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Opinião

Artigo: O desafio de conciliar trabalho e estudo

Razões para a evasão escolar estão diretamente associadas à necessidade econômica

Os resultados do Censo Escolar 2018 alertam para um problema crítico e mais urgente a cada ano: as matrículas nas escolas públicas brasileiras vêm caindo desde 2014, e o maior motivo de preocupação é o ensino médio. Nos últimos cinco anos, foram menos 591 mil jovens matriculados, representando uma queda de 7%. Outro dado alarmante é o de distorção idade/série, ou seja, adolescentes e jovens que repetem pelo menos dois anos de escolaridade, e são matriculados em séries não adequadas para a idade. A distorção alcança 24,7% das matrículas nos anos finais do ensino fundamental e 28,2% no ensino médio. Ou seja, milhões de jovens brasileiros não estão conseguindo concluir a educação básica na idade certa.

Essa realidade tem impacto direto no desenvolvimento econômico e social do país, especialmente num momento em que a distribuição demográfica no Brasil é extremamente desafiadora — por volta de 2040, o Brasil vai inverter a pirâmide, e esses jovens farão parte da maioria de pessoas adultas no mundo do trabalho. Estudos do Ipea e do Banco Mundial, por exemplo, correlacionam a situação da educação brasileira com o aumento da desigualdade social e da violência, e também com a baixa empregabilidade dos jovens e da renda dos trabalhadores com menor escolaridade.

As razões para a evasão escolar estão diretamente associadas à necessidade econômica: centenas de milhares de estudantes, principalmente aqueles de famílias em situação social mais vulnerável, se veem obrigados a abrir mão de sua formação educacional para trabalhar e, assim, ajudar na renda familiar. Dos 48,5 milhões de jovens com idade entre 15 e 29 anos, 35% só trabalham e não estudam, e 23% não estudam nem trabalham.

Encontrar soluções para que as juventudes brasileiras consigam conciliar estudo e trabalho é um desafio imenso, mas já existem políticas públicas exitosas neste sentido, que têm apresentado resultados benéficos para os jovens, suas famílias e para o desenvolvimento do Brasil.

A Lei da Aprendizagem (Lei 10.097/2000) determina que empresas de médio e grande porte contratem jovens com idades entre 14 e 24 anos como aprendizes, e estabelece que eles continuem estudando, caso ainda não tenham concluído o ensino médio. Enquanto os jovens recebem a oportunidade do primeiro emprego, os empregadores ganham em suas equipes profissionais criativos e cheios de vontade de aprender, e contribuem com a formação de futuros profissionais, que vão difundir a cultura e os valores da empresa.

A importância da lei é evidenciada diante dos resultados do Censo e das pesquisas sobre juventudes, somados à constatação de que a maior evasão se concentra em jovens com idades entre 15 e 17 anos de famílias em situação econômica mais vulnerável. Ainda mais quando consideramos que seu foco é criar oportunidades do primeiro emprego para jovens com esse perfil e, assim, também combater o trabalho infantil.

A lei tem o rosto de jovens como o carioca Hugo Almeida de Oliveira, que precisou começar a trabalhar para ajudar no sustento dos seus três irmãos quando o pai saiu de casa. Graças a uma vaga como aprendiz, conseguiu concluir o ensino médio, a graduação em tecnologia da informação, a pós-graduação em finanças e hoje sonha com o mestrado.

A Lei da Aprendizagem, no entanto, ainda não é conhecida por todos — o potencial de contratação é de pelo menos 950 mil jovens —, e ainda há quem a considere um ônus para o empresário, muitas vezes denominado como “custo Brasil”. Histórias como a de Hugo e a de centenas de milhares de jovens aprendizes provam, contudo, que é um investimento que gera benefícios para a empresa e para o desenvolvimento do país, criando um ciclo virtuoso que envolve educação, força de trabalho qualificada, crescimento social e econômico, sem deixar ninguém para trás.

Aparecida Lacerda é gerente geral de educação profissional da Fundação Roberto Marinho, e Monica Pinto é gerente de desenvolvimento institucional e de pesquisa e avaliação da Fundação Roberto Marinho