo com ações que podem ser tomadas no âmbito escolar e além dele para o devido enfrentamento ao problema.

Contexto

Um dos pontos para os quais os pesquisadores chamam a atenção é que esse tipo de atentado movido por ideais extremistas e que tem como alvo a escolanão é a mesma coisa que a violência escolar, que acontece no interior das instituições e, muitas vezes, está ligadas a questões relacionais. Os pesquisadores destacam que a violência escolar, entretanto, colabora para a emergência do extremismo de direita e a consequente cooptação de jovens e adolescentes e que, nesse sentido, se retroalimentam.

A avaliação é a de que o caso de Aracruz, e outros parecidos, estão relacionados ao contexto político do País, que deu espaço ao avanço de discursos de ódio e movimentos extremistas, e à falta de controle sobre grupos que disseminam esses conteúdos, sobretudo na internet.

“O adolescente ou jovem é exposto com frequência ao conteúdo extremista difundido em aplicativos de mensagens como Telegram, Whatsapp, Discord, chats de jogos, fóruns de discussão e redes sociais”, escrevem os pesquisadores. “Esse tipo de propagação de conteúdo por compartilhamento acaba fazendo com que os próprios adolescentes também contribuam para a cooptação promovida pela extrema direita.”

Os especialistas também avaliam o teor dos discursos dos grupos extremistas para explicar, em parte, quem são as vítimas mais frequentes desses atentados. “A ideia de supremacia branca e masculina é um elemento constitutivo desses grupos, movimentos e regimes.”, apontam. Por isso, esse movimento acaba por cooptar mais adolescentes brancos e heterossexuais, com a misoginia exercendo um papel crucial no processo. “Não à toa, mulheres são alvos frequentes de atiradores em massa.”

No contexto brasileiro contemporâneo, prosseguem, preocupa a existência de grupos neointegralistas como a Frente Integralista Brasileira (FIB), Associação Cívica e Cultural Arcy Lopes Estrela (ACCALE), e Nova Resistência; e movimentos separatistas como “O Sul é o meu país” e análogos. Ainda que não tenham relação com atos violentos, destacam, os discursos desses grupos “alimentam programaticamente o ultraconsevadorismo, colaborando para a ascensão extremista no país.”

Os autores ainda criticam o papel de algumas lideranças políticas em alardear as ideias extremistas ao propor leis que criminalizam a atuação de professores e profissionais da educação e tentam cercear a diversidade no interior das escolas, como o Escola Sem Partido.

Recomendações

Na lista das recomendações, os pesquisadores extrapolam o ambiente escolar, e sugerem providências ao Estado brasileiro. Uma delas é pelo desarmamento da população, com críticas ao decreto 9847/2019, do presidente Jair Bolsonaro, que facilitou o armamento da população civil.

Os pesquisadores pedem ainda que o Estado monitore permanentemente grupos extremistas e clubes de tiro, além de impedir que crianças frequentem esses locais e tenham tenham acesso a armas.

Assinalam ainda a necessidade de identificar e punir com rigor líderes extremistas. “É imperioso que esse tipo de delito não seja entendido como um delito de menor importância ou mesmo como exercício de ‘liberdade de expressão'”, assinalam, ao considerarem, por exemplo o arcabouço legal contra o racismo já existente no País.

Ao considerarem a lei que criminaliza a prática – o Decreto 7716/1989 -, os pesquisadores pedem um aperfeiçoamento na legislação, de modo a  melhorar o enfrentamento aos crimes praticados pela extrema direita. A sugestão é a de que a lei avance na criminalização dos movimentos supremacistas para além do nazismo, tais como fascismo, integralismo, grupos separatistas; criminalize também os símbolos utilizados pelos grupos e a guarda e depósito de material de teor supremacista.

Educação e escolas

Os pesquisadores refutam a tese de que para enfrentar os ataques, as escolas necessitariam de mais equipamento de segurança – como catracas e detectores de metais. Essa abordagem, alertam, pode inclusive provocar o efeito contrário.

“A inserção nas escolas de artefatos de segurança (…) tende a aumentar as ameaças, pois afetará clima escolar – tornando-o potencialmente mais insalubre –, além de tornar a escola um espaço ainda mais relevante em termos de propaganda extremista, ocasionando riscos de novos atentados.”

A defesa é pela tomada de iniciativas dentro e fora da escola, por meio de um trabalho intersetorial, com ação efetiva da gestão das redes públicas de ensino.

“Em primeiro lugar, é fundamental que órgãos de inteligência ligados às forças de segurança monitorem sites, redes sociais, comunicadores instantâneos e fóruns anônimos, ao passo que mantenham canais de comunicação direto com as escolas e redes públicas de ensino”, explicam.

Os pesquisadores também chamam a atenção para a necessidade do desenvolvimento de um trabalho pedagógico direcionado à educação crítica da mídia e ao combate à desinformação; de as redes garantirem uma formação ampla para combater o negacionismo científico, visto as tendências de ascensão da negação do holocausto, dos diferentes genocídios e do revisionismo histórico baseado da deturpação de fatos e fenômenos históricos.

A formação continuada de professores para identificação e apoio ao combate às violências também é importante, assim como as escolas se integrarem a outros equipamentos de proteção de crianças e adolescentes, integrando uma rede de atuação conjunta.

O professor Daniel Cara é taxativo ao dizer que o governo Lula terá de enfrentar o extremismo de direita, fortalecido pelo governo Bolsonaro. “Não há outro caminho. O governo Lula, no exercício do governo do estado, vai precisar obrigatoriamente enfrentar essas questões de combate ao extremismo de direita, seja ele explícito ou implícito, ‘corajoso’ ou envergonhado’, não tem outra medida.”

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