Topo

Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ataque a escola de SP é retrato de um país que aprendeu a odiar professores

Policiais em frente à escola Thomázia Montoro na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo - Aloisio Mauricio/Foto Arena/Estadão Conteúdo
Policiais em frente à escola Thomázia Montoro na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo Imagem: Aloisio Mauricio/Foto Arena/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

28/03/2023 10h57

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

No meio da aula online, um aluno pediu a palavra e perguntou a uma professora se ela era feminista ou comunista. Minha amiga gelou: sabia que os pais dos adolescentes estavam em casa e que qualquer resposta poderia ser usada contra ela.

Dias antes, suas postagens com críticas à proposta de retomada de atividades presenciais, no pico da pandemia, foram printadas por alunos e pais de alunos e enviadas à direção da escola pedindo providências.

Vira e mexe, ela conta, alguma mãe a aciona no WhatsApp para saber se ela não anda doutrinando seus filhos nas aulas de história.

A patrulha a levou a um quadro depressivo.

Outro amigo conta ser comum ouvir de estudantes provocações sobre suas preferências políticas, que evita postar em redes sociais. Ele desenvolveu transtorno de pânico ao ser ameaçado por um aluno cujo pai vivia em alerta sobre o ensino de "ideologia de gênero" na escola. Nos corredores, ele percebe que os alunos andam mais agressivos do que em outros tempos. Estão mais avessos a receber ordens e fazem piadas ou comentários jocosos quando o veem pelas costas no corredor.

Os relatos dão a impressão de que a escola é um hoje um campo hostil cercado por pais e estudantes desconfiados por todos os lados. Como isso aconteceu?

Bem, não faz muito tempo havia um ministro da Educação que via nas universidades um ambiente de "politicagem, ideologização e balbúrdia". "Vamos dar uma volta em alguns campus por aí? Tem cracolândia", acusava Abraham Weintraub, sem jamais apresentar qualquer prova do que dizia.

Pela lógica, os professores do ensino básico e do fundamental seriam, por extensão, as vias pavimentadas do caminho até a balbúrdia.

À medida que a tal "polarização" política se acirrava no Brasil, acirrava-se também o anti-intelectualismo e o ódio a professores.

Paulo Freire, o patrono da educação brasileira, é atacado e chamado pelo líder da seita de "energúmeno". Seu crime? A defesa de uma educação libertadora em um governo que pretendia trocar livros por armas.

Para grupos radicais, desses que constroem espantalhos e difundem o medo como elemento aglutinador de afetos políticos, a escola não passaria de um laboratório para todo tipo de perversão. Lá nossos filhos não aprendem; são doutrinados. E banheiros seriam um portal em direção ao perigo representado por crianças incentivadas desde cedo a trocarem de gênero.

Qualquer discussão sobre noção de história, justiça, direitos igualitários, conhecimento sobre o próprio corpo, hormônios, limites e perigos do assédio provoca hecatombe para os ouvidos mais assombrados.

Não deve ser por acaso que esses mesmos grupos, defensores do homeschooling, façam tanta questão de improvisar em casa uma sala de aula onde pais educam, ensinam e, de quebra, livram os filhos do convívio com os "perigos" escolares — leia-se, as diferenças.

O medo e o ódio a tudo o que vem da sala de aula não permitem dizer que era uma aberração o jovem de 13 anos que levou uma faca para a escola, matou uma professora, feriu outras duas, além de dois colegas, e realizou o plano para o qual se preparou "a vida inteira": matar ao menos uma pessoa.

Como em Aracruz (ES), onde um neonazista matou três professoras e uma aluna, a vítima também era uma mulher.

Segundo um estudante, o assassino havia chamado um colega de "macaco" durante uma briga na semana anterior. Foi contido por uma professora e prometeu: "Vai ter volta".

Teve.

O ato foi pensado, escancarado e publicizado. A facilidade com que entrou na escola para cumprir seu plano denuncia a total incapacidade da inteligência policial e das autoridades escolares em conter atos do tipo. Mesmo com as ameaças mais ostensivas.

Não era difícil perceber a ameaça: um boletim de ocorrência registrado há exato um mês dizia que ele já apresentava comportamentos suspeitos nas redes sociais, "postando vídeos comprometedores, por exemplo, portando arma de fogo e simulando ataques violentos".

O histórico de violência o levou a ser transferido de escola — foi o máximo que as autoridades foram capazes de fazer para se livrar do problema. Azar de quem o recebeu.

O assassino precisou fazer exatamente o que já anunciava fazer nas redes para que a polícia fosse até sua casa recolher uma arma de pressão airsoft, uma faca e parte de uma tesoura, além de luva e boné pretos, um pano escuro com o desenho de uma caveira, três máscaras e um bilhete com o plano do atentado.

Não sei se os adultos da sala perceberam, mas quando alguém capaz de chutar uma lata de refrigerante sem tropeçar manifesta posições supremacistas, guarda um arsenal em casa e compartilha seus desejos assassinos em um grupo que idolatra assassinos que odeiam mulheres e pessoas negras, ele pode não estar só brincando de menino mau.

Esse jovem teve acesso a informações e incentivo de grupos que desfilam ódio livremente em um país onde, depois de adultos, discursos misóginos são vendidos em palestra para machões frustrados, racismo e homofobia se espalham como "direito à opinião" e a ascensão de células neonazistas é encarada como um problema abstrato. Por trás de cada extremista está o desejo de "limpar" o ambiente que acredita (e o levaram a acreditar) estar infestado.

Quando essa violência, bem alimentada e bem aparada, explode, a melhor forma de lavar as mãos é dizer que o sujeito capaz de racionalizar o próprio desprezo pelo outro era apenas um sujeito perturbado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL