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Artigo: Em educação, é preciso avaliar as avaliações, e a neurociência pode ajudar

Pesquisa mostra que não é razoável comparar indicadores educacionais obtidos com testes diferentes, porque estamos comparando habilidades neurocognitivas distintas
Brasil já conta com diversas avaliações das políticas educacionais Foto: Reprodução
Brasil já conta com diversas avaliações das políticas educacionais Foto: Reprodução

Avaliar é preciso. Essa regra de ouro vale para todas as políticas públicas, do nível social ao individual. A Educação não constitui uma exceção. E de fato, já temos em todo o mundo, inclusive no Brasil, inúmeros instrumentos de avaliação das políticas educacionais, e outros tantos de avaliação de alunos em diversos níveis. Nesta semana mesmo está sendo divulgada a avaliação internacional mais utilizada, o chamado Pisa .

Só que é preciso também avaliar as avaliações! Isso porque elas devem ser comparáveis e consistentes para bem orientar tanto as políticas públicas como as decisões do professor em sala de aula. Tarefa difícil, pois há inúmeras formas de avaliar os alunos: provas discursivas, testes de múltipla escolha, ditados, provas práticas, observações incidentais, questões escritas para completar lacunas.

Será que todas elas avaliam as mesmas habilidades dos alunos? Esse é um pressuposto para comparar a turma A com a turma B, a escola X com a escola Y, o município 1 com o município 2, estados, países...

Foi essa a motivação de um grupo de pesquisadores australianos em recente análise neuropsicológica de três formas de avaliação em crianças de 7 a 9 anos sobre o seu conhecimento da ortografia da língua inglesa. As crianças eram submetidas a três modalidades de avaliação: apontar erros em sentenças escritas; escrever sem erros frases ditadas; e identificar erros em sentenças, respondendo a questões de múltipla escolha.

As sentenças tinham grau de dificuldade controlado e equivalente, e um erro ortográfico cada uma. Eram ouvidas ou lidas dentro de uma máquina de ressonância magnética funcional, e durante o raciocínio do aluno os pesquisadores identificavam as redes neurais ativas. Depois, o aluno respondia ao teste em uma das três modalidades. Era possível então comparar o desempenho dos alunos com as áreas cerebrais ativas e suas funções.

Os pesquisadores constataram que, para sentenças com grau de dificuldade equivalente, os alunos se desempenhavam melhor nos testes de múltipla escolha do que nos testes de ditado, e melhor nestes do que nos testes de identificação de erros em sentenças lidas silenciosamente. Quer dizer: identificar erros ortográficos por meio da leitura é mais difícil do que escrever sentenças ouvidas, sem errar. E na múltipla escolha, tudo era mais fácil, inclusive porque entram nela componentes de comparação e “chute” que facilitam os acertos.

A neuroimagem revelou que as redes neurais engajadas nas três modalidades eram diferentes. A identificação de erros em sentenças escritas demandou maior carga cognitiva e controle atencional, com maior atividade nas redes frontoparietais (situadas na altura da testa e topo da cabeça). Além, obviamente, do envolvimento das redes da leitura e da compreensão linguística, comum a todos os testes. No ditado e na múltipla escolha predominaram as redes da memória. No primeiro, a memória de longa duração (como se escreve mesmo esta palavra?). Na última, a memória de curta duração, para comparar as respostas certas ou erradas.

A mensagem é a seguinte: não é razoável comparar indicadores educacionais obtidos com testes diferentes, porque estamos comparando habilidades neurocognitivas distintas.

As avaliações devem também ser avaliadas, e o estudo das redes neurais engajadas em cada tipo de avaliação é um instrumento poderoso para essa finalidade. Precaução indispensável não só para aferir o desempenho dos alunos, mas também para validar apropriadamente as políticas educacionais.

*Roberto Lent, professor Emérito da UFRJ e Pesquisador do Instituto D’Or