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A educação que vale a pena

As lições e os legados da pandemia para a educação

A crise do Covid-19 nos mostrou que precisamos formar jovens para serem co-criadores do próprio futuro e a tecnologia pode ser uma grande aliada nesse processo

Por Ana Maria Diniz
Atualização:

Passei muito tempo sem escrever aqui para o blog. Estava, de certa forma, congelada pela pandemia, contida em casa e contida dentro de mim. Apesar disso, continuei trabalhando muito, não só para os meus negócios sobreviverem, mas também engajada em várias ações de solidariedade para ajudar as pessoas mais vulneráveis, as que mais têm sofrido com o Covid-19, o que fez me sentir útil.

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Nesses quatro meses que vivemos sobre a égide do medo, sob o estarrecimento da paralisação do cotidiano, sentimos as ameaças do mundo exterior na questão da saúde e na incerteza econômica. Ao mesmo tempo, experimentamos fortemente a reviravolta psicológica que a pandemia causou em cada um de nós. Mas, como tudo, essa situação tem o seu lado bom. Ficar mais com a família, ter conversas significativas à mesa, não ter que ficar correndo de um lado para o outro e abrindo espaço para muita reflexão. Tudo isso nos leva a viver a essência da vida, como um amigo meu diz, tudo o que é precário desaba e o que é de verdade fica melhor.

Entrando no assunto da Educação, eu tive a oportunidade, há duas semanas, de entrevistar Andreas Schleicher, da OCDE, criador do PISA, para o evento Educa Week. Nessa conversa, confirmamos que a pandemia foi um grande choque para a educação mundial. Um revés que traz consigo todo um contingente de consequências para o futuro dos jovens, dos países e das sociedades a nível mundial. De forma geral, os sistemas de ensino mostraram bastante resiliência, flexibilidade e compromisso ao estabelecerem estratégias para dar andamento à educação em condições tão desafiadoras, como mostra o estudo conduzido por Schleicher e o pesquisador de Harvard Fernando Reimers  e divulgado no mês passado: Schooling disrupted, schooling rethought - How Covid-19 is changing education.

Durante o auge do lockdown e do distanciamento social, praticado pela grande maioria dos países, 1,5 bilhão de alunos ficou fora da escola. Schleicher e Reimers estimam que mais da metade desses estudantes não foi capaz de acessar todo ou a maior parte do currículo por diversas razões, a começar pelas mais básicas: 55% dos não dispunham de um computador em casa e outros 43% não tinham acesso à internet. Dessa forma, o aprofundamento da enorme desigualdade entre alunos ricos e pobres tornou-se inevitável. No Brasil, não foi diferente. Segundo a última pesquisa TIC Educação (Tecnologias de Informação e Comunicação), divulgada em junho, 39% dos alunos da rede pública não tinham um dispositivo eletrônico adequado para assistir às aulas ou obter os conteúdos online e 45% não tinham conectividade.

A despeito dos esforços de muitos secretários de Educação de estados e municípios, que se desdobraram para fazer chegar algum conteúdo nas casas de seus alunos, estima-se que 60% dos estudantes brasileiros das escolas públicas acabaram de fora da educação à distância. As soluções de São Paulo para driblar a pandemia, por exemplo, têm sido citadas na Universidade de Harvard como referência de iniciativa bem sucedida. O secretário Rossieli Soares criou diversas formas de se comunicar com os seus 3,4 milhões de alunos da rede: por meio de um Centro de Mídias, de aplicativo e de um acordo com a TV Cultura para levar conteúdo relevante de cada série para os estudantes. Mesmo assim, muitos jovens não foram atingidos.

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No entanto, na minha percepção, assim como na de Andreas Schleicher, nem tudo foi um horror. A educação, como todos sabem, há muito tempo vinha precisando tomar um choque para mudar de rumo. A crise abriu esse espaço e acelerou uma série de movimentos que já eram tão necessários. Os professores perderam o medo da tecnologia, apesar de mais de 80% deles não se sentirem preparados para lidar com ela, segundo pesquisa do Instituto Península. Mas eles tiveram que se virar, pedir ajuda para os filhos, para quem estivesse à sua volta e, hoje, muitos deles já estão bem mais confortáveis com o digital. Os professores também passaram a refletir sobre a sua prática e a se questionar se o jeito que estavam ensinando realmente engajava seus alunos.

Essa reflexão vale ouro, pois essa é a chave para que os professores deixem de ser meros transmissores de conteúdo e se tornem verdadeiros tutores e "designers" da experiência de educação de cada criança. O ambiente digital amplia as possibilidades de aprendizado, a tecnologia é um ótimo recurso para explorar caminhos alternativos individualizados que proporcionam a cada aluno aprender no seu ritmo e de acordo com a sua profundidade na matéria. Ela possibilita também que o professor possa suprir as necessidades de cada um de diferentes formas. Como colocou Schleicher, a educação no Brasil daria um salto enorme de qualidade se os nossos professores não tivessem que ficar tão presos a currículos e tivessem mais liberdade e tempo para agir de maneira mais atenciosa e criativa.

Outra consequência positiva do que estamos vivendo com a pandemia é o engajamento dos pais. Hoje, os pais, que sofreram muito para fazer seus filhos estudarem em casa, seja por falta de condições adequadas, de habilidade para ensiná-los ou simplesmente de dar suporte a eles, passaram a dar muito mais valor ao seu professor. Esse é um fenômeno que aconteceu no mundo inteiro, não só no Brasil. Assim, segundo Schleicher, a educação passou a ser uma atividade muito mais de toda a sociedade com um engajamento muito maior das famílias.

Ao ser perguntado como deveria ser a volta às aulas e qual deveria ser o nosso foco de atividades neste retorno, Schleicher responde que o mais importante é entender que educação não é um lugar, mas uma atividade. Na retomada das aulas, deverá haver um foco muito grande no acolhimento dos alunos e o trabalho de atividades socioemocionais será fundamental. Entender como cada aluno está chegando e o quanto eles tiveram contato com o conteúdo nesse período fora da escola também. Uma avaliação e foco nas atividades essenciais estruturantes como português e matemática são muito recomendados na retomada.

Vivemos uma situação delicada, cheia de incertezas, mas é neste momento difícil que temos que nos perguntar: que tipo de educação queremos dar para os nossos alunos daqui para frente? Como disse Schleicher, é mais importante ensinar uma criança como pensa um matemático e qual é o raciocínio de um cientista do que ensiná-la todas as contas que um matemático sabe fazer ou todas as experiências que um cientista já fez. Temos que produzir jovens que sejam co-criadores do futuro, é essa oportunidade que temos agora, depois da pandemia. Foco no processo e não no conhecimento em si.

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Em suma, enquanto esta crise expôs as muitas inadequações e desigualdades em nossos sistemas educacionais, esse momento também oferece a possibilidade de finalmente mudar! Não podemos mais voltar ao status quo do antigo normal. Estou razoavelmente otimista de que o Brasil poderá fazer uma transição para uma educação mais moderna e mais significativa para nossos jovens. Existe uma luz no fim do túnel, temos que trabalhar para que ela se torne realidade.

No próximo post, vou falar sobre os impactos irreversíveis do uso a tecnologia durante a pandemia na educação, a começar pelo ensino híbrido, que veio para ficar.

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