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Opinião

Artigo: O presidente e a educação

Não há corrupção nem desvio de dinheiro nas universidades públicas que justifique investigações judiciais

O presidente esteve ativo nas redes sociais durante o carnaval. Além de temas inadequados para o cargo, Jair Bolsonaro abordou números da educação brasileira. Só que, como foram expostos, esses números não fazem sentido.

A mensagem começa dizendo que o “Brasil gasta mais em educação em relação ao PIB que a média dos países desenvolvidos”. Para início de conversa, esse não é o modo adequado de medir o investimento público de um país em educação. O próprio órgão que faz estudos comparativos, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), recomenda que seja usado o gasto por aluno. Se um país investe 100 bilhões em educação, não necessariamente investe mais do que outro país que gaste a metade. A comparação depende do tamanho da população em idade escolar. Usando a medida adequada, o Brasil gasta em educação metade do que gastam os países da OCDE.

O presidente emenda, em tom crítico, que “o investimento do MEC saiu de R$ 30 bilhões em 2003 para R$ 130 bilhões em 2016”. Ainda assim, o Brasil “ocupa as últimas posições no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa)”. Vamos por partes. No Brasil, o ensino básico é de responsabilidade de estados e municípios. A União repassa verbas por meio do Fundeb, que aumentou de R$ 2 bilhões em 2007 para R$ 11 bilhões em 2016. Considerando o investimento público no ensino básico, a Coreia do Sul, exemplo bem-sucedido no Pisa, gasta, por aluno, três vezes mais do que o Brasil; a Finlândia, quatro vezes mais.

É fato que o Brasil tem desempenho ruim no Pisa e uma das principais razões é a baixa valorização do professor. Para dar uma ideia da gravidade do problema, em Matemática, matéria em que os alunos mais têm dificuldades, o percentual de docências ministradas por professores com formação superior adequada à área de conhecimento é de apenas 50%. Onde serão formados os professores que faltam? Sim, nas universidades, de preferência, nas públicas, pois oferecem melhor qualidade.

Ora, o orçamento do MEC, citado pelo presidente, é majoritariamente investido no ensino superior e em escolas técnicas federais, que tiveram grande expansão nos últimos anos. Um dos objetivos foi exatamente o de melhorar a formação de professores. Entre 2003 e 2016, foram construídas 500 novas unidades da rede de Institutos Federais. O número de vagas de graduação nas universidades federais passou de 109 mil, em 2003, para mais de 300 mil, em 2016. Com isso, estudantes de baixa renda e minorias étnicas tiveram acesso ao ensino superior público. Esse fator é essencial na avaliação de qualquer política pública, pois a baixíssima mobilidade educacional é um dos principais problemas do Brasil hoje.

O tuíte de Bolsonaro pretende justificar a “Lava-Jato da educação”, citada nas mensagens subsequentes, um modo mal disfarçado de desqualificar, em bloco, as realizações dos últimos governos na área. Para falar com todas as letras: não existe corrupção nem desvio de dinheiro nas universidades públicas que justifique investigações judiciais. Há, sim, dificuldades bem antigas de administração decorrentes de legislações inadequadas, como a lei que rege as licitações no serviço público ou as regras de funcionamento das fundações universitárias.

Ao invés de torturar os números para justificar o desmonte da rede federal de ensino, seria mais útil trabalhar em propostas concretas para aproveitar a boa infraestrutura existente na melhoria do ensino básico. Talvez ajude sair do Twitter.

Tatiana Roque é professora da UFRJ