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Assimetria de informações, conciliação, mediação e conflito entre responsáveis e escolas durante a pandemia

Por Luciana Y. F. Sorrentino e Thiago Sorrentino
Atualização:
Luciana Y. F. Sorrentino e Thiago Sorrentino. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Aprender tem sido um grande desafio em tempos de pandemia. As escolas tiveram suas atividades presenciais suspensas sem aviso prévio e os pais instados a assumirem papéis de professores/tutores, num verdadeiro home schooling improvisado e cheio de obstáculos tecnológicos, técnico-pedagógicos e culturais.

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As crianças que tinham à sua disposição na escola um ambiente amplo e lúdico para interações sociais e emocionais com os amigos e a professora ficaram limitadas a uma tela de computador e à dinâmica de abrir o microfone da videoconferência, quando lhes for permitido. Embora o modelo de ensino à distância não seja apropriado para o público-alvo, essa foi a única solução possível diante dos desafios de saúde pública que foram impostos às pressas. Assim, ainda que os proveitos didáticos sejam mínimos, prosseguimos com um modelo talhado para outra realidade e outro público-alvo.

Mas, se a transposição da sala de aula presencial para o ambiente virtual não apresenta bons resultados e, isso implica no descumprimento do plano instrucional oferecido pela escola quando da celebração do contrato de prestação de serviços, os pais devem continuar a remunerar o serviço da mesma forma?

A pergunta não comporta resposta uniformizada, na medida em que cada instituição de ensino ofereceu aos seus alunos soluções diferenciadas para enfrentar a situação. Investimentos em tecnologia e contratação de pessoal especializado podem ter sido custos extraordinários para o desenvolvimento da atividade. Entretanto, não se pode ignorar que este investimento seja suficiente para substituir todo o objeto contratado, especialmente por que, a maioria das escolas não atingiu a qualidade didática mínima prevista contratualmente.

Ademais, a transparência e o dever de informação inerentes às relações jurídicas contratuais encontram-se esmaecidos pela negativa das instituições de indicarem quais dos seus custos fixos e variáveis foram reduzidos em razão da suspensão das atividades presenciais. Despesas como energia elétrica, água, manutenção e limpeza não se mantém as mesmas se houve remodelação das atividades.

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Essa conduta gera uma notável assimetria de informações que tem sido agravada por uma verdadeira inversão de valores nas negociações para redução das mensalidades escolares entre pais de alunos e escolas.

Isso porque, muitas escolas exigem que os pais comprovem a redução da sua renda através da apresentação de documentos como contracheque e declaração de imposto de renda, como se o valor devido dependesse somente da capacidade de quem paga pelo serviço, desconsiderando que o valor da mensalidade escolar cobrada deve ser justo e proporcional ao serviço oferecido.

A conduta de negociar apenas com os pais que comprovarem dificuldade financeira gera mais desequilíbrio na relação contratual, pois transfere aos demais contratantes o risco da atividade desenvolvida pela instituição de ensino ao obriga-los a cumprir a obrigação contratual de pagamento quando a contra-obrigação de prestar o serviço educacional sofreu sérios comprometimentos.

O art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor possibilita a revisão contratual em razão de fatos supervenientes que tornem a prestação assumida extremamente onerosa, e, dessa forma, possibilita a recomposição do quadro contratual de forma equânime, desde que aos envolvidos sejam fornecidas as informações necessárias para a negociação, tais como o impacto financeiro, positivo ou negativo, do novo modelo de prestação de serviços educacionais nas finanças da escola.

É recomendável que a discussão não seja deslocada imediatamente para o foro judicial sem que sejam superadas as tentativas de negociação direta entre as partes ou mediação extrajudicial, pois a autocomposição tem o condão de trazer à tona soluções criativas que são limitadas pelo direito e pelo processo, sempre com foco na manutenção da relação de confiança entre escola e alunos-pais, pois ao escolher uma escola para os seus filhos, os pais escolhem para ele uma segunda casa.

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Tanto a sociedade civil organizada como o Judiciário reconhecem a importância da conciliação e da mediação para reduzir custos e aumentar o grau de satisfação de todas as partes em busca de uma solução para o conflito. Centros e núcleos especializados estão à disposição do cidadão em várias partes do país. A imprensa pode auxiliar, levando à população informações sobre o funcionamento desses centros e suas histórias de sucesso.

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Em todo caso, especificamente para a questão das mensalidades, é necessário estabelecer uma relação de igualdade de informações, para que as partes possam trabalhar suas diferenças e entender as adversidades que as levaram ao conflito.

*Luciana Y. F. Sorrentino, juíza de Direito do TJDFT. Mestre em Administração Pública pelo IDP/DF. Coordenadora da linha de pesquisa Justiça Multiportas do TJDFT. Especialista em Direito Contratual pela PUC/SP. Ganhadora do prêmio "Conciliar é Legal" do CNJ na categoria juiz individual no ano de 2016. Atua na área de conciliação e mediação desde 2011

*Thiago Sorrentino, mestre em Direito pela PUC/SP. Professor do IBMEC/DF. Advogado licenciado

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