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Artigo: não force as crianças a fazerem em casa o mesmo que faziam na escola

Durante a quarentena, encoraje seus filhos a realizarem projetos com os quais verdadeiramente se importam
O educador e escritor Marc Prensky Foto: Divulgação
O educador e escritor Marc Prensky Foto: Divulgação

Como pai ou mãe, enquanto as escolas estão fechadas, você provavelmente está encontrando dificuldade em manter os estudos dos seus filhos e — tão importante quanto isso — mantê-los felizes e ocupados enquanto você cumpre a sua agenda. A maioria dos educadores está dizendo aos pais: “Dê aos seus filhos em casa uma versão adaptada do que acontece na escola”, incluindo lições (on-line ou com você), prática (“trabalho em casa”) e atividades sugeridas. Mas antes que você se apresse em adotar as soluções provisórias de qualquer educador — da escola de seus filhos ou de outros lugares — lembre-se de que "continuar a frequentar a escola" desta maneira pode não ser a melhor solução para o seu filho . Com um pouco mais de reflexão e as ações que sugiro abaixo, você pode fazer isso de maneira muito melhor — e sem que ninguém fique estressado.

Esta é uma grande oportunidade para os pais adotarem uma nova perspectiva sobre educação

Muitos daqueles já tentaram ensinar algo a seus filhos perceberam que essa não é uma tarefa fácil. "Professores deveriam receber um milhão de dólares pelo seu trabalho", escreveu um. Acreditar que "ensinar" ou "estudar" é algo difícil não ajuda os pais a se afastarem dessa crise. Ensinar e educar nossos filhos torna-se difícil porque o que fazemos é ineficaz e errado para a maioria das crianças. É por isso que grande parte delas resiste. E muitos professores concordam: “Eu me pergunto todos os dias se estou dando às crianças o que elas precisam”, diz um deles.

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Esta crise é uma oportunidade para os pais fazerem algo melhor pelos filhos do que dar a eles a mesma combinação (matemática, inglês, ciências e estudos sociais) que recebem todos os dias na escola. Poucas crianças precisam, para o seu futuro, que as coisas sejam feitas dessa forma — e nós fazemos assim por tradição. Podemos oferecer aos nossos filhos a chance de fazerem algo muito mais útil e bem melhor: projetos do mundo real pelos quais as crianças realmente se interessam . A escola oferece pouco disso. A boa notícia é que qualquer um pode tentar — inclusive crianças de qualquer idade — sem estresse ao longo do processo.

Seu filho quer alcançar conquistas das quais se orgulhe e habilidades que sejam úteis para ele

Toda criança quer alcançar conquistas das quais se orgulhe, além de habilidades úteis. Mas cada uma delas precisa decidir que utilidade seria essa. A escola, por causa de sua estrutura de um professor para muitos, decide isso. Essas instituições de ensino não podem ter um currículo verdadeiramente individual para cada aluno. Em casa é diferente. Nesse espaço, é possível tratarmos de cada um deles individualmente.

Aqui está uma abordagem diferente para a educação em casa, o chamado "homeschooling", melhor para a maioria das crianças e mais fácil para os pais:

Faça deste tempo de quarentena para os seus filhos o que podemos chamar de “férias emocionantes" da escola, permitindo que eles sigam nas direções que as instituições de ensino impedem e ignoram.

A melhor maneira de qualquer criança desenvolver alguma habilidade é fazendo aquilo de que gosta. Você conhece os interesses do seu filho. Portanto, se deseja incentivá-lo a ler, seu trabalho é ajudá-lo a encontrar informações por escrito (offline ou online) que ele considerada necessárias. Dê ao seu filho um livro, um artigo, uma indicação de site ou revista sobre algo que o preocupa ou que queira saber sobre. Há muitas chances de que ele se esforce bastante para ler aquela informação — mesmo que a escrita esteja acima do seu nível de leitura escolar. Quando as crianças sentem que determinada habilidade é necessária para algo que desejam fazer (como, por exemplo, jogar videogame), elas ensinam não apenas a si mesmas, mas umas às outras.

Eu não estou sugerindo que seus filhos usem esse tempo apenas para melhorar suas habilidades no videogame. Mas meu conselho para os pais é muito diferente daquilo que a maioria dos educadores sugere. Eu não acho que você deva fazer com que seus filhos continuem com seus trabalhos escolares. Em vez disso, sugiro fortemente que reserve um tempo para que eles ensinem e aprendam com autonomia a como realizar outras coisas que desejam. Todos nós nos autoeducamos para atingir algum objetivo pessoal — e é esta a educação que dura. A motivação para a autoeducação é 100% interna. Como pais, devemos encorajá-los a seguirem nessa direção.

A abordagem da autoeducação é possível para todos da seguinte maneira: como pai, certifique-se de que seu filho sairá deste período de quarentena tendo trabalhado em pelo menos um grande projeto — que tenha sido de fato escolhido por ele — sobre algo que realmente o entusiasma. Crianças podem encontrar um projeto que servirá de exemplo daquilo que são capazes de fazer.

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Como?

Em vez de dizer ao seu filho: “Você precisa aprender em casa o que seus professores colocam online ou o currículo padrão" ou "Estas são as lições que você deve fazer, as discussões que deve ter, os tópicos sobre os quais deve escrever˜, tente dizer a eles:

"Teremos férias de tudo aquilo que você não gosta na escola, mas que é obrigado a fazer lá. Seu trabalho, no momento, é fazer aquilo de que gosta, que ajuda a sua vida a progredir e, se possível,  que ajuda o mundo também a progredir”.

Peça aos seus filhos para pensarem em um "projeto especial" durante esse período. Peça a eles que façam algo que os anime a trabalhar. Diga que você não se importa com o tema, desde que esse projeto os motive a trabalhar duro e os leve a uma conquista da qual se orgulhem e desejem mostrar aos outros. Diga a eles que suas melhores lembranças deste tempo virão daquilo que eles criarem a partir de si mesmos, com o seu apoio e orientação. Diga que você tentará ajudar, respondendo a todas as perguntas que  fizerem, mas que este é o momento em que eles devem brilhar.


Toda criança tem sonhos — incluindo a sua!

Crianças de qualquer idade podem fazer isso? Pode apostar que sim. Nunca conheci uma criança sem sonhos, interesses ou coisas que queira realizar — algumas vezes, você só precisa procurar e encontrar. Esse é o seu papel como pai: trazer à tona o que é positivo dentro do seu filho. E a hora de fazer isso é agora. Aqui vão algumas recomendações:

- Resista a qualquer tentação de transformar o projeto em algo "escolar" ou "suficientemente acadêmico". Não seja "professoral" e não faça um projeto que seja sobre "fazer pesquisa". Este não deve ser um projeto de escola. Resista à tentação de fazer você mesmo — ainda que queira ajudá-lo a melhorar. Certifique-se de que este é o momento do seu filho.

- O projeto não deve ser sobre simplesmente aprender algo, mas sobre realizar ou conquistar algo. Diga aos seus filhos que este projeto precisa fazer diferença para pelo menos uma pessoa no mundo que não seja eles. As crianças devem ser capazes de declarar ao final do processo: “Antes do meu projeto, isso ou aquilo eram ruins ou não existiam. Aqui está o que eu fiz para ajudar"

- Certifique-se de que este é um projeto no qual seus filhos pensaram e trabalharam para atender a seus próprios interesses e desejos. As escolas normalmente não fazem bons projetos porque tentam de todas as formas alinhá-los a currículos e padrões. Diga aos seus filhos que não façam deste um projeto que fariam na escola.

- Fale sobre os interesses de seu filho no momento, sem se preocupar com necessidades futuras. Por exemplo: ele está atualmente interessado em aviação. Seu projeto então é "ser certificado como controlador de tráfego aéreo em seu simulador". Há um ano, teria sido outra coisa e daqui a um ano provavelmente será outra. Os interesses e paixões das crianças mudam muitas vezes rapidamente. Construa sobre o que eles têm agora.

- Seu papel é ser uma espécie de supervisor e fazer sugestões. É útil, no início, falar sobre os parâmetros desse projeto e definir suas qualidades essenciais, tais como: qual é o objetivo? Quem na equipe faz o quê? De quem é a ideia? (lembre-se, a ideia deve ser da criança!). Os projetos geralmente são melhores quando feitos em equipe — e os parceiros dos seus filhos podem ser seus irmãos ou amigos online, se estiverem disponíveis. Discuta como as crianças, os pais e a equipe trabalharão juntos.

- A coisa mais importante que se pode dizer para a criança sobre o projeto é: "Surpreenda-me!". É quase certo que você ficará surpreso com o que seus filhos podem fazer. Periodicamente, discuta com eles sobre o projeto e incentive-os.

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Encontrando o projeto certo

Comece com uma conversa com seu filho, na qual você ouve com atenção sobre o que ele gosta e quer fazer neste momento. Em muitos casos, se você apenas disser apenas que não é um projeto da escola, eles terão ideias. Muitas crianças já têm em mente o que gostariam de fazer e estão apenas esperando terem tempo e permissão para isso. Você pode perguntar ao seu filho:

- Quais problemas específicos você vê em seu mundo e gostaria de ajudar a corrigir (na família, na comunidade local ou global)?

- Com o que você realmente se importa neste momento da sua vida, além de jogos, esportes  ou atividades sociai? Se eles disserem que não sabem, tente um jogo do pensamento como "O que você prefere?" ou pergunte: "O que você assiste no YouTube e por quê?"

- Quais são seus atributos e pontos fortes? No que você é realmente bom? O que os outros costumam gostar no que você faz? Como você é diferente de todos os outros no mundo de uma maneira positiva? No que você quer melhorar? Quais atividades lhe deixam particularmente feliz (além de jogos, esportes e atividades sociais)? Com o que você pode contribuir?

(Se você fizer esses questionamentos, mantenha as respostas em algum lugar para referência futura. Se você continuar fazendo as mesmas perguntas uma vez por ano, terá um registro do crescimento interno de seu filho — assim como regsitramos o crescimento externo deles em fotos).

Para inspiração adicional, seus filhos podem acessar o livro “Danielle”, de Ray Kurzweil . Ou ir ao site “Design for change” e assistir a vídeos de centenas de projetos feitos por crianças que usaram o método “sinta-imagine-faça-compartilhe”. Ou você pode navegar com suas crianças pelo site “Better Their World Database of Real-world student projects” .

Tecnologia não é um pré-requisito

Se as crianças não têm acesso à internet ou a qualquer outro tipo de tecnologia, não se preocupe. A falta da tecnologia ou do acesso não é uma barreira para seus filhos fazerem este projeto. É a imaginação deles que conta — e toda criança tem imaginação. Em vez de fazer algo físico com tecnologia, é ainda melhor para o seu filho que ele tenha uma ideia original com a qual se entusiasme e queira desenvolver.

Um exemplo

Suponha que seu filho goste de ser um "organizador" ou um coordenador. Ele pode entrar em contato com todos os seus amigos por telefone ou pela internet e dividi-los em grupos de interesse — e depois ajudar cada um desses grupos a decidir e realizar um projeto. As crianças não precisam da escola ou de um professor para fazerem esse tipo de coisa — aliás, é algo que uma tarefa escolar pode até estragar. Mas, se a ideia é deles, a história muda. Como treinador ou supervisor, você pode fazer perguntas norteadoras: “Que problema isso ajudaria a resolver?" ou "O que você será capaz de fazer no final do processo e que não podia fazer antes? Construir uma equipe? Gerenciar pessoas? Construir sites, aplicativos ou chatbots? Começar uma empresa?”.

Concluindo

Como pai ou mãe, você pode pensar que estará tudo bem se você conseguir que seus filhos façam todas as tarefas escolares ou algumas aulas online neste período. Ou pode estar tentando ensiná-los por conta própria em casa. De qualquer maneira, você provavelmente está estressado — e seus filhos também.

Mas você pode se desestressar ao ver este momento como uma oportunidade única de proporcionar aos seus filhos uma experiência que provavelmente eles não terão na escola. Você conhece seus filhos melhor do que qualquer professor — e pode conhecê-los ainda mais ouvindo-os desta forma.

Você pode avaliar se o seu filho está no grupo relativamente pequeno daqueles que adoram trabalhos escolares acadêmicos (10%? 25%?). Ou se ele está no grupo maior (até 90%) formado por aqueles que não amam a escola, mas que realmente amariam fazer algo pelo qual se interessam e do qual se orgulhariam em mostrar aos outros. Lembre-se de que o grupo maior inclui um grande percentual das crianças mais inteligentes e talentosas — que não são simplesmente “acadêmicas”. Você inclusive pode estar nesse grupo. Mas, mesmo que você tenha sido um estudante que desfrutou e se beneficiou do modelo acadêmico, deve estar aberto à possibilidade de que seu filho não seja assim.

Tente, acima de tudo, ajudar as crianças a saírem desta crise com um novo senso de poder e fé no que elas podem fazer por si mesmas. Tente ajudá-las a emergir sabendo que você, o pai ou a mãe, demonstrou interesse pelas ideias delas , em vez de dizer que elas deveriam demonstrar interesse pelo que você acha que devem fazer. Faça seu filho sentir que tem um pai ou uma mãe que os apoia na criação de sua própria educação (e vida), em vez de apenas dizer o que você ou outras pessoas querem para ele. Isso o ajudará a ser otimista nestes tempos incertos.

Este período inesperado em que somos obrigados a ficar em casa não precisa ser desperdiçado. Você tem o poder de transformá-lo com uma experiência educacional diferente — e melhor — do que aquela que a escola normalmente oferece às crianças. Se você se preocupar com a falta de trabalho escolar, tenha certeza de que, quando isso acabar, as escolas continuarão de onde pararam.

Qualquer que seja o tempo que você leve, como pai ou mãe, incentivando as ideias de seus filhos e deixando que eles as coloquem em prática por conta própria, aquilo com o que sonham será mais valioso e lembrado por muito mais tempo. Lembre-se de que uma criança motivada é aquela com a qual você não precisa se preocupar em "mantê-la ocupada". Minha mulher e eu agora temos que afastar nosso filho de seu projeto para garantir que ele coma, se exercite e vá para a cama. Ao fazer o que eles desejam — com a sua orientação —, seus filhos florescerão durante esse período. Qualquer criança que chegar ao fim desta fase com um ótimo currículo “O que eu realizei durante o tempo de coronavírus” se sairá muito bem.

* Marc Prensky , fundador da "The Global Future Education Foundation" é criador de termos como "nativos digitais", palestrante e autor premiado internacionalmente. Já deu palestras em mais de 40 países, escreveu sete livros e foi publicado em dezenas de idiomas. Ele se esforça para ajudar as crianças a melhorarem seu mundo por meio de uma nova educação baseada em projetos