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Brasil

'Teremos uma etiqueta escolar inteiramente nova', diz Priscila Cruz sobre a volta de crianças às aulas presenciais

Em entrevista ao GLOBO, presidente do Todos Pela Educação diz que 'as escolas deveriam constranger os pais e exigir certificados'
Priscila Cruz, presidente executiva do Todos Pela Educação Foto: Silvia Costanti em 18-4-2019 / Agência O Globo
Priscila Cruz, presidente executiva do Todos Pela Educação Foto: Silvia Costanti em 18-4-2019 / Agência O Globo

RIO — O começo do ano letivo de 2022 já se aproxima para crianças e adolescentes brasileiros. Com o avanço da variante ômicron, da Covid-19, muito chegou a se debater sobre qual seria o modelo ideal para a volta às aulas. O predomínio entre os estados, no entanto, é de retorno 100% presencial, apesar de não haver consenso sobre a exigência ou não da vacina contra o novo coronavírus. Priscila Cruz, presidente executiva da ONG Todos Pela Educação, em entrevista ao GLOBO, comenta sobre este novo movimento na educação brasileira e, também, sobre o que pensa sobre o cenário atual. Ela destaca a importância das aulas presenciais para os alunos, defende que exija-se que todos sejam vacinados e afirma que a pandemia causou um atraso de cerca de três anos na aprendizagem dos jovens.

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Qual sua posição sobre volta plena presencial às aulas?

Nossa defesa sempre foi pela aula presencial. Mas este ano tem um fato novo, que é a questão da vacinação, que atrasou. Muda um pouco em relação ao ano passado. Acho admissível um adiamento de uma ou duas semanas. Estados e municípios não fizeram o que deveriam ter feito. Mais do que duas semanas não justifica que se volte às aulas remotas.

O ritmo da vacinação infantil está lento. O que pode ser feito pelos gestores para recuperar o tempo perdido?

Um prefeito responsável deveria fazer uma campanha maciça de conscientização das crianças e dos pais. Como a gente tem um governo federal que tem uma capacidade de comunicação pelas vias oficiais ou não, eles têm a capacidade de chegar à população com mensagens antivacina, que deixam famílias inseguras. É muito fundamental que os gestores que se pautam pela Ciência façam a contracampanha com tranquilidade. Sobretudo para as crianças. Elas precisam se sentir seguras para a reabertura das aulas presenciais, para que sua cognição, sua capacidade de aprendizado, não sejam prejudicadas.

E as escolas?

As escolas deveriam constranger os pais e exigir os certificados. O parágrafo primeiro do artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que é obrigatória a vacinação nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Em caso de não-notificação a escola poderá ser denunciada ao Conselho Tutelar.

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Há outro amparo legal para os pais em relação à vacinação?

Sim. Em dezembro do ano passado, uma súmula do Supremo Tribunal Federal decidiu que pais não podem deixar de vacinar os filhos. A decisão foi em torno da avaliação do caso de um casal de veganos que ingressou na Justiça para que as crianças não fossem imunizadas. A questão é que há uma lacuna de informações de Ministério da Saúde, ou são informações desencontradas. Diante deste cenário, a judicialização será inevitável. Pais contra escolas, casais entre si, famílias contra outras. Há ainda uma outra questão: a criança jamais poderá ser responsabilizada, ou punida. E há riscos de crianças vacinadas se afastarem das que não foram.

Qual foi o tamanho do estrago deste período pandêmico para a Educação?

Imenso. Nesse período todo que a gente ficou com escolas fechadas, aulas remotas, até mesmo sem aula, dada a insuficiência de conectividade ( à internet ) no país, que atingiu mais ainda as crianças mais pobres. Mesmo que as aulas remotas tivessem chegado todos os dias a todas as crianças do país, essas aulas não têm capacidade de garantir o aprendizado. Nenhuma aula remota substitui uma com um professor na escola, ali é onde a troca e o vínculo entre aluno e professor acontece. Nós temos um retrocesso de três anos de aprendizagem. Na alfabetização, chegamos a 75% das crianças não alfabetizadas. Teve um crescimento muito grande na alfabetização e uma evasão que ficou muito acentuada, porque foram dois anos de afastamento desse aluno da escola, fez com que muitos jovens passassem a trabalhar, para ajudar a família.

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Houve também repercussões emocionais nas crianças?

Sim, de doença mental, de violência física e verbal contra os jovens. Tivemos grandes prejuízos. Afetou especialmente aqueles brasileiros que vivem em cidades mais pobres. O trabalho de combater a desigualdade educacional, esse desafio da recomposição da aprendizagem, em que a criança não tenha seu direito à Educação prejudicado, a gente vai precisar trabalhar muito. A Saúde é a prioridade, mas vamos ter que transformar a Educação em prioridade também, com ações concretas.

As escolas também terão que modificar rotinas...

Sim. E logo agora prefeituras perderam as máscaras mais seguras para as crianças. Não recebem mais. Terá que haver todo o financiamento em segurança sanitária. Todo o espaço da escola terá uma nova dimensão, para garantir o distanciamento. Teremos uma etiqueta escolar inteiramente nova. Mesmo o abraço tende a ser vedado até a imunização completa.